Em livro de estreia, Mané entrelaça reflexões sobre ancestralidade, abandono e racismo, gravitando entre ciência e espiritualidade

Em 2010, Ernesto Mané — doutor em física com especialização nos mais importantes centros de pesquisa do mundo — parte rumo à Guiné-Bissau para realizar uma travessia geográfica e afetiva, visitando seus avós e parentes. Nascido no Brasil de mãe paraibana e pai guineense, Mané tinha uma inquietação profunda: sair à procura de sua ancestralidade e conhecer o outro lado da kalunga, isto é, o que há na outra ponta da travessia atlântica que tantos africanos fizeram ao longo dos séculos até chegar aqui. Conhecer a realidade da Guiné e da família que vive ali traz desalento e dor, frustra expectativas, amplia os questionamentos e o faz revisitar memórias de infância. A paternidade e o divórcio recentes o fazem olhar de outra maneira para o pai e para os enredos familiares. Tudo vai sendo registrado no calor da hora no diário que resultaria neste livro original e comovente, mescla de relato de viagem e ensaio autobiográfico. Tendo sofrido racismo desde criança no Brasil, ele se choca ao ser chamado de “branco” nas ruas de Bissau, pelo modo de se vestir e se comportar. Aprende a comer com as mãos, da mesma tigela dos parentes reunidos à mesa. Em Antes do início (Tinta-da-China Brasil, 256 pp, R$ 89,90), Ernesto Mané mostra de forma notável que a literatura é uma linguagem privilegiada para nos trazer notícias do outro lado da kalunga.