Durante décadas, a imagem dos neandertais como caçadores vorazes de grandes mamíferos, como o mamute-lanoso, dominou o imaginário arqueológico. Acreditava-se que, em torno de fogueiras, esses ancestrais humanos compartilhavam bifes suculentos em uma rotina carnívora digna dos mais ferozes predadores da Idade da Pedra.

Mas uma nova pesquisa publicada na revista Science Advances veio para revirar (literalmente) essa narrativa. De acordo com o estudo, parte da dieta neandertal pode ter incluído alimentos menos glamorosos: carne em decomposição infestada de larvas de mosca.

A autora principal do estudo, a antropóloga Melanie Beasley, da Universidade Purdue (EUA), analisou restos humanos em decomposição no Centro de Antropologia Forense da Universidade do Tennessee e descobriu que as larvas que se alimentavam desses tecidos apresentavam níveis altíssimos de nitrogênio-15, um elemento químico usado por cientistas para reconstruir dietas antigas.

Esse dado pode explicar uma dúvida que intrigava arqueólogos há mais de 30 anos: por que os ossos de neandertais exumados na Europa apresentam níveis tão elevados de nitrogênio, até maiores do que os de predadores como lobos e leões?

“A grama tem um nível de nitrogênio, o animal que come essa grama tem um nível mais alto, e o carnívoro que o consome, mais alto ainda. Mas os neandertais ultrapassavam até os carnívoros”, explicou Beasley à CNN. A única explicação plausível para isso, argumenta ela, seria o consumo frequente de carne contaminada por larvas, que concentram esse elemento em níveis surpreendentes.

A hipótese dá fôlego à teoria do antropólogo John Speth, da Universidade de Michigan, coautor da pesquisa, que há mais de uma década defende que os humanos antigos consumiam deliberadamente carne podre, prática comum entre diversos povos indígenas, segundo registros etnográficos.

A ideia pode parecer repulsiva sob uma ótica moderna, mas é importante lembrar: o que é tabu alimentar para uns pode ser iguaria para outros. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo consumam insetos como parte regular da dieta. Entre os inuítes, por exemplo, alimentos animais já putrefatos e cobertos de larvas eram considerados saborosos e nutritivos.

O estudo relembra, inclusive, uma cena descrita pelo explorador Knud Rasmussen, em 1931, sobre sua passagem pela Groenlândia:

“A carne estava verde e, ao ser cortada, liberava uma enxurrada de grandes larvas brancas. Para meu horror, meus companheiros pegaram punhados daquelas criaturas e as comeram com evidente prazer.”

Beasley ressalta que o estudo tem limitações: as amostras analisadas eram humanas, e o tipo de larva examinado pode ser diferente dos insetos do período Paleolítico. Além disso, as condições climáticas da época poderiam influenciar o grau de decomposição da carne.

Apesar disso, a pesquisa amplia as discussões sobre os hábitos alimentares de nossos ancestrais. Para a arqueóloga Karen Hardy, da Universidade de Glasgow, o achado é menos chocante do que parece: “É provável que esse tipo de consumo tenha ocorrido. O espanto está mais na nossa perspectiva ocidental sobre o que é comestível.”, disse à CNN.

O trabalho também traz implicações para a ciência forense moderna: os níveis de nitrogênio em larvas que se formam em cadáveres podem ajudar a estimar o tempo de morte com maior precisão.