Após cinco décadas sem respostas, amigos do pianista brasileiro Francisco Tenório Cerqueira Júnior, desaparecido em 1976 na Argentina, se emocionaram com a informação de que seu corpo foi encontrado.
O pianista Francisco Tenório Cerqueira Júnior. Foto: Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF) / Acervo da família
Amiga próxima e colega de palco, a cantora Joyce Moreno afirmou ao Estadão que a morte dele foi um “crime contra a cultura do Brasil”. “Tenório era realmente um músico genial, brilhante — não à toa, Vinícius de Moraes ficou totalmente fã dele. Mas ele só teve a oportunidade de gravar um único disco. E, ainda assim, esse álbum virou cult na Europa e no Japão.”
A cantora e compositora Joyce Moreno. Foto: Leo Aversa
Joyce diz que participou da turnê em que Tenório desapareceu. Eles acompanhavam a dupla Toquinho e Vinícius de Moraes na turnê pela América do Sul, que começou no Uruguai. A trupe era composta ainda pela cantora Amélia Colares, Amelinha, o baterista Mutinho e o baixista Azeitona. As duas cantoras não seguiram para Buenos Aires, onde Tenório foi morto.
“Foi um susto quando soube do desaparecimento, porque o Tenório era a pessoa mais apolítica que eu já conheci na minha vida. Ele não tinha ligação com nada, acho que ele nem ia votar, era totalmente desligado dessas coisas. E ele foi levado nas vésperas do golpe militar na Argentina”, afirma a cantora.
Integrante do show em Buenos Aires, Mutinho recorda da tensão durante a temporada argentina, uma semana antes do golpe de Estado dado pelos militares no país. “Eles (polícia) abriram o (estojo do) violão do Toquinho na (Avenida) Corrientes. Um dia eu estava na Calle Florida e vi puxarem um cara para dentro do carro. Eles desconfiavam de todo mundo. Uma coisa horrorosa.”
O músico gaúcho Lupicínio Moraes Rodrigues, conhecido como Mutinho. Foto: Marília Scarabello/Divulgação
Para Mutinho, Tenório — alto, cabeludo e de barba espessa — pode ter sido confundido com alguém considerado “subversivo” na Argentina. “A postura dele não era agressiva, mas chamava a atenção. Ele era um doce.”
Mutinho descreve o pianista como “música pura”. “Ele era um inovador, junto com Dom Salvador, Luiz Eça, aquela pessoal todo. Era música pura”, relembra o baterista.
Neste sábado, o filho de Elis Regina, o produtor João Marcello Bôscoli, também comentou a notícia. “Sempre, sempre me emociona muito”, disse o dono da Trama, que em seus programas de rádio toca composições de Tenório Jr.
O produtor João Marcello Bôscoli. Foto: Denise Andrade/Estadão
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Nas redes sociais, outras personalidades repostaram a notícia de que Tenório Jr. foi identificado. No Instagram, o músico Danilo Caymmi, afirmou que a notícia da identificação do corpo de Tenório Jr. foi triste e, ao mesmo tempo, confortadora. “Hoje sabemos que ele foi executado. A repressão maldita levou meu amigo, muito triste”, disse o cantor no Instagram.
Ele também lembrou que Tenório Jr. não tinha nada a ver com política e era um homem religioso. “A única desvantagem dele era usar barba e bigode, o que na época era uma marca do comunismo.”
O músico Dorival Caymmi também se manifestou nas redes sociais sobre Tenório Jr. “Fiquei tocado. São 50 anos. (Foi) assassinado por esse sórdido golpe militar na Argentina. Finalmente vamos dar um sepultamento digno para esse grande brasileiro. Saudade de Tenório Jr.”
Para o biógrafo do Vinícius de Moraes, José Castello, a notícia é mais um acerto de contas, uma luz que se joga sobre os horrores praticados pelas ditaduras militares do continente. “Vinicius, que era um democrata e sempre odiou a ditadura, certamente estaria muito aliviado porque, pelo que entendi, o desaparecimento súbito de Tenório Jr. ficou como uma ferida obscura em sua vida.” Na avaliação dele, ter uma explicação, ainda que tardia e triste, é melhor do que nada. “É ter uma parte da Verdade — e a Verdade era tudo o que as ditaduras lutaram sempre para esconder.”