O Festival de Toronto deste ano recebeu dois filmes, com dois astros que se transformaram em tela para viver nomes do mundo das lutas. Se essa coincidência já não bastasse, ambos ainda poderão chegar à corrida pelos prêmios da temporada disputando as categorias principais de ator e atriz. Embora com temáticas parecidas, Coração de Lutador, com Dwayne “The Rock” Johnson, e Christy, estrelado por Sydney Sweeney, têm diferenças na forma de contar a biografia: o recorte de tempo. Enquanto o primeiro é focado em uma janela de poucos anos da vida de Mark Kerr, o segundo percorre décadas na trajetória da pioneira do boxe, Christy Salter — ou Christy Martin, como ficou famosa nos ringues.

Dirigido por David Michôd (The Rover – A Caçada), o longa acompanha a vida da lutadora (Sweeney) desde sua descoberta e glória até os abusos no casamento com Jim Martin (Ben Foster). Abranger tantos anos da vida de um biografado é um erro comum em filmes desse tipo. Se, por um lado, é possível mostrar mais momentos marcantes, por outro, nem todos recebem a devida importância. No caso de Christy, isso vale tanto para o lado esportivo da atleta quanto para seu sofrimento com o marido.

Michôd divide a história em duas partes, separadas por um corte para a tela escura que reforça a escolha narrativa. A primeira, mais enérgica, mostra Christy se descobrindo como lutadora, conhecendo o futuro marido e brilhando no boxe. Seu encontro com Don King é divertido, e o diretor cria boas cenas de luta, que fazem acreditar que Sydney Sweeney pode, de fato, desferir um cruzado potente. Já a segunda parte, mais focada nos abusos do relacionamento de Christy e Jim, pode até impactar quem conhece a história pela primeira vez, mas não alcança a dimensão real da toxicidade do casamento, no qual Jim controlava a esposa com cocaína, violência física e o dinheiro dos prêmios conquistados por ela. Tudo é tratado de maneira superficial, manipulando a emoção do espectador com imagens pontuais. A parte mais interessante surge quase no final e se beneficia bastante da ótima atuação de Ben Foster.

Christy é, de fato, um veículo para Sydney Sweeney brilhar, e a atriz não decepciona. Passando por transformação física (ganho de peso, maquiagem), que muitos veem como chancela de qualidade e prenúncio de prêmios, ela incorpora com convicção a jovem reprimida pela família que encontra no boxe a chance de liberdade. Causa estranheza vê-la armando a guarda nas primeiras cenas, já que Sweeney tem ombros estreitos e baixa estatura — mas isso reforça a metamorfose de Christy através do esporte. Já estabelecida, a personagem aparece com roupas de ombreiras largas e figurinos mais esguios, sinalizando a mudança de personalidade refletida em suas participações em programas de TV e coletivas pré-luta. É notável como a atriz parece mais confortável na primeira parte, em que a narrativa flui melhor e o crescimento da personagem é mais natural. A segunda metade exige um drama concentrado em todas as cenas; por mais que Sweeney esteja bem, a repetição acaba cansando.

Christy não entra para o hall das grandes biografias e nem dos grandes filmes sobre boxe ou esportes em geral. Conta com uma protagonista forte dentro e fora da tela, e é interessante acompanhar o desenvolvimento da personagem e da atuação de Sweeney — novamente bem amparada pela parceria com Ben Foster. O problema é que o filme soa genérico, especialmente ao abordar o relacionamento com a mãe, Joyce (Merritt Wever). Christy Martin foi um dos nomes mais importantes da história do boxe feminino nos EUA e, até hoje, atua tanto no esporte quanto na luta contra o abuso sofrido por mulheres. Se, por um lado, recebeu uma ótima interpretação de uma das maiores estrelas de Hollywood, por outro, sua história merecia mais cuidado.

 

Christy

Christy

Ano:
2025

País:
EUA

Duração:
135 min

Direção:

David Michôd

Elenco:

Ben Foster
,
Sydney Sweeney

Onde assistir: