O título desta crónica é demasiado longo. Um título curto é mais fácil de ler e de reter o leitor — a maior parte das pessoas «passa os olhos» pelas «gordas».

Decidi, porém, contrariar a regra: este título diz o essencial — diz tudo, aliás — e devia prender a atenção de todos.

Desenvolvo: Um rapaz de 12 anos foi encontrado sozinho e descalço depois de caminhar cerca de 12 km (perto de três horas e meia) desde Nariz até Aradas, perto de Aveiro. Tinha hematomas no pescoço e no rosto e contou ao homem que o encontrou que fora castigado por não ter cumprido tarefas domésticas. O homem levou-o à esquadra, onde se confirmou que tinha sido alvo de castigos corporais. Depois, foi encaminhado para as urgências de pediatria do hospital e ficou internado por precaução. A mãe e o padrasto, com quem vivem outras duas crianças, foram identificados pela polícia e contactados pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ).

Segundo essa comissão, em 2024, mais de 13.300 crianças e jovens (13.373) precisaram de uma medida de promoção e proteção por estarem em perigo. A maioria dos casos deveu-se à negligência e à violência doméstica, sobretudo entre jovens de 15 a 17 anos.

O abuso e a violência contra crianças são a manifestação mais abjeta da crueldade humana.

Um tema é desconfortável, não garante “likes”, nem “viraliza”.

Mas proponho um exercício simples: pare um momento para imaginar uma criança — um filho, uma irmã, um sobrinho, uma neta, um amigo — a caminhar 12 quilómetros na berma de uma estrada perigosa, com o rosto e o pescoço marcados por hematomas. Consegue sentir empatia? Consegue imaginar a dor, o medo, a angústia da criança?

Enquanto aguardamos a confirmação definitiva do que aconteceu com o rapaz de 12 anos, deixo algumas perguntas que talvez devêssemos fazer a nós mesmos: estamos realmente bem com isto? Sentimo-nos confortáveis perante esta realidade? Será que podemos continuar a virar a cara ou a fingir que não é connosco? Quando é que os agressores vão começar a temer as consequências dos seus atos?

Uma criança que caminha sozinha pela rua com hematomas precisa de nós para existir numa sociedade que perde demasiado tempo com política e menos com a proteção, cuidado e empatia pelos mais vulneráveis.

O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990.