“De repente é que reparamos que realmente as ruas estavam desertas, vazias — estava tudo com portões corridos e não havia pessoas na rua“, lembrou, contando que o dono do hotel, ligado ao Parlamento nepalês, descansou-os depois garantindo que “só os do governo estavam a ser alvo” da fúria dos manifestantes.
No entanto, mais tarde, perceberam que estavam a incendiar “tudo o que eles tivessem a percepção que estava ligado com corrupção“, incluindo o próprio Parlamento e até supermercados.
Ainda assim, com voo marcado, o dono tentou arranjar soluções para Paulo e Luís embarcarem no voo marcado, ainda sem a informação de que os voos tinham sido suspensos.
“Uma das hipóteses que ele pôs foi, eventualmente, levar-nos numa ambulância, disfarçados, até ao aeroporto“, afirmou Luís.
Face à complexidade do plano porém, acabaram por desistir e continuar lá dentro. Segundo Luís Fernandes, o ambiente continuou tranquilo, destacando mesmo que “os funcionários estavam contentes com a revolução”, embora “expectantes”. Desde lá, num dos pisos superiores, podiam ver tudo o que acontecia na rua.
“Conseguimos ver os pontos a serem incendiados, helicópteros a passar e pontos de bombardeamento e de disparos“, lembrou, incluindo o incêndio no hotel Hilton de Katmandu.
Mas, contam, que ao contrário do que aconteceu com o Hilton, os hóspedes do Varnabas Museum não foram transferidos para outra unidade hoteleira. Os viajantes permaneciam lá quando viram a multidão que queimou vários pontos da cidade subir a rua.
Num momento em que os manifestantes subiam os portões do Varnabas Museum, os dois turistas estavam já lá em baixo. Quando Luís sentiu uma pedra a voar junto à cabeça, acabou por fugir subindo de novo. Paulo, pouco depois, acabou por ir também.
Paulo Machado disse que acabaram por se encontrar com outros dois hóspedes do hotel — dois nepaleses — tendo-se refugiado no quarto deles, no sexto andar. Lá dentro viveram momentos de “pânico” e os dois nepaleses “rezavam“.
“O barulho foi ensurdecedor, com gritos de “revolução” e “vitória” enquanto se ouvia vindo dos pisos terrenos um barulho de destruição total“, recordou Paulo.
De repente, relatou ainda, “fomos surpreendidos com murros na porta, que inicialmente supúnhamos serem os manifestantes”. “Antes que deitassem a porta abaixo, abrimos e, apesar de terem o rosto tapado por causa do fumo, reconhecemos que eram dois funcionários do hotel“, continuou, tendo fugido com eles do hotel.
“No segundo piso já não era possível passar, dadas as chamas. Tivemos que saltar para um pátio e depois para a zona de acesso às garagens. Os pertences ficaram para trás. Tínhamos o passaporte connosco e pouco mais“, continuou Paulo, dizendo que fugiram por trás com os funcionários do hotel e foram para a casa de um deles.
“Não sei como, mas conseguiram, no meio daquela confusão toda, trazer-nos a maior parte das malas“, sublinhou Luís, contando que foram depois levados para um outro hotel, mais pequeno, onde passaram a noite. Agora, afirmou o turista, a situação está mais calma nas ruas, já que o exército tomou conta de tudo durante a noite e há um recolher obrigatório em vigor.
O aeroporto internacional esteve encerrado até às 18h00 na hora local desta terça-feira (13h15 em Portugal Continental). A viagem de regresso, diz Luís, já está marcada para esta quinta-feira às 15h00 no Nepal (10h15 em Lisboa).
Da embaixada, dizem, receberam pouco contacto. Ambos tentaram contactar a embaixada de Portugal mais próxima — na cidade indiana de Nova Deli — dizendo que a “resposta foi nula“. Só com os Serviços de Emergência Consular, dizem, é que há um maior contacto.
Paulo disse que o serviço lhes mandou falar com o Cônsul Honorário português no Nepal, respondendo que já o tinham feito. “Não atendeu chamadas e nada disse a não ser responder com um email lacónico“, acrescentou.
O hotel onde estão, contou ainda, só aceitou pagamento em dinheiro vivo, algo que não tinham porque já era o último dia programado para a sua viagem. A comida, acrescentou, também é escassa. “Reportámos tudo isso”, concluiu Paulo Machado, “e a resposta foi sempre um silêncio que nos deixou desamparados“.
“Quem, por acaso, nos tem apoiado bastante é o senhor do hotel“, revelou Luís Fernandes, que lhes tem trazido café, levantado dinheiro e até ajudado a marcar o bilhete de regresso.
Questionado pelo Observador sobre a situação dos dois portugueses, o Ministério dos Negócios Estrangeiros garantiu que “tem seguido atentamente a situação no Nepal, em contacto estreito com a Embaixada em Nova Deli e, localmente, com o Cônsul Honorário em Katmandu”.
“Foi feito um esforço de identificação de cidadãos nacionais que se encontrassem na capital do país, incluindo a respetiva localização e forma de contacto”, acrescentou o MNE, garantindo ter “mantido contacto ativo com os 34 cidadãos nacionais identificados — todos se encontram bem e em segurança, tendo sido contactados pelo Gabinete de Emergência Consular regularmente”
“Eles limitam-se a identificar as pessoas, a ouvir as situações e a dizer que estão a acompanhar“, contou Luís Fernandes, acrescentando depois “que qualquer coisa que avisam e a encaminhar-nos para sites”, como das Comunidades Portuguesas.
“É um apoio meramente burocrático. Mas efetivo mesmo, não tivemos nenhum“, afirmou.