Stephen King tinha começado a frequentar a Universidade do Maine quando escreveu, em 1966, The Long Walk, o seu primeiro livro, que seria publicado apenas em 1979, sob o seu pseudónimo de Richard Bachman. O escritor criou-o para poder escrever mais do que um livro por ano (a norma convencionada ao tempo pela indústria livreira nos EUA para os autores best-sellers), para não prejudicar o nome no mercado saturando-o de títulos, e ainda para ver se conseguia ser tão bem aceite pela crítica e vender um número aceitável de exemplares usando um nome fictício (no caso de The Long Walk, isso não sucedeu e a obra só teve sucesso quando saiu referenciada a King, em 1984).
A história, que alguns críticos interpretaram como sendo uma alegoria sobre a experiência dos jovens que eram mobilizados para combater na Guerra do Vietname, passa-se num futuro em que os EUA estiveram envolvidos numa guerra gravemente debilitadora do país, que vive sob um governo totalitário sem rosto. Todos os anos, uma centena de rapazes concorre à Long Walk, uma prova em que têm de caminhar sem parar por uma rota pré-estabelecida, mantendo uma cadência mínima. A intenção do Estado é mostrar ao país a sua juventude a dar um exemplo de entrega e de resistência, mas também de sacrifício extremo.
[Veja o “trailer” de “The Long Walk — O Desafio”:]
É que se os participantes não respeitarem a cadência estabelecida durante 30 segundos ou mais, são avisados. Depois de três avisos, os soldados que acompanham a marcha abatem o prevaricador a tiro. Não há meta e a prova acaba só quando houver um concorrente de pé. O prémio é o que ele desejar – desde que não prejudique a política e as ações do Estado. A prova é comandada por um estereótipo do militar desumano, o Major (Mark Hamill, num papel que há 30 ou 40 anos teria ido para um Lee Marvin ou um James Coburn), que de vez em quando executa ele mesmo um dos infortunados concorrentes física ou animicamente quebrados.
[Veja uma entrevista com Francis Lawrence, David Jonsson e Mark Hamill:]
Desde os anos 80 que há planos para filmar The Long Walk. O primeiro candidato foi George A. Romero, tendo-se-lhe seguido Frank Darabont, James Vanderbilt e o norueguês André Ovredal. O projeto acabou por ser concretizado por Francis Lawrence, realizador de Constantine e de alguns filmes da série Os Jogos da Fome. Entre outras alterações, Lawrence e o argumentista JT Molnar reduziram para metade o número de participantes na caminhada, por questões de orçamento; mudaram a localização dos bosques do Maine para o interior dos EUA; e atenuaram o papel da televisão na narrativa e as histórias pessoais de algumas das personagens, bem como a sua origem étnica, para assim ser cumprida a inevitável pauta da representatividade das minorias.
[Veja uma entrevista com Cooper Hoffman:]
Assim, uma dos protagonistas mais importantes do grupo, juntamente com Raymond Garraty (Cooper Hoffman), Peter McVries (David Jonsson) passou a ser negro. A realização de Lawrence é serviçal, e os atores chamam a si o grosso das despesas dramáticas do enredo: as várias motivações das personagens para estarem ali e como racionalizam a sua participação (ou se iludem sobre ela), e as personalidades que revelam, as relações de confronto ou entreajuda, as respostas físicas e mentais de cada um à crescente dureza e desgaste da marcha, e ao clima de seleção implacável e gradual desatino que se instala, causando tentativas de fuga ou revolta, ou as opiniões sobre as intenções políticas por trás do concurso e a crua e escancarada barbaridade que lhe preside.
[Veja uma sequência do filme:]
À partida uma descomplicada e potável série B de ficção científica distópica, mesmo considerando as modificações feitas à história original, The Long Walk — O Desafio trai o livro em que se apoia e perde o rumo da jornada na reta final (e o espectador percebe isso, mesmo que não o tenha lido), primeiro, ao inverter os destinos de Garraty e McVries, e depois, ao punir a principal figura de execração. Ao invés de ter a coragem de manter a conclusão pessimista e desesperançada de Stephen King, o clímax lógico e coerente com tudo o que aconteceu até lá se chegar. Tanta estrada para tão frustrante chegada.