O apelo à paz na Palestina tem-se estendido a todas as expressões artísticas, incluindo à moda, mas o designer espanhol Miguel Adrover foi mais longe e decidiu “cancelar” Rosalía pela falta de apoio da cantora à causa humanitária, recusando-se a assinar um coordenado personalizado para a artista. A revelação foi feita pelo próprio criador de moda nas redes sociais com a partilha de um e-mail enviado pela equipa de Rosalía. Todavia, a manobra está a ser acusada de ser, mais do que um apelo solidário, uma forma de atrair atenção mediática.
“Fazer a coisa certa… Silêncio é cumplicidade, e ainda mais quando se tem um altifalante onde milhões de pessoas te ouvem a cantar. É por isso que tens a responsabilidade de usar esse poder para denunciar este genocídio”, escreveu o criador nas redes sociais na legenda de uma imagem de um palestiniano protegido por uma tenda destruída.
Na mesma publicação, Miguel Adrover partilha o e-mail onde a sua equipa responde à de Rosalía, declinando a proposta e justificando que o criador “não trabalha com qualquer artista que não apoie publicamente a Palestina”. E o próprio acrescenta no Instagram: “Rosalía, isto não é pessoal. Admiro-te por todo o talento e por tudo o que conquistaste. E acredito que és muito mais do que aqueles artistas que se dedicam apenas ao espectáculo e ao entretenimento. Agora, temos de fazer a coisa certa.”
Contudo, o tomar de posição de Miguel Adrover não reuniu o consenso que se esperava e o El País recorda que o criador maiorquino está ligado ao projecto Little Spain, um colectivo formado pelo cantor C. Tangana (curiosamente ex-namorado de Rosalía), que também nunca falou publicamente sobre o conflito da Palestina.
Coincidência ou não, nesta sexta-feira, 1 de Agosto, estreia no Atlàntida Mallorca Film Fest o documentário The Designer is Dead (O Designer está Morto, em tradução livre), que conta a história de Adrover, desde o estrelato em Nova Iorque nos anos 1990 até ao seu desaparecimento da vida pública. Ou seja, a polémica com Rosalía pode ser uma forma de captar atenções para o renascimento mediático do criador de moda.
A queda de Miguel Adrover começou em 2001, quando apenas dois dias antes do atentado às Torres Gémeas, o criador apresentou uma colecção que foi acusada de romantizar a cultura talibã, recorrendo a elementos daquele vestuário opressivo nas suas peças. O escândalo foi tal que deu origem a uma investigação por parte da CIA, ainda que o resultado tenha sido inconclusivo, já que Adrover não tinha como antecipar o que aconteceria a 11 de Setembro. “Foi um mau timing”, lamentou então.
Certo é que o incidente levou a que se afastasse da moda, apesar de ter sido apoiado inclusive pela directora da Vogue, Anna Wintour, que elogiou a abordagem ousada. O designer ainda tentou voltar às passerelles, mas a falta de financiamento levou a empresa a declarar falência em 2005. Adrover desapareceu do radar e terá trabalhado como taxista no Egipto, recorda a imprensa espanhola, adiantando que actualmente é proprietário de um bar em Palma de Maiorca, onde tem instalado o atelier da etiqueta, entretanto renascida.
“O mundo está organizado de tal forma que, se dizemos alguma coisa, as pessoas levantam as mãos, horrorizadas. Mas nossos líderes são marionetas impostas por bancos e multinacionais”, acusou o criador numa rara entrevista em 2019 à S Moda. “Sou da era da Sida. Participei em movimentos radicais que mudaram muitas coisas. Hoje, há mais poses do que vontade de lutar.”
As críticas de Miguel Adrover a Rosalía não são totalmente justificadas. Apesar de a intérprete de Motomami não ter falado publicamente sobre Gaza, já se posicionou publicamente no passado contra o partido de extrema-direita espanhol Vox. “Que se lixe o Vox”, escreveu em 2019 nas redes sociais. Até agora, a artista ainda não reagiu à polémica com Adrover.