BCE controla de novo a inflação e mantém pausa nos juros (para já). Foi a última reunião do português que se fez ouvir por toda a Europa a pedir cortes para estimular o crescimento quando a inflação começou a recuar. Sai num momento em que uma das maiores economias do euro arde. Lagarde espera que Paris cumpra as regras orçamentais.

O Banco Central Europeu (BCE) perdeu a sua maior ‘pomba’ , isto é, o defensor de uma política monetária mais expansionista (dovish), com taxas de juro mais baixas. Foi a última reunião de Mário Centeno a representar Portugal na sede do BCE em Frankfurt. Agora, o italiano Fabio Panetta e o grego Yannis Stournaras ficam a liderar o ranking dos governadores considerados mais dovish.
A saída do governador do Banco de Portugal ocorre quando termina o ciclo de cortes de juros e a inflação está controlada. O timing é uma coincidência,claro, mas não deixa de ser o melhor momento possível nos últimos anos para deixar Frankfurt. Por outro lado, a segunda maior economia do euro está sob pressão, França.
Em janeiro de 2024, já MárioCenteno estava a defender o corte dos juros para estimular a economia da zona euro. Na altura, o BCE deixava inalteradas as taxas pela terceira reunião consecutiva, isto depois de 10 subidas consecutivas dos juros, para um nível recorde de 4% na taxa dos depósitos (2% agora). Mas seria precisar esperar até junho de 2024 para o BCE arrancar com o ciclo de descidas. Foi difícil o início, mas culminou em oito cortes no espaço de um ano.
Do lado dos ‘falcões’, o eslovaco Peter Kazimir, os alemães Isabel Schnabel e Joachim Nagel, o holandês Olaf Sleijpen ou o austríaco Martin Kocher (que substituiu recentemente o ultra-falcão Robert Holzmann) que defendem uma política monetária mais restritiva (hawkish), segundo o ranking do “Econostream”.
Resta agora saber como vai posicionar-se Álvaro Santos Pereira. A sua primeira reunião em Frankfurt vai ter lugar a 30 de outubro, onde terá direitos de voto.

O tema quente de França
No encontro de quinta-feira, o tema quente foi a situação de França. A presidente do BCE bem começava por dizer que não iria comentar individualmente sobre países, mas não resistiu a deixar vários alertas a Paris.
“Estou confiante que os decisores políticos consigam reduzir a incerteza”, começou por dizer na habitual conferência de imprensa onde explica as decisões do banco central.
Também referiu a importância de serem cumpridas as regras orçamentais europeias. “Estou certa que todos os governos querem operar com base nesta moldura orçamental”, afirmou.
Questionada sobre se o BCE planeava atuar no mercado para comprar dívida gaulesa e esfriar as subidas de juros, respondeu que as “obrigações da zona euro estão a funcionar bem e com boa liquidez”.
“O nosso foco é a estabilidade dos preços, mas precisamos de estabilidade financeira, o que requer um mecanismo de transmissão monetária a funcionar bem. Temos todas as ferramentas necessárias se essa transmissão não se provar suficiente em toda a zona euro”, segundo Christine Lagarde.
O BCE anunciou uma pausa no cortes dos juros, pela segunda reunião consecutiva, e a suspensão é mesmo para continuar. “O processo de desinflação acabou”, disse a líder do BCE. A zona euro está numa “boa posição”, com a inflação a estar (2%) onde o BCE previa. “A inflação está atualmente a rondar a meta de 2% e o Conselho de Governadores mantém a sua previsão de inflação inalterada”, segundo o comunicado de Frankfurt.
Crescimento da zona euro revisto em alta
As novas projeções do BCE estão em linha com as anteriores, apresentadas em junho. Inflação de 2,1% em 2025, 1,7% em 2026 e 1,9% em 2027. Retirando a alimentação e a energia, a inflação média deverá atingir 2,4% em 2025, 1,9% em 2026 e 1,8% em 2027.
Já a economia da zona euro deverá crescer 1,2% em 2025, uma revisão em alta face a junho (0,9%). A projeção para 2026 desceu, 1,0%, com a projeção para 2027 a manter-se inalterada em 1,3%.
“O Conselho está determinado a assegurar que a inflação estabiliza na meta de 2% no médio prazo”, segundo o comunicado que garante que as próximas decisões serão “dependentes de dados” e “encontro a encontro” para determinar a “política monetária mais apropriada”.
As decisões do Conselho do BCE “serão tomadas com base na avaliação do outlook da inflação e os riscos, à luz dos dados financeiros e económicos, assim como as dinâmicas da inflação subjacente e a força da transmissão da política monetária. O Conselho não se está a comprometer com nenhum trajeto de taxas em particular”.
Os analistas consideram que o ciclo de cortes de taxas de juro do BCE terminou, por agora.
OBCE “está em cima do muro — o que não é particularmente confortável, mas é preferível a cair do lado errado. A inflação continua elevada, enquanto o crescimento é suficientemente resiliente”, disse Roelof Salomons do BlackRock.
“Outro corte este ano parece improvável. (…) Os mercados ainda precificam que o BCE permanecerá em 2% até o final do ano, e o obstáculo para outro corte é bastante alto”, apontou.
Para o analista Michał Jóźwiak da Ebury, “outra redução das taxas de juro já não é o cenário base, com os mercados a atribuírem menos de uma em cada cinco hipóteses de tal acontecer em 2025”.
O analista considera que o ciclo de cortes “terminou”, a não ser que se comprove que as tarifas dos EUA “ estão a ter um impacto muito significativo na economia da zona euro para que o BCE considere uma maior flexibilização. Consideramos isso improvável, especialmente tendo em conta que o enorme programa de estímulo fiscal da Alemanha deverá impulsionar o crescimento no próximo ano”.

Fim do alívio ou pausa?
Já Luke Bartholomew da Aberdeen escreveu que o tema mais urgente é saber se o BCE “terminou o alívio ou se está a pausar brevemente antes de realizar mais cortes no futuro”, com as previsões económicas a apontarem que os cortes terminaram.
No futuro, a próxima mexida do BCE até pode vir a ser um aumento da taxa e não um corte, estima.
Para Carsten Brzeski do banco neerlandês ING, ainda existem riscos descendentes para a inflação, o que deixa a “porta aberta para outro corte”. Apesar de a “meta para outro corte ser muito alta, não podemos excluir de todo que o BCE seja obrigado” a atuar “nos próximos meses”.
“Existem argumentos válidos que podem forçar o banco central a cortar nos próximos meses”, como o acordo comercial com os EUA, cujas tarifas previstas podem vir a ser mais elevadas, se certos pontos não forem cumpridos, ou uma inflação abaixo dos 2%.
Por seu turno, Irene Lauro da Schroders considera que o ciclo de alívios terminou. “Com a incerteza comercial a recuar, a recuperação da zona euro vai acelerar”, com a ajuda do programa de estímulos da Alemanha e o desemprego em níveis mínimos.
O grande risco agora é a incerteza política, com França no radar, mas a resiliência da economia e com a procura interna forte, o BCE “pode se dar ao luxo de manter a política monetária inalterada”, concluiu.