Comecemos pelo fim do comunicado de imprensa da Organização Meteorológica Mundial (OMM): “Se as políticas actuais permanecerem em vigor, espera-se que a camada de ozono se recupere para os valores de 1980 − antes do aparecimento do buraco na camada de ozono −​ por volta de 2066 na Antárctida, em 2045 no Árctico e em 2040 no resto do mundo”. São finalmente boas notícias.

Estas previsões dos cientistas são já de 2022 (uma nova avaliação vai decorrer em 2026), mas o relatório divulgado esta terça-feira reforça o bom prognóstico, concluindo que estamos a assistir a uma “recuperação bem-sucedida da camada de ozono, impulsionada pela ciência”.

Os primeiros alertas para os estragos no “lençol” de ozono que cobre a Terra e a protege da perigosa radiação ultravioleta do Sol surgiram há várias décadas. Depois de um esforço global, as boas notícias têm chegado nos últimos anos. Esta terça-feira, o boletim dos cientistas da OMM afirma que o buraco na camada de ozono em 2024 será menor do que nos anos anteriores. A Convenção de Viena e Protocolo de Montreal provaram os benefícios da ciência para a acção global, notam os peritos, mas a contínua monitorização é vital.


São “notícias científicas bem-vindas para a saúde das pessoas e do planeta”, anuncia ainda o comunicado de imprensa da OMM, que informa que “o baixo nível de destruição do ozono observado em 2024 se deveu, em parte, a factores atmosféricos naturais que provocam flutuações anuais”.

Porém, sublinha-se uma “tendência positiva a longo prazo”, que reflecte o sucesso da acção internacional concertada. O mapa que serve de imagem principal nesta notícia contabiliza a Unidade Dobson (DU) que representa a quantidade integrada de ozono na coluna atmosférica: 300 DU é um nível típico para latitudes médias, mas este valor pode ser superior ou inferior nas regiões polares e tropicais, respectivamente.

Da ciência à acção global

“Há 40 anos, as nações uniram-se para dar o primeiro passo na protecção da camada de ozono — guiadas pela ciência, unidas na acção”, afirma o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, citado na nota de imprensa. “A Convenção de Viena e o seu Protocolo de Montreal tornaram-se um marco do sucesso multilateral. Hoje, a camada de ozono está a recuperar. Esta conquista lembra-nos que, quando as nações dão ouvidos aos alertas da ciência, o progresso é possível”, acrescenta.

Os cientistas deram o primeiro alerta em 1975, quando a OMM emitiu uma declaração intitulada “Modificação da camada de ozono devido às actividades humanas e possíveis consequências geofísicas”.


Mas, afinal, como estamos a conseguir fechar o buraco de ozono? O Protocolo de Montreal levou à eliminação de mais de 99% da produção e consumo de “substâncias controladas que empobrecem a camada de ozono, utilizadas em refrigeração, ar condicionado, espumas de combate a incêndios e até mesmo lacas para cabelo”, explicam os peritos.

Como resultado, a camada de ozono está agora a caminho de, até meados deste século,​ recuperar os níveis da década de 1980, “reduzindo significativamente os riscos de cancro de pele, cataratas e danos ao ecossistema devido à exposição excessiva aos raios UV.”

Ano após ano, o progresso foi sendo acompanhado. “A investigação científica da OMM sobre a camada de ozono remonta a décadas. É sustentada pela confiança, colaboração internacional e compromisso com a livre troca de dados — todos os pilares do acordo ambiental mais bem-sucedido do mundo”, destaca a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo, notando que não é uma coincidência que o tema do Dia Mundial do Ozono este ano seja “Da ciência à acção global”.

Progresso lento, mas óbvio

O que foi observado em 2024? Em comparação com anos anteriores, de acordo com o boletim da OMM, a cobertura total de ozono estratosférico foi maior em grande parte do globo. “A profundidade do buraco de ozono na Antárctida — que aparece sobre a Antárctida todas as Primaveras — ficou em 2024 abaixo da média de 1990-2020, com um défice máximo de massa de ozono (OMD) de 46,1 milhões de toneladas em 29 de Setembro. Foi menor do que os buracos relativamente grandes entre 2020 e 2023”, refere a nota de imprensa.

