O grupo Lufthansa está a posicionar-se para ser visto pelo Governo como o melhor candidato para a compra da TAP. O Nascer do SOL sabe que o investimento que fez em Santa Maria da Feira, através da Lufthansa Technik, na unidade industrial de reparação de peças de motores e componentes de aviões que deverá começar a operar representa «um sinal claro» para que o Executivo veja que essa aposta como uma prioridade que o grupo está a dar ao mercado português. Ao que o nosso jornal apurou, esta é uma das estratégias do grupo para «conquistar a todo o custo» a companhia área nacional, já que, se não for com esta aquisição, não poderá crescer no setor. «Estão a dar tudo por tudo. Se não conseguirem comprar, ficam irremediavelmente para trás e não têm hipótese de crescer», dizem fontes do setor, recordando que o grupo chegou a estar interessado em comprar a posição de David Neelman, em 2020.

Ao Nascer do SOL, o especialista em aviação Sérgio Palma Brito também admite que o grupo Lufthansa «precisa mesmo de ganhar a TAP para não perder parte de mercado na América do Sul e vai superar este imbróglio absolutamente arcaico e sem visão de futuro».

Já Pedro Castro chama a atenção para as exigências feitas pelo Governo, a par do critério financeiro, que será crucial,  considerando que é «curiosa a forma como o Executivo piscou os olhos ao ponto forte exclusivo de cada um dos três grupos europeus». E exemplifica: «A menção feita à manutenção e engenharia é claramente uma valência da Lufthansa». Por outro lado, «a referência à troca de ações como opção a considerar está diretamente relacionada com o modelo utilizado na fusão da Air France-KLM, em que os Governos de ambos os países ficaram acionistas de algo muito maior e mais global do que as meras participações individuais que detinham anteriormente nas companhias respetivas». Já «quando inclui a aposta na produção dos combustíveis sustentáveis como critério de avaliação entra no domínio de excelência da British Airways do grupo IAG».

Quanto à importância de manter as rotas para os Açores e Madeira, o Brasil, para a diáspora e para os países africanos de língua portuguesa, o especialista entende que os projetos serão todos muito semelhantes e todos eles enfrentarão, de uma forma ou de outra, os remédios de Bruxelas, que incluirão a perda de slots da TAP em Lisboa devido a esta consolidação. «Sem slots, fica difícil crescer a frota no imediato em Lisboa, a menos que se substitua a frota da Portugália por aviões maiores», diz.

Outros potenciais interessados

Pedro Castro explica, no entanto, que, «teoricamente», o modelo dos 49,9% «permite também que companhias fora da União Europeia se possam interessar pela TAP». E acrescenta: «Claramente, a experiência Neelman afastou a hipótese de alguma companhia norte-americana entrar na corrida, mas não seria improvável que alguma companhia do médio oriente o fizesse». Aliás, adianta também, a Qatar Airways, o maior acionista do IAG, «poderia ser uma alternativa de força capaz de gerar maior respeito por parte do acionista maioritário, o nosso Estado português».

Certo é que o negócio tem riscos. Pedro Castro alerta para os vários cenários possíveis: «Desde o Governo cancelar a venda, se não houver compradores como já aconteceu, de aparecer um comprador surpresa como aconteceu com a Air Europa, em que, de repente, a proposta vinculativa veio da Turkish Airlines, de não haver propostas vinculativas ou de tudo correr ‘bem’, mas o negócio esbarrar nos ‘remédios’ de Bruxelas – reservo os prognósticos para o fim do jogo».

No entanto, o especialista diz ter um cenário como certo: «Se o negócio com um dos grupos europeus for concluído com sucesso, o novo acionista só se sentará ao leme da companhia lá para o fim desta legislatura e até lá a TAP terá de aguentar».

Falta de estratégia para o setor

Mais crítico em relação a esta operação está Sérgio Palma Brito, que considera que os objetivos do Governo confirmam não haver estratégia para o transporte aéreo. «Estratégica para Portugal é a acessibilidade aérea internacional competitiva e sustentável, assente na conectividade aérea dos aeroportos e das companhias que neles operam. A TAP é apenas uma destas companhias, quando as companhias estrangeiras são cada vez mais importantes do que as nacionais».

E lamenta que o primeiro objetivo do Executivo seja maximizar a recuperação dos 3.200 milhões de aumento de capital. «É miserabilismo quando a TAP vai ter de remunerar o capital investido a uma taxa superior ao do seu custo, este é o racional da privatização», diz ao Nascer do SOL, acrescentando que «o Governo mantém a TAP como empresa pública e ‘participada’ por um grupo e não ‘consolidada’ no grupo, o que só favorece a concorrência das companhias europeias privatizadas e consolidadas».  No cenário em que o privado está em minoria no capital, o especialista chama a atenção para o facto de assim se poder «influenciar de forma dominante a gestão da TAP, o que promete tensões futuras num país onde há um ministro tipo Pedro Nuno Santos em cada esquina».

Pedro Castro alerta ainda que as declarações de ambas as partes, tanto vendedores como interessados, «denotam alguma distância entre si: o poder político fala neste negócio numa perspetiva claramente eleitoralista com o compromisso de alcançar o máximo retorno para os contribuintes e mantendo viva a ideia da missão da TAP no tempo do império colonial; para os potenciais interessados, o modelo de negócio tem de fazer sentido em termos de rentabilidade, de margem operacional, de reputação bolsista, de escala do negócio no grupo e de governança».