As animações do estúdio Pixar, sem sombra de dúvidas, foram o que me fizer saber que eu queria trabalhar com algo relacionado à arte de fazer filmes. Sendo assim, não é exagero dizer que Toy Story constitui o berço da minha cinefilia.
Portanto, de fato, Woody, Buzz Lightyear e cia. foram os meus brinquedos existenciais que me prepararam para outras aventuras para além das infantis. Mas tudo não existiria se não tivesse começado com essa doce realidade lúdica da infância, o que esta franquia soube representar tão bem, e que me acompanhou enquanto eu crescia.
Sendo assim, em celebração aos 30 anos do primeiro filme da saga, vamos a uma breve lista do pior – ou melhor, “menos bom” – ao melhor filme desta franquia que encanta gerações. Faço questão de colocar os filmes em ordem de lançamento e não de hierarquia de qualidade, para que possamos acompanhar o desenvolvimento da saga. Então, vamos nessa?
Toy Story (1995), de John Lasseter
O primeiro filme da saga já demonstra como a Pixar sabia o que estava fazendo, pois, ainda hoje, o trabalho de computação gráfica, revolucionário para a época, é impressionante. A escolha por dar foco em brinquedos vivos, ao invés de seres vivos ou seres humanos – emprestando o conceito do curta-metragem Tin Toy (1988) – se mostrou uma escolha inteligente, pelas limitações da tecnologia da época.
Os movimentos, a expressividade e as dimensões das personagens, bem como as composição dos cenários, com detalhes de elementos e do trabalho de iluminação são mais do que competentes, sendo uma referência à frente do seu tempo que apontava para tudo o que a animação poderia se tornar futuramente.
A história introduz muito bem o universo dos brinquedos, estabelecendo de forma cativante e divertida o estilo da série com personagens únicos, que compõem a pequena “sociedade” do quarto de Andy. A trama inova ao mostrar um protagonista tridimensional (não só no sentido visual como também em personalidade) como o xerife Woody, que não era um mocinho convencional, mas um personagem de caráter egoísta e invejoso que não suporta o fato de não ser mais o brinquedo preferido do menino Andy após a chegada de Buzz Lightyear. Tudo para passar por um processo de redenção através da amizade.
Totalmente desprovido dos arquétipos narrativos que reinavam na Era do Renascimento Disney, (inclusive sendo uma história totalmente original e não adaptada, como era o costume do estúdio do Mickey), a Pixar trouxe sua própria fórmula narrativa, levando Woody e Buzz a uma jornada de autodescoberta e amadurecimento mútuo, migrando da rivalidade a uma singela amizade. A Pixar apresenta assim seu teor vanguardista, evitando os clichês das animações tradicionais e buscando sempre o ineditismo em suas histórias.
Apesar de um revisionismo ser pertinente sobre o maniqueísmo presente na figura do menino Sid como antagonista – já que há que se levar em conta que, a despeito de ter hábitos bizarros, ele não sabia que os brinquedos tinham vida – o mesmo exerce um conflito interessantíssimo para o universo apresentado.
Nota: 4,5/5
Toy Story 2 (1999), de John Lasseter
O segundo filme, sem dúvida, é uma sequência que consegue desenvolver as personagens de forma incrível, sobretudo Woody, acertando ao fazê-lo descobrir suas origens mercadológicas, depois de um acidente que afeta sua relação com Andy e um posterior sequestro por parte de um colecionador.
Tendo sua amizade com Buzz estabelecida e superada a inveja que sentia dele – o tempo mostrou que, apesar de tudo, o caubói ainda é o favorito do Andy –, Woody agora vive o dilema de perceber sua fragilidade material e a nova importância que tem para as novas personagens que conhece, Jessie, Mineiro e Bala-no-Alvo, a galera do chamado Rodeio do Woody. Isso traz ao protagonista um dilema que coloca em xeque seu status como brinquedo de Andy, de forma ímpar.
Toy Story 2 aborda o tema da descartabilidade de forma visceral, mostrando como isso é frustrante e desesperador para os brinquedos, uma vez que constitui um abandono. As discussões sobre pertencimento, desilusão e lealdade trazem novas escolhas a Woody, que precisa entender onde é o seu lugar, e é aí que o tema musical Amigo, Estou Aqui ganha seu significado maior.
O fato de que o filme tem dois vilões – o colecionador inescrupuloso Al e o boneco rancoroso Mineiro – evidenciam o caráter diferenciado dos roteiros da Pixar, com variedade de conflitos e definição de motivações compreensíveis e menos unidimensionais da parte dos vilões, sendo ainda a revelação de um deles um plot twist.
