Morreu nesta terça, aos 89 anos, o ator e cineasta Robert Redford, uma das maiores estrelas de Hollywood entre as décadas de 1960 e 1990. O astro estava em sua propriedade no estado americano de Utah e dormia no instante da morte, cuja razão não foi divulgada. Sua última aparição no cinema havia sido em “Vingadores: Ultimato”, de 2019.
Consta que o diretor Mike Nichols queria Robert Redford para o papel principal de “A Primeira Noite de um Homem”, de 1967, bem antes de o personagem lançar Dustin Hoffman ao estrelato. Mas, ao ver os testes do ator, então no esplendor dos seus trinta e poucos anos, Nichols percebeu que a escalação seria impossível —o rapaz loiro, atlético, seguro de si, simplesmente não convencia como o sujeitinho perdido no mundo, que precisava batalhar para conseguir conquistar uma garota.
Tal episódio ilustra aquele que talvez tenha sido o grande impasse da carreira de Robert Redford —o que a figura dele dizia nem sempre ia de acordo com o que o temperamento do ator buscava. Redford procurava projetos com certo nível de arrojo, até risco, condizentes com as aspirações de sua geração. Mas havia algo nele que remetia a um homem de tempos anteriores, que o tornavam o astro dos sonhos para projetos de perfil mais antiquado.
E, por um bom tempo em sua carreira, a persona cinematográfica de Redford ficou em um meio de caminho entre duas eras. Hollywood não tinha muita certeza de como aproveitá-lo —afinal, era um galã à moda antiga, como sua radiante beleza física de garoto californiano dava a entender? Ou era um rebelde dos novos tempos, mais afeito às subversões da contracultura que começaram a pulular a partir de meados dos anos 1960?
Se na tela ele tinha a elegância de um Cary Grant, a virilidade de um Gregory Peck e o sorriso de um Rock Hudson, seu temperamento era por demais antenado a um mundo posterior ao desse tipo de estrela. Mas na tela por vezes sua beleza comprometia seu rendimento nos filmes em que ele preferia atuar. Era um ator treinado, de grande eficácia, mas faltava a ele a insolência de um Jack Nicholson, a intensidade de um Al Pacino ou a excitante qualidade de estrela improvável do próprio Dustin Hoffman.
Redford tinha uma presença sempre mais comedida, nunca excessiva. Tinha uma afabilidade maior, talvez uma certa apatia que, curiosamente, por vezes lhe foi benéfica em alguns papeis. Embora também pudesse encarnar o herói cheio de energia. Mas, sobretudo, tinha o mais importante —charme. Era sempre muito agradável de ver. Não foi à toa que se tornou um dos maiores astros de sua época.
Nascido em 1936, começou a atuar no fim da década de 1950. Nos primeiros anos, é claro, foi muito aproveitado pelo físico, sobretudo em papeis na TV. Teve a primeira real chance no cinema em 1965, em “À Procura do Destino”, de Robert Mulligan, com um personagem difícil, sexualmente dúbio —poucos iniciantes conseguiriam performar o papel com tanto instinto. No ano seguinte, faria seu primeiro longa com o futuro parceiro constante Sydney Pollack, “Esta Mulher É Proibida”, e outro filme importante, “A Caçada Humana”, de Arthur Penn.
Seu carisma nos palcos, quando protagonizou a badalada peça de Neil Simon “Descalços no Parque”, o fez reviver o papel na versão para o cinema, de 1967, de Gene Saks, ao lado de Jane Fonda. Depois, mostrou que parecia ser a metade perfeita —se a outra fosse Paul Newman— para os chamados “buddy films”, os filme de amigos, em “Butch Cassidy”, de George Roy Hill, de 1969, que o firmou no topo de Hollywood.
Em 1972, participou do eficiente western “Mais Forte que a Vingança”, de Pollack, e da sátira política “O Candidato”, de Michael Ritchie, pavimentando o caminho para o período áureo da carreira, que viria a partir do ano seguinte.
“Golpe de Mestre”, de Roy Hill, ganhou o Oscar de melhor filme e lhe deu uma indicação como melhor ator, a única por uma performance. O longa era pura perfumaria —uma comédia sobre gângsters dos anos 1930 feita sob medida para explorar a simpatia de Redford e, mais uma vez, Newman.
Mas fez também um filme mais substancioso, “Nosso Amor de Ontem”, de Pollack, em que Barbra Streisand era uma ardorosa militante pacifista que só faltava devorar com os olhos o bonitão apolítico de Redford, em um romance inusitado, mas convincente. Nunca a passividade do ator lhe serviu tão bem como nesse filme.
Melhor esquecer a fracassada versão de Jack Clayton para “O Grande Gatsby”, de 1974, em que Redford e Mia Farrow eram eclipsados pelos cenários e figurinos, mas é uma lástima que hoje já não se lembrem tanto do thriller “Três Dias do Condor”, de 1975, novamente de Pollack, que mostrava Redford e Faye Dunaway em ótimas cenas de tensão sexual.
Em 1976, na ressaca pós-Watergate, veio o filme definitivo sobre o caso —”Todos os Homens do Presidente”, fascinante versão de Alan J. Pakula sobre a investigação dos dois jornalistas, vividos por Redford e Dustin Hoffman, que desembocou na renúncia de Richard Nixon, em 1974.
O ator continuaria uma grande estrela por anos e mais anos, mesmo com o avançar da idade. Brilhou em filmes como “Entre Dois Amores”, de 1985, de Pollack, em que tem uma inesquecível cena em um avião, sobrevoando o Quênia segurando a mão de uma apaixonada Meryl Streep, ou no bem menos interessante “Proposta Indecente”, de Adrian Lyne, de 1993, quando ofereceu a Demi Moore um milhão de dólares para ir para a cama com ela.
Mas àquela altura Redford já havia buscado novos meios de se destacar no cinema, sem bancar sempre o grande astro. Estreou como diretor já ganhando um Oscar na categoria, por “Gente como a Gente”, de 1980, retrato sensível sobre uma família em crise. E faria outros filmes importantes, como “Nada É para Sempre”, de 1992, que fez Brad Pitt explodir e se tornar um sucessor redfordiano, e “Quiz Show”, de 1994, que lhe daria outra nomeação à estatueta dourada —e que talvez seja seu melhor filme na direção.
Mas deu outra enorme contribuição para o cinema de maneira mais discreta, nos bastidores. Nos anos 1980, desenvolveu em uma pequena cidade do estado de Utah um centro para o surgimento de novos nomes do cinema, destacando diretores independentes.
Nasceu assim o Festival de Sundance, ainda hoje um dos mais relevantes do mundo, e que já permitiu o desabrochar de talentos como Quentin Tarantino, Todd Solondz e Kevin Smith. Só isso já o tornaria uma figura de importância máxima. Se como ator ele sempre esteve de certo modo atrelado à Hollywood do passado, nos bastidores foi um dos grandes propulsores da Hollywood do presente e do futuro.