Aos 45, o mercado de trabalho prepara o empurrão. Se não se mexer, vai borda fora

As fases da desvalorização

Dos 18 aos 24 anos, basicamente não servimos para nada mas servimos para tudo. Dos 25 aos 34, servimos para servir. Dos 35 aos 44, quem nos quer pede para ficar. Dos 45 aos 54, começamos a ser demasiado caros e obsoletos para estar. Dos 55 aos 64, fazíamos um favor a todos se fossemos para casa. Este é mais ou menos o cenário atual quando olhamos para os números de desemprego, os valores médios salariais e a forma como o mercado nos lê — não como pessoas, mas como fases de utilidade.

De quem é a culpa? É nossa. Mas também de um sistema que nos acorrenta à estabilidade, ensinando empresas a pesar custos em vez de valorizar forças. E de um Código do Trabalho que ensina as empresas a olhar mais para o peso do que para a força. Mais para o custo do vínculo do que para o valor da experiência.

A prenda envenenada do tal sistema

O desemprego jovem mantém-se alto — cerca de 10% entre os 20 e os 24 anos. Mas não podemos olhar para o desemprego jovem sem olhar para a taxa de rotatividade dos mais velhos. Tudo anda a par, agarrado a uma regulação laboral que há pelo menos 50 anos evolui na mesma direção: proteger o vínculo, punir a mobilidade, premiar a fidelidade — até ela deixar de servir. A partir dos 44 anos, a taxa de rotatividade começa a desacelerar. Talvez alimentada pelo medo de perder o emprego e de nunca mais o reconquistar. Mas essa fidelidade não se reverte em ganhos para o colaborador. Entre os 25 e os 34 anos, a rotatividade é elevada. Entre os 35 aos 44, reduz-se em 50%. O salário médio sobe apenas 12%. Ver aqui.

E dos 45 aos 55? A diferença salarial é de apenas 16% face a quem tem menos 20 ou 30 anos de experiência.

Os dados são claros: atingimos o pico de rentabilidade aos 45 anos. A partir daí, é sobreviver sem descer. Mas porquê? Será que os salários estagnam porque a rotatividade se reduz? Ou será que as empresas não ajustam porque sabem que o colaborador não tem para onde ir — ou não quer ir para lado nenhum? Valorizamos a estabilidade em detrimento do salário e depois queixamo-nos do salário, esquecendo que escolhemos a segurança. Ou fomos forçados a aceitá-la por um sistema que nos deixa sem saída. Já diz o ditado: “Olhas para os tombos que dou, mas não vês aquilo que eu bebi.” Olhas para as minhas quedas, mas ignoras as amarras que me fizeram tropeçar.

O valor que temos para as empresas é artificializado por um código laboral que privilegia o comodismo. Protege-nos, sim — mas também nos paralisa. É a prenda envenenada que não nos dá a vida que queremos, e retira-nos a vida que merecemos. Estar acomodado, sem evolução de carreira nem de salário, não é só perda de dinheiro. É perda de valor, de relevância, de intelecto. É ser um boneco sem pilhas, esquecido no topo da prateleira, a observar o mundo sem participar nele. É ver a vida passar à frente enquanto nos autolamentamos e autoflagelamos com aquilo que achamos que deveríamos ter — mas não temos. E não fizemos muito por isso. Ou talvez tenhamos feito, mas o sistema fechou-nos as portas.

O silêncio dos mais velhos

As empresas retiram vantagem da nossa sensação de segurança. E talvez por isso tenham dificuldade em lidar com as novas gerações — mais desprendidas, mais emocionais, mais espontâneas, e com uma racionalidade que os livros de gestão ainda não explicam suficientemente bem. Quanto vale a experiência? Os números mostram que 20 anos de experiência valem muito pouco. Cada ano representa menos de 1% de acréscimo da média salarial, mas muito mais em impostos. O Estado ganha com a experiência, as empresas também ganham mas e o trabalhador? Nem por isso. Dezenas de milhares de qualificados entre 45 e 64 anos desistiram de procurar trabalho, não por falta de vontade, mas por um mercado que os silencia.

