Nos últimos anos, preocupar-se com a saúde se tornou algo mais presente na vida das pessoas, especialmente após a pandemia da Covid-19. Entre as preocupações está o consumo elevado de açúcar, o que está relacionado ao risco de diabetes e obesidade. Como alternativa, um velho conhecido, o adoçante artificial, tem tomado o lugar do produto à base de cana em diversas ocasiões. No entanto, pesquisas recentes alertam sobre o consumo prolongado desse tipo de item. O que seria a solução para os riscos do descontrole glicêmico pode ser prejudicial em outros pontos no organismo. 

Um estudo conduzido por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) sugere que o uso prolongado de adoçantes artificiais pode estar ligado ao declínio cognitivo. A pesquisa, publicada na revista científica Neurology, acompanhou mais de 12 mil pessoas por oito anos, trazendo resultados sobre os possíveis efeitos, a longo prazo, desses substitutos do açúcar na saúde do cérebro. 

Durante o estudo, foi encontrada uma associação entre maior consumo dos adoçantes aspartame, sacarina, acessulfame-K, eritritol, sorbitol e xilitol a um declínio mais rápido na cognição global, prejudicando a memória e a fluência verbal. Os participantes que consumiram mais adoçantes em geral apresentaram uma taxa 62% maior de declínio cognitivo global em comparação àqueles com consumo mais baixo.

A associação do uso de adoçantes com o declínio cognitivo é apontada pelo estudo como resultado da neurotoxicidade e neuroinflamação provocadas por metabólitos (produtos resultantes da degradação) dos adoçantes artificiais no intestino. Diversos estudos associam a saúde do intestino à saúde do cérebro.

Estudar alimentação é difícil

A pesquisa, porém, apresenta algumas limitações, e especialistas indicam que faltam estudos mais contundentes na área. Eles pontuam, no entanto, que não se pode descartar a sua relevância. Além disso, estudar efeitos da alimentação é extremamente difícil, porque os métodos são limitados.

O estudo da USP utiliza, por exemplo, o autorrelato para captar informações. Além disso, os próprios pesquisadores mencionam a impossibilidade de descartar todos os fatores de confusão residuais, como hábitos simultâneos que afetam a saúde ou mudanças na dieta ao longo do tempo. A pesquisa também não considerou a sucralose. Os estudos começaram em 2008, quando esse adoçante ainda não tinha se popularizado no Brasil. 

A pesquisadora Marcelle Saldanha explica que esses limitadores não inviabilizam a pesquisa pela complexidade que é o estudo alimentar. “O padrão ouro seria uma pesagem de alimento e um diário alimentar, só que isso é inviável na prática. Fazer isso em uma pesquisa tão grande, com 12 mil pessoas, é totalmente inviável. Então, embora haja esse limitador, isso não descredibiliza o que é achado, porque é o caminho que se tem feito de estudo, é o que a gente tem em mãos para estudar”, comenta.

Marcelle é doutoranda do programa de pós-graduação em Científicas Aplicadas da Saúde do Adulto da UFMG e estuda atualmente a associação de ultraprocessados em indivíduos com declínio cognitivo. Em suas pesquisas, ela observa que as bebidas ultraprocessadas adoçadas – seja com adoçantes ou açúcar – são as que têm mais impacto nessa associação. Isso porque, dentro desse universo, são os produtos mais consumidos pela população. “Em alguns estudos, a carne ultraprocessada, por exemplo, associou, em outros não. Já a bebida adoçada sempre esteve associada (ao declínio cognitivo)”, diz. Ela pondera, porém, que o problema pode estar não apenas nas formas de adoçar a bebida, mas também em outros ingredientes.

A geriatra e professora Cláudia Caciquinho, mestre em Ciências da Saúde pela UFMG, acrescenta que o estudo da USP acende alerta para o consumo, por exemplo, de refrigerantes “zero” – eles viraram “febre” entre pessoas que fazem algum tipo de dieta. “Por exemplo, uma lata de refrigerante zero. Se eu uso várias, com muita frequência, eu estou mais exposto ao uso de adoçantes. Então é preciso saber isso, eu tenho que evitar o uso muito longo e em doses altas”, comenta.

OMS desaconselha uso de adoçantes com objetivo de emagrecimento

Uma diretriz recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre os adoçantes não-açúcar (AINEs, na sigla em inglês) recomenda não usá-los para controlar o peso corporal ou reduzir o risco de doenças crônicas não transmissíveis. De acordo com a OMS, estudos sugerem que o uso prolongado de adoçantes artificiais pode estar associado ao aumento do risco de diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e mortalidade em adultos. A única exceção são pessoas que já possuem diabetes, cuja recomendação é utilizar os adoçantes como alternativa ao açúcar convencional. 

A médica geriatra da Saúde no Lar, Simone de Paula Pessoa Lima, explica que há um consenso entre especialistas e órgãos de saúde de que o uso de adoçantes deve ser moderado. “Isso se baseia na ideia de que, embora sejam considerados seguros, seu consumo excessivo pode trazer potenciais riscos, inclusive os que ainda estão sendo investigados, como alterações no metabolismo intestinal, na resposta glicêmica e, conforme o estudo mencionado, possíveis impactos na saúde cognitiva”, diz.

Ela acrescenta que o consumo de adoçantes deve estar orientado por uma necessidade específica (como é o caso da diabetes) e ser acompanhado por profissionais, como médicos e nutricionistas. Além disso, caso o paciente queira diminuir a frequência de consumo dos adoçantes artificiais, há alternativas, mesmo para pessoas com diabetes, como a estévia e o eritritol. “A estévia é extraída de uma planta e não tem impacto na glicemia, enquanto o eritritol é um poliól que também não altera os níveis de açúcar no sangue e é bem tolerado na maioria dos casos”, explica.

“Ambas as opções são frequentemente indicadas por nutricionistas como alternativas viáveis e seguras. É crucial que a escolha do melhor adoçante seja feita de forma individualizada, levando em consideração o perfil metabólico, eventuais comorbidades e as preferências do paciente”, pondera Simone.

Diabetes já causa declínio mental

Um dos pontos a se observar nessa discussão – e também relacionada às limitações do estudo da USP –  é que a diabetes, por si só, é apontada como um fator relacionado ao declínio cognitivo. 

“Temos vários estudos mostrando que a obesidade e a diabetes, por si só, já aumentam o declínio cognitivo e a incidência de demências, como Alzheimer”, pontua Ana Bonassa, pós-doutora em metabolismo energético pela USP, em vídeo publicado pelo canal Nunca Vi 1 Cientista. Nas redes sociais, a influencer rebate o estudo da USP. “Um estudo que acompanha pessoas que já usam adoçantes não pode falar que adoçantes causam declínio cognitivo. Ele pode levantar para a gente essas questões, que precisam ser investigadas em estudos que são desenhados para responder essas questões”, indica. 

Cláudia Caciquinho também sinaliza atenção a esse ponto. “Com relação à diabetes, esse é um fator de confusão, porque a diabetes em si já predispõe a ter demência. E quem tem diabetes é orientado a não usar açúcar, então, usa mais adoçante por um período mais longo na vida”, diz. “O estudo não pode afirmar com certeza, com relação a quem tem diabetes, qual é a relação da diabetes”, pontua.

“De qualquer forma, mais estudos precisam sempre ser feitos para você determinar que uma coisa faz mal e precisa ser proibida. Mas esses já são indícios que a gente precisa estar atento, principalmente ao uso em maior quantidade por tempos mais prolongados”, pondera Cláudia.