O remate pífio do Veloso na final da Taça dos Campeões Europeus. O tiro do Rui Costa para o título de campeões do mundo sub-20. O Ivkovic a defender penáltis ao Maradona. O Roberto Baggio a falhar a baliza, depois de ter levado sozinho a Itália à final do Mundial. O Ricardo a defender de mãos nuas e, depois, a ir lá ele mesmo o marcar o golo decisivo. Os penáltis têm má fama, “lotaria”, gostam muitos de lhes chamar, mas constituem, desde sempre, alguns dos mais inesquecíveis momentos da história do jogo bonito.
Não é por acaso. De certo modo, são todo o futebol condensado num instante. Mas não é só isso; é pensar nos exemplos acima: nos penáltis, está concentrada toda a possibilidade de glória ou perdição, a justiça mais bela ou a injustiça mais cruel. Acontece aos melhores e aos piores, infringe toda a lógica, ajoelha gigantes e eleva underdogs ao Olimpo. Os penáltis, sobretudo na modalidade “critério de desempate”, são um raríssimo instante de suspensão: o tempo pára, multidões de milhares silenciam-se, os relógios não contam, nenhum olhar se desvia. A seguir, virá sempre o contraste mais radical: o grito de glória ou o clamor destroçado. O avançado ou o guarda-redes, os azuis ou os vermelhos, os da casa ou os de fora, os que ganham sempre ou os que nunca conseguem. São a vida e a morte, a luz e a sombra, a decisão inapelável. Um dos mais simples e extraordinários espectáculos de exibição do que é, afinal, o animal humano. Grandioso, inútil, comovente, absurdo, superlativo.
▲ A capa de “O Penálti: História de uma Invenção que Mudou o Futebol”, de Robert McCrum (Zigurate)
Alguém ter escrito um livro sobre isso, por si só, já merece um estádio a aplaudir; que esse alguém seja descendente do inventor da maquinaria, acrescenta-lhe o toque de dramatismo de que nenhum jogo digno desse nome poderá abdicar. Afinal, um penálti nunca é só um penálti. É a história de cada um daqueles dois homens até chegarem ali, em frente um ao outro, separados por 11 metros e sabe-se lá quantos pensamentos, e o símbolo que carregam ao peito – eventualmente, a bandeira, uma contra a outra. Países inteiros. O desempate por penáltis é o descendente das antigas batalhas, diz o livro, num dos seus remates mais certeiros. Livro lido – vamos ao resumo e à análise, já que não dá para flash interview.
Robert McCrum é um inglês de Cambridge, veterano das letras ora como escritor, ora jornalista, ora editor, mas é sobretudo, no que ao caso mais importa, bisneto de William McCrum, o guarda-redes irlandês amador que inventou o penálti em 1891. E o que faz, ao longo das breves 150 páginas (mais coisa menos coisa) de O Penálti – História de uma Invenção que Mudou o Futebol é, mais do que o subtítulo anuncia, a história de uma família ao longo de século e meio, dos penáltis que transformou em golo e dos que falhou e do que isso tem a ver com a tumultuosa relação entre a Inglaterra e o Ulster.