É vereador em Lisboa e ainda há muito para apurar relativamente ao acidente do elevador da Glória, mas com os dados que já existem, no lugar de Carlos Moedas, se fosse presidente da Câmara, ter-se-ia admitido?
O apuramento técnico vai ser feito pelos técnicos e essa é uma discussão na qual a política não se deve meter. A discussão para a política é uma discussão mais ampla do que isto. No lugar de Carlos Moedas, durante estes quatro anos, teria feito aquilo que lhe disse, reunião de Câmara após reunião de Câmara, o que era necessário fazer: não estar a ver o turismo como a galinha dos ovos de ouro de Lisboa e não preciso te explicar como é que acabou o conto da galinha dos ovos de ouro, mas aproveitar os recursos que a sociedade estava a ter, que foram imensos, para nos valorizarmos. Na reunião em que Carlos Moedas tirou 4 milhões da Carris e pôs quatro milhões na Web Summit, o Livre esteve contra e denunciou isso. Não é a questão de apurar a responsabilidade se os 4 milhões que foram tirados à Carris têm um impacto direto na tragédia do elevador da Glória. O que dissemos é que se nos queremos apresentar como cidade histórica e tecnológica, peguem em algum do dinheiro da tecnologia e ponham essa tecnologia ao serviço, por exemplo, dos transportes públicos. Temos a Web Summit, isso não significa, ao menos, pôr uns chips no elevador da Glória, uns sensores que possam determinar que quando a tensão do cabo não está como deve ser, quando a velocidade não está como deve ser, imediatamente o elevador tem que parar? Era possível fazer isso.

Carlos Moedas, nas últimas declarações, dizia que não devem ser retiradas conclusões precipitadas sobre a causa, mas também sugeriu que uma decisão tomada há seis anos anos, e estava a falar de um cabo que se rompeu, pode ter tido impacto. Não está ele próprio a sugerir uma conclusão precipitada?
É evidente que sim, Carlos Moedas faz política politiqueira o tempo todo, principalmente quando diz que não se pode fazer política politiqueira. Está a dizer é que ele pode e que os outros não podem. Comigo não tem sorte porque nunca fiz política politiqueira. Fui vereador de Lisboa porque é uma cidade que eu amo e é uma cidade à qual me entreguei e agora fizemos uma escolha em que os deputados são deputados, os candidatos autárquicos são candidatos autárquicos, nisso também somos diferentes de outros partidos e, portanto, com pena minha, este mandato encerra-se aqui. Mas fomos dizendo durante muitos anos que a negligência, o descaso, a falta de investimento, o facto de se ligar mais à imagem, ao que fica bem, ao TikTok, ao Web Summit, ao Tribeca… para aí foram os milhões, mas não olhar para monumentos que são da cidade, incluindo os seus transportes públicos, não cuidar deles, não os adaptar, não os modernizar, é a perda de uma oportunidade única que pode não voltar e isso tem que ser julgado, já devia ser julgado antes da tragédia da Glória. Já na altura dizia que Carlos Moedas continuar como presidente da Câmara Municipal de Lisboa é mau para a cidade. E coloco uma questão que tem a ver com a Iniciativa Liberal: é bué exigente, como dizem jovens, bué, bué, bué, querem despedir funcionários públicos que não correspondam ao seu nível de exigência, querem avaliar os funcionários públicos e despedi-los, e querem reconduzir Carlos Moedas.

A IL ficou mais calada porque faz parte dessa coligação?
A Iniciativa Liberal, infelizmente, hoje em dia não serve para nada e a falta que nos faria um partido liberal em Portugal, quando estamos a ver uma extrema-direita, é uma extrema-direita autoritária, securitária, que está num processo de compressão dos direitos e liberdades fundamentais em todo o lado do mundo… Liberais, pessoas que adotam uma ideologia liberal, que conhecem os teóricos liberais, o que é que estão a fazer para deter isto? Quando se faz um discurso anti-imigrantes, que é um discurso absolutamente exagerado, odioso de divisão. O que é que a IL está a fazer? Os partidos verdadeiramente liberais pelo mundo opõem-se a esse tipo de coisas. Faz muita falta um partido liberal em Portugal, mas não é a Iniciativa Liberal. E em Lisboa o que fazem é juntar-se num duplo critério absolutamente incompreensível para quem quer ser exigente com os servidores públicos, mas quando são os servidores públicos com o cartão do PSD, que não apanham o lixo, não iluminam as cidades, não tapam os buracos… e, no entanto, vão juntar-se com eles e querem vê-los reconduzidos. Acho extraordinário.

Há uma sondagem esta semana do Diário de Notícias em que o Livre aparece exatamente à frente da Iniciativa Liberal. Já tinha dito nas legislativas que tinha como objetivo ficar à frente do partido agora liderado por Mariana Leitão, na altura não conseguiu. Suponho que continue com essa ambição. Qual é que é a relevância de ficar à frente da IL, acredita que a o partido lhe pode estar a roubar eleitorado?
Agora já não temos essa ambição, já não queremos ficar à frente da Iniciativa Liberal.