A jornada paralela de Buzz e os outros brinquedos (Rex, Slinky, Cabeça-de-Batata, etc.) indo atrás de Woody, para trazê-lo de volta para casa antes que Andy volte da viagem, faz a trama alternar bem entre os momentos aventurescos da turma e os momentos mais intimistas entre Woody e a galera do Rodeio.
Através dessa dinâmica, o roteiro também fornece a cada um dessa equipe principal de brinquedos do Andy uma função narrativa mais destacável que no filme anterior, evidenciando ainda mais suas habilidades e personalidades, movendo a trama de forma deliciosa de acompanhar, conseguindo superar o filme original.
Nota: 5/5
Toy Story 3 (2010), de Lee Unkrich
Se o valor dos brinquedos está na sua utilidade nas brincadeiras das crianças, o que será de suas vidas quando seus donos crescem e não precisam mais deles? Essa é a premissa do tardio terceiro filme que acerta em cheio ao trazer o momento mais temeroso da vida dos brinquedos.
Quando a ideia de serem doados para a creche Sunnyside parecia uma boa solução, os brinquedos passam por um novo conflito: não conseguir lidar com os modos de brincar de crianças tão novas. Dessa forma, o urso-de-pelúcia Lotso, o chefe do local, aparentemente bom, mostra-se um vilão capaz das piores coisas, não menos que um ditador que comanda o lugar com punho de ferro.
A trama coloca uma interessante hierarquia de poder em curso, baseadas em motivações convincentes por parte do vilão, já que ele precisa que novos brinquedos surjam para as novas crianças, para que ele e os brinquedos mais velhos possam descansar da exaustão da função.
Sendo assim, Lotso é um vilão ue aproveita um pouco do conceito do Mineiro do filme anterior, porém adicionado a uma nova camada de conflito e aplicado a uma nova realidade. Isso porque, ao contrário de Mineiro, que nem chegou a ter um dono, Lotso, por sua vez, teve uma dona que, ao perdê-lo, o trocou por outro urso.
A partir da ideia do destino de Lotso, bem como de tudo que acontece com os brinquedos do Andy desde o início da trama, é salutar destacar como Woody se torna um herói cada vez mais altruísta em sua jornada. Toy Story 3 é, até então, em que ele mais se sacrifica pelos demais.
Os temas da descartabilidade e do senso de pertencimento, iniciados no filme anterior, aqui ganham camadas mais extremas, e o final, em que são integrados a um novo lar, conclui de forma brilhante o arco dos brinquedos.
Nota: 4,5/5
Aqueles que muitos consideram o filme mais fraco da franquia – e sim, eu também considero – não deixa de se mostrar relevante, pois consegue avançar ainda mais nos temas da saga.
O filme tem em seu foco no xerife Woody seu maior triunfo – já que amadurece ainda mais uma personagem que parecia não ter mais para onde avançar – e também seu maior defeito – já que acaba subaproveitando todos os demais brinquedos. Até mesmo Buzz e Jessie são apagados na trama, ainda que tenham suas utilidades, muito mais breves, o que é frustrante e prejudica a consistência da franquia.
Por outro lado, a jornada de Woody se mostra absolutamente eficiente, tornando-o ainda mais virtuoso, quando o roteiro tem a brilhante ideia de tornar aquele que antes era o preferido do menino Andy o brinquedo mais constantemente ignorado pela menina Bonnie, e, ainda assim, fazê-lo se preocupar com o crescimento dela e querer se sentir útil para a mesma.
É aí que o filme introduz um novo conceito para a mitologia da franquia que é digno de todo elogio: a ideia do brinquedo improvisado, criado pela própria criança a partir da junção de determinados materiais. Somos, então, apresentados a Garfinho, que constitui o legado silencioso do caubói para sua dona.
Toy Story 4 também acerta em cheio em trazer de volta uma personagem que foi deixada de lado no filme anterior: Betty reaparece em grande estilo e com personalidade de destaque, ao contrário de sua posição quase irrelevante nos filmes anteriores. O upgrade na personagem a partir de como ela se vira na vida após ser doada pela mãe do Andy a um antiquário complementa brilhantemente a saga do caubói, fazendo o reavaliar seu papel no mundo, à luz de sua nova condição. É a Pixar mais uma vez filosofando para crianças através de suas animações.
Nota: 4/5
—
Assim, no geral, Toy Story se constitui como uma das mais consistentes, brilhantes e belas franquias da história do cinema. Sem dúvida, a saga é um feito que muitas franquias live action por aí nunca chegaram perto de ser, com suas continuações caça níqueis e pálidas. O mesmo não se pode dizer dessa franquia tratada pelo seu estúdio com tanto carinho, com uma criatividade que parece não reconhecer limites.
Com um surpreendente quinto filme já confirmado, só podemos esperar que a Pixar continue nos emocionando e sempre nos levando ao infinito… e além.