Em condições meteorológicas normais, o buraco de ozono começa a formar-se em meados ou no fim de Agosto e perdura até ao fim de Novembro, quando começa a fechar-se.

Em 2024, “o seu início foi relativamente lento, e observou-se um atraso na destruição do ozono ao longo do mês de Setembro, seguido por uma recuperação relativamente rápida após o défice máximo ter sido atingido”, refere o boletim da OMM. “Este início tardio persistente foi identificado como uma indicação robusta da recuperação inicial do buraco na camada de ozono da Antárctida.”

Em 2023, um relatório das Nações Unidas já nos dizia que o buraco da camada protectora da Terra estava a fechar, mencionando uma “recuperação notável”. “A acção em relação ao ozono estabelece um precedente para a acção climática”, afirmava em Janeiro de 2023 o então secretário-geral da OMM, Petteri Taalas.

“O nosso sucesso na eliminação gradual dos produtos químicos que estavam a causar danos na camada de ozono mostra-nos o que pode e deve ser feito – com carácter de urgência – para fazer a transição dos combustíveis fósseis, reduzir os gases com efeito de estufa e assim limitar o aumento da temperatura.”




Área do buraco na camada de ozono no hemisfério sul durante 2025 (linha vermelha) mostra um desenvolvimento precoce em comparação com anos anteriores. Os pontos vermelhos pontilhados representam a previsão mais recente. A linha pontilhada preta é a média desde 1979 e as cores cinzentas representam o percentil da área entre 1979 e 2022
CAMS / ECMWF

De incidências a tendências

Em Setembro de 2024, os cientistas do Copérnico, o serviço de alterações climáticas e observação da Terra da União Europeia, voltaram a olhar para a evolução deste importante indicador. Foram mais cautelosos, mencionando ainda um atraso nesta recuperação.

Olhando especificamente para o buraco de ozono sobre a Antárctida, relataram que estava a formar-se mais tarde do que é hábito, e relacionavam o atraso com com dois episódios de subida de temperatura e alterações no padrão de ventos da estratosfera, durante o Inverno antárctico (o nosso Verão).

Ainda assim, os especialistas concluíam que a tendência tem sido positiva, nos últimos anos − mas não é fácil. “Tal como um período de frio excepcional não revela nada sobre a tendência a longo prazo do clima, um início lento do buraco de ozono não pode ser automaticamente atribuído à recuperação da camada de ozono, ou ao sucesso do abandono das substâncias químicas que destroem o ozono”, lia-se no comunicado de imprensa do Copérnico.

E em 2025?

A cautela revelou-se bem avisada: um ano depois, os dados do Copérnico mostram que “o buraco na camada de ozono do hemisfério sul em 2025 desenvolveu-se cedo, atingindo uma área de aproximadamente 15 milhões de km²”, e isto decorreu antes do que se verificou em 2024, quando este limiar foi atingido uma semana mais tarde. “O desenvolvimento precoce alinhou-se mais com os padrões observados em 2023 do que com a estação mais moderada de 2024”, escrevem os cientistas.

“O buraco do ozono de 2025 apresenta padrões muito variáveis, o que sublinha a importância de previsões e análises fiáveis”, alerta Laurence Rouil, director do Serviço de Monitorização da Atmosfera do Copérnico (CAMS).

Na primeira quinzena de Setembro, tendo atingido uma área estimada de 21,08 milhões de km²​ – inferior ao máximo histórico para o período mas acima da média – e outros diagnósticos, desviou-se do padrão de 2023, para ser mais comparável com 2024 e a média 1979-2022.

A duração e a área do buraco do ozono estão sujeitas a variabilidade, dependendo da dinâmica atmosférica global e de factores químicos, pelo que essas flutuações são normais. com Aline Flor