No coração do Barreiro, Miguel Menaia move-se com a confiança de quem conhece o terreno. Aos 30 anos, este comunicador barreirense – licenciado em Ciências da Comunicação e com quase uma década em marketing digital – decidiu usar as ferramentas do século XXI para contar a história da sua terra através da comida.

O seu projeto, uma mistura de jornalismo gastronómico de proximidade, stand-up e um olhar aguçado para a cultura local, conquistou uma audiência fiel de quase 10 mil seguidores.

O percurso de Menaia é um mapa de interesses que “retrospetivamente, faz todo o sentido”. A formação em Ciências da Comunicação deu-lhe a base, o marketing digital tornou-se profissão principal. “Tirei um curso de escrita criativa e fiz várias vezes stand-up”, recorda.

Essa fusão – a estratégia do marketing, a narrativa do jornalismo e a entrega do comediante – é a alma do seu conteúdo. “Não gosto de narrar: agora estou aqui, estamos a comer isto. Tento sempre falar como se fosse uma experiência. Faço metáforas, faço analogias, tento brincar.”

O ponto de viragem surgiu em 2020. O desejo de partilhar, sempre presente, encontrou finalmente o veículo perfeito. “A comida foi uma necessidade de partilhar conhecimento e não só. É como um veículo”, explica.

Para o criador de conteúdos, focar-se na cidade de origem “era uma questão de justiça narrativa”, na medida em que “a Margem Sul, e o Barreiro em particular, sofrem de um estigma de vazio gastronómico” que, diz, “a realidade desmente.”

O roteiro de Miguel Menaia: onde comer no Barreiro
Mais do que um influencer, Menaia posiciona-se como um “criador de conteúdo confiável para os sabores da cidade e não só.” O seu roteiro pessoal é um reflexo da diversidade e qualidade que procura destacar nas redes sociais. Partilhou com a New in Barreiro os “cinco imperdíveis da cidade.”

1. Voraz: No topo da lista está o restaurante de autor do mercado 1.º de maio. Menaia descreve-o como a prova definitiva de que o Barreiro está na vanguarda gastronómica. “Comida de autor tipicamente portuguesa, mas sempre com algum twist, é focado na sazonalidade, tem um cultura de balcão frente a frente com o produto e é imperdível.” 

2. Porta 36: “Um restaurante também de autor, tem um ambiente incrível, os pratos mais focados no conceito de partilha que nos é tão familiar. Também portugueses com um twistzinho àqueles sabores que, à primeira vista, até nem se misturam, mas o chef Guilherme transforma em mágica.”

3. Mafraria: “Tão complexo como um restaurante, nenhum roteiro estaria completo sem ele”, garante. Para o barreirense, os pastéis de nata são uma instituição e “conseguem rivalizar com os pastéis de Belém.” A sua história de afeto com a pastelaria é longa, tornando-a num elemento central da identidade gastronómica que defende.

4. Garofalo: “Dois em um”, Menaia inclui as massas e as pizzas napolitanas do italiano Roberto Garofalo no lote de restaurantes que continuam a dar razão à sua presença nas redes sociais. “São as melhores pizzas do Barreiro, não tenho sequer forma de as comparar porque não há igual. Também há as massas no mercado, mas as pizzas são mesmo de outra dimensão”, garante.

5. Traz Vinho: Para fechar com chave de ouro, o “clássico Traz Vinho representa a espinha dorsal da restauração local: familiar, consistente e profundamente autêntico. É familiar, típico, mas com um conceito giro de poder levar uma garrafa de vinho. É daqueles sítios de paragem obrigatória, ainda por cima virado para Lisboa.”

Além destes cinco pilares, Menaia mantém-se atento aos espaços menos óbvios, que merecem reconhecimento. Menções como o Dream Sushi – “sushi ok para quando o famoso Ozaki está cheio” – revelam um conhecimento aprofundado do ecossistema da comida local.

A avó, a família e a comunidade: os pilares por detrás das câmaras

Num mundo digital intoxicado por “gifted experiences” e críticas amenas, Menaia ergue a bandeira da autenticidade. Diz que o “seu pacto com a audiência é não negociável” e que a experiências relatadas são sempre reais. “Com convite ou não. Sem fabular”. Esta postura valeu-lhe não só a confiança dos seguidores, mas também o respeito dos restaurantes, que o veem como parceiro sério e construtivo, mesmo quando o feedback não é totalmente positivo.

A autenticidade de Menaia” não é uma pose”. A família acompanha o projeto de perto e a avó, inicialmente reticente em frente às câmaras, tornou-se uma figura querida pelos seguidores, protagonizando vídeos onde partilha receitas tradicionais. “Ao início, era uma pessoa mais reservada, mas depois já começou a falar e a aparecer mais.”

Esta dimensão familiar acrescenta uma camada de profundidade ao seu trabalho, ligando a nova gastronomia de autor às tradições culinárias que a sustentam.

O futuro: consolidar e expandir, mas sempre autêntico

O crescimento é orgânico e deliberado. O plano para o futuro passa por se focar “em conteúdos relatable e que também tenham mais investigação de fundo”, aproximando-se cada vez mais de um formato de jornalismo gastronómico de nicho. A rotina é intensa – as gravações e edições ocupam fins-de-semana e noites, com a ajuda da namorada –, mas o gosto permanece. “Tem de se gostar mesmo… não trabalhar só com os números.”

A ideia de, um dia, ter o seu próprio restaurante já foi ponderada, mas Menaia é pragmático. “Exigiria dedicação total e formação específica”, admite. Por agora, o seu restaurante é o digital, e o seu menu é feito de histórias, descobertas e uma paixão contagiante pela Margem Sul.

“Mais do que um criador de conteúdo”, Miguel Menais diz-se um “storyteller e um defensor ferrenho” do potencial da sua terra. Através do seu olhar, o Barreiro – e toda a Margem Sul – revela-se não como uma mera extensão de Lisboa, mas como um destino gastronómico com identidade própria, à espera de ser devidamente saboreado.