É só uma sondagem, até agora.
Sim, mesmo em sondagens. Agora queremos é morder as canelas ao Chega. Queremos ver a IL pelo retrovisor e morder as canelas ao Chega. Queremos que o Livre seja o ponto de atração de todos aqueles democratas, progressistas que querem fazer frente a esta degradação da política que tem sido introduzida pelas extremas-direitas no mundo. E gostaríamos muito que a IL fosse, no seu campo político, uma espécie de aliado dessa causa, porque poderiam mobilizar votos do centro-direita e da direita para essa causa democrática, progressista verdadeiramente liberal, embora fosse liberal da direita, e nós faríamos essa mobilização à esquerda. Há muitos votos de quem não quer isto, de quem não quer ver a política a ser feita nesta degradação, de quem não quer só ver um vídeo do André Ventura a confundir cidadãos com hambúrgueres e rir para não chorar. Temos de ter uma alternativa a isto, uma política feita para um país que pode ser mais avançado mais qualificado, que utilize os dinheiros europeus para fazer riqueza a partir de baixo. O que vemos é que as elites portuguesas estão a ir pelo seu erro histórico, que é dinheiro fácil distribuído por poucos. E por isso, vemos que muita gente que não seja necessariamente de uma esquerda verde europeia como nós somos, que não sejam necessariamente de tradição da família ecologista, mas que são outro tipo de progressistas, também de sociais liberais, votar no Livre em vez de votar na Iniciativa Liberal. E isso vai servir para irmos aumentando o nosso pecúlio e para um dia irmos disputar o lugar do Chega como partido emergente na política portuguesa.

Essa sondagem coloca pela primeira vez um partido que não o PS ou o PSD em primeiro na democracia portuguesa, que é o Chega. Disse numa entrevista ao Observador que “a política da esquerda antiga não está a dar resultado”. Só o Livre é que tem surgido a crescer. Em que é que os outros estão a falhar?
Não me importo nada de partilhar a receita: tem a ver com pôr a liberdade no centro do discurso, que foi uma coisa que a esquerda se esqueceu de fazer e deixou que alguma direita fugisse com a ideia da liberdade em grande medida para a esvaziar e subverter. É preciso apostar em serviços públicos universais e apoios universais e não tanto naqueles sob condição de recursos que acabam a deixar os pobres a terem que provar que são pobres para poderem ter acesso ao apoio — e muita gente não o faz por orgulho e isto cria enormes fraturas nos nossos bairros, nas nossas cidades, nas nossas vilas, porque está o pobre zangado com o miserável, o miserável zangado com o remediado, toda a gente zangada a pensar que os imigrantes é que têm os apoios. Temos que ter apoios universais, porque assim ninguém tem inveja de ninguém, ninguém tem ciúmes de ninguém, o Estado deve apoiar e servir a todos. E depois tem que ser mais pragmática, uma esquerda capaz de dizer ‘estamos aqui para governar’ porque é isso que é o natural da política. Quero que as pessoas vejam num Livre um partido otimista, alegre, que olha para o futuro com confiança, que quando uma sondagem como essa que diz surge e tem, acho que é 26% para o Chega, que sejamos a voz dos outros 74% que, com mil raios, não querem ver um país governado pela vergonha e bandalheira que é o Chega. Os tipos que querem penas de 250 milénios para incendiários, mas depois têm mandatários que são incendiários e eles próprios são incendiários políticos. Os 74% que não admitem votar naquilo precisam de representação. Infelizmente o PSD não está a ser essa representação, está a ajudar o Chega de várias maneiras e a partir do Governo e o Livre tem potencial de crescimento porque as pessoas que não querem ver a nossa democracia a ir pelo cano têm que ter uma voz.

Mas não sente que essa aparente falta de ambição ou adaptação da esquerda a esta nova realidade impossibilita que exista uma verdadeira alternativa de esquerda para o país?
Vejo a esquerda muitas vezes a fazer o discurso da resistência, o discurso da sobrevivência que, identitariamente, é um discurso que tem raízes profundas na nossa história do antifascismo, mas eu acho que é preciso fazer outro discurso: é preciso dizer que não queremos que as pessoas resistam, que queremos vencer; não queremos que as pessoas sobrevivam, queremos que elas vivam plenamente e para atrair mais gente, para mobilizar mais gente, não podemos estar só a dizer às pessoas venham cá resistir connosco e sofrer a longa noite fascista. Temos que dizer às pessoas que sejam parte de um movimento vitorioso.

Concorda com a presença da coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, na flotilha humanitária para Gaza?
É um gesto de grande nobreza e de grande coragem. Estamos solidários com quem quer quebrar o cerco a Gaza, que é uma coisa completamente desumana. E não percebo muito bem as picuinhices com que tanta gente se põe em relação… as pessoas estão a tentar fazer alguma coisa, quando veem tanta gente à nossa volta que não está a fazer nada para que aquelas pessoas em Gaza sobrevivam. O Livre tem tentado trazer a questão do reconhecimento da Palestina para o centro do debate.

Não ponderou estar presente nessa flotilha?
Sinto que a partir do momento em que a Palestina for reconhecida por alguns partidos-chave, e a Europa é chave, Netanyahu vai perceber que não adianta destruir a Palestina porque aquele território vai ser reconhecido como parte do Estado da Palestina. Aquilo tem de passar a ser visto como um conflito internacional em que a Palestina seja entendida como é a Ucrânia: um país que está a ser agredido por uma potência estrangeira.

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