Um grupo de conversação em chinês no Telegram, denominado MaskPark Tree Hole Forum, divulgou imagens de mulheres fotografadas ou filmadas secretamente em diversos locais — incluindo casas de banho públicas — a mais de cem mil utilizadores anónimos, tanto na China como no estrangeiro, segundo revelou o jornal estatal Southern Daily, o primeiro a noticiar a existência destes grupos, na semana passada.
De acordo com a reportagem, alguns utilizadores publicaram imagens privadas das suas actuais ou ex-companheiras, bem como de familiares do sexo feminino. Algumas gravações — feitas com câmaras estenopeicas, que permitem captar imagem a partir de um pequeno orifício, em espaços públicos — estavam inclusivamente a ser vendidas nestes grupos de conversação.
As hashtags associadas ao tema ultrapassavam os 270 milhões de visualizações, nesta terça-feira, na plataforma chinesa de microblogues Weibo. “É verdadeiramente assustador como a filmagem secreta se infiltrou no quotidiano”, podia ler-se num comentário.
Apesar de a China possuir leis rigorosas contra a obscenidade e eliminar regularmente conteúdos considerados pornográficos da sua internet — altamente controlada — a dimensão da partilha destas imagens chocou muitos cidadãos. Para aceder ao Telegram, bloqueado no país, é necessário o uso aplicações de VPN (redes virtuais privadas).
Outros subfóruns do Telegram, dirigidos a utilizadores de língua chinesa e contendo conteúdos pornográficos, chegaram a atingir os 900 mil membros, indicou ainda o Southern Daily. “O meu ex-namorado filmou-me às escondidas durante relações sexuais, publicou as minhas fotografias privadas no grupo sem o meu consentimento e divulgou as minhas contas nas redes sociais”, relatou ao jornal uma vítima, não identificada. A mulher foi alertada para a existência do fórum em Maio, por denúncia anónima. Acrescentou que muitas mensagens no grupo se auto-eliminavam e que as imagens não podiam ser guardadas nem captadas por captura de ecrã, devido às configurações da aplicação.
Segundo os registos de conversação divulgados na reportagem, os utilizadores vendiam ainda objectos do quotidiano — como bases para incensos — equipados com câmaras ocultas, usados para filmar mulheres secretamente. “Isto aumentou a preocupação de muitas mulheres, pois os incidentes de voyeurismo parecem omnipresentes”, afirmou Huang Simin, advogada chinesa especializada em casos de violência sexual. “Tenho notado um sentimento generalizado de impotência relativamente à protecção legal — uma sensação de que não existe forma eficaz de lidar com estes casos.”
O fórum principal MaskPark foi desactivado, mas alguns subfóruns continuam activos no Telegram, informou o Southern Daily. “A partilha de pornografia não consensual é expressamente proibida pelos termos de serviço do Telegram e é removida sempre que detectada”, declarou à Reuters um porta-voz da plataforma. “Os moderadores monitorizam proactivamente as áreas públicas da plataforma e recebem denúncias para remover milhões de conteúdos nocivos diariamente, incluindo pornografia não consensual.”
O escândalo na Coreia do Sul
Na imprensa chinesa, vários comentadores compararam o caso ao escândalo do Nth Room, na Coreia do Sul, onde operadores de grupos pagos no Telegram chantagearam pelo menos 74 mulheres — incluindo menores — para que partilhassem imagens sexualmente explícitas com dezenas de milhares de utilizadores. O caso provocou uma forte reacção pública na Coreia do Sul, e o principal responsável foi condenado, em 2020, a 40 anos de prisão. “Comparado com o caso do NthRoom, a perversidade do MaskPark é ainda mais banalizada e disseminada. Não existe um único autor principal — os utilizadores partilham imagens por ‘diversão’ e não por lucro”, referia uma publicação no Weibo com mais de 14 mil gostos.
Os utilizadores que publicaram imagens nestas salas de conversação podem ser investigados ao abrigo da legislação chinesa por “produção, venda e difusão de materiais obscenos com fins lucrativos”, bem como por “utilização ilegal de equipamento especial de escuta e recolha de imagens não consentidas”, afirmou Huang. No entanto, acrescentou, os crimes de filmagem e fotografia clandestinas são punidos com relativa brandura, caso o conteúdo não seja considerado obsceno — com coimas até 500 yuan (cerca de 65 euros, à cotação actual) e dez dias de detenção administrativa, nos casos mais graves.
A polícia chinesa também enfrenta dificuldades para perseguir criminalmente os infractores do MaskPark, dado que o Telegram é encriptado e está alojado fora do país, afirmou um investigador jurídico chinês, sob anonimato. “Os processos penais exigem um elevado limiar probatório, pelo que a disseminação de imagens íntimas continua, muitas vezes, a não ser punida por falta de provas”, explicou. “Não existem regulamentos específicos sobre a divulgação de imagens íntimas de mulheres adultas.”
Ambos os juristas apelaram a uma intervenção mais robusta por parte das autoridades governamentais no combate ao abuso com base no género em plataformas digitais. “Espero que, no futuro, a China venha a criar legislação penal para regulamentar o voyeurismo e a violência sexual praticados através de imagens visuais”, concluiu Huang.
Laurie Chen
Tradução: Sérgio Magno