Em 2021, havia 83 mil pessoas com qualificação superior entre os 45 e os 64 anos desempregadas. E 80% delas já tinham desistido de procurar emprego. Não por falta de vontade — por falta de resposta. O mercado não ouve quem já não brilha aos olhos da juventude. Sabemos que o mercado, no longo prazo, tem sempre razão, mas o que fará com que a razão inverta a lógica? Estaremos reféns de uma regulação que nos protege até nos expulsar? Que nos segura até nos silenciar?

Um novo ritmo para o trabalho

Tolerância ou ponto de viragem? As grandes empresas começam a adaptar-se à realidade dos mais jovens, fazendo tudo por reter os seus talentos, inclusive tudo aquilo que nunca quiseram fazer para manter ao máximo a sua liberdade da rotação de colaboradores. O mercado parece agora estar a evoluir. As empresas que outrora defendiam a rotatividade e a liberdade laboral tropeçam agora na evidência: se não forem apelativas, não terão os melhores. E sem os melhores, não competem, e sem competir não persistem. O tal Código do Trabalho, altamente limitador, transformou-se em modelos de motivação. As empresas que antes queriam liberdade para despedir procuram agora estratégias para reter — ignorando mesmo a possibilidade de que, um dia, o colaborador já não seja a peça certa.

Várias empresas implementaram programas de mentoria reversa, onde os colaboradores mais jovens ensinam novas tecnologias aos mais velhos, e estes partilham o seu conhecimento estratégico do negócio.”

O mercado a dar o exemplo

Esta mudança de mentalidade é visível em empresas que já perceberam que a experiência não se descarta e que a juventude não se molda. São várias as empresas que implementaram  programas de mentoria reversa, onde os colaboradores mais jovens ensinam novas tecnologias aos mais velhos, e estes partilham o seu conhecimento estratégico do negócio. São também várias as que têm modelos de reconversão de competências, tentando absorver os colaboradores mais pelas menos mutáveis soft skills do que pelas evolutivas hard skills. É um modelo em que a experiência e a inovação se complementam, gerando valor para todos e combatendo a obsolescência.

O mercado não nos quer jovens demais para decidir, nem velhos demais para mudar. Quer-nos sempre no ponto ideal de submissão. E nós, entre o medo e a conveniência, vamos aceitando, até ao dia em que percebemos que não é a idade que nos torna inúteis — é o silêncio com que aceitamos ser descartáveis.”

Podemos estar num ponto de viragem trazido pelos mais novos que beneficia os mais velhos. Pode ser este o momento em que o Estado repensa políticas e tira partido desta nova realidade. Precisamos de um código que não prenda os jovens em gaiolas nem corte as raízes dos mais velhos, mas que os deixe voar com redes de apoio — como programas de requalificação que valorizem a experiência e abram portas a novos começos. O desemprego jovem demonstra o medo das empresas em dar a primeira oportunidade, mas os modelos de retenção agressivos mostram a vontade de manter os melhores. Se este é o problema, está na altura de agilizar o Código do Trabalho em componentes que permitam aos jovens conquistar a oportunidade e provar o seu valor — ao mesmo tempo que protege os mais velhos, que podem já não ter o valor que tinham para uma empresa, mas continuam a ter valor para outras. É altura do código do trabalho puxar pelo bom de cada um e deixar de se alicerçar numa falsa sensação de segurança que o mercado já não consegue suportar.

O novo código deveria promover as mudanças de vida que cada vez mais motivam os colaboradores. Dar-lhes hipóteses reais de mudar — sem que essa mudança seja um risco. Porque um mercado de trabalho estagnado, com posições fechadas, retira oportunidade a todos. Aos que já estão empregados, no sítio errado, e aos que nunca se empregaram no sítio certo.

O mercado não nos quer jovens demais para decidir, nem velhos demais para mudar. Quer-nos sempre no ponto ideal de submissão. E nós, entre o medo e a conveniência, vamos aceitando, até ao dia em que percebemos que não é a idade que nos torna inúteis — é o silêncio com que aceitamos ser descartáveis. Está na hora de quebrar esse silêncio e exigir um mercado que nos veja, em todas as idades, como forças vivas, não como peças descartáveis.