Dois investigadores portugueses passaram duas semanas no Quirguistão, a ajudar equipas locais a marcar sisões (Tetrax tetrax). Não foi tarefa fácil, mas duas aves têm agora pequenos equipamentos de GPS que poderão ajudar a perceber mais sobre esta espécie que está a recuperar a Oriente, enquanto por cá continua extremamente ameaçada.

Foram precisos vários dias para que duas destas aves estepárias se tornassem as primeiras da espécie a receber um equipamento GPS fora da Europa Ocidental. “Conseguimos marcar dois indivíduos, que era o nosso objectivo mínimo. Mas diria que, mais importante do que esta primeira experiência, foi conhecermos o sistema, bem como as equipas locais. Estamos preparados para voltar e fazer mais capturas”, diz o investigador João Paulo Silva, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (Biopolis-Cibio), que, com o colega Carlos Pacheco, participou nesta experiência.

Há razões fortes para os portugueses terem sido chamados a dar uma ajuda aos colegas do Quirguistão. A Península Ibérica já foi o local com a maior população de sisão, antes de as profundas alterações na paisagem e na produção agrícola terem provocado um enorme declínio na sua presença. Em Portugal, o mais recente estudo da espécie apontava para uma diminuição desta ave que está, sobretudo, concentrada na Zona Especial de Protecção (ZEP) de Castro Verde, na ordem dos 77%, pela que a possibilidade de vir a extinguir-se é mesmo admitida pelos investigadores.




O sisão no Quirguistão assumiu comportamentos diferentes do nosso, pelo que a sua captura se revelou mais difícil do que o previsto
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Foi esta histórica importância do sisão na Península Ibérica, e o facto de a espécie ser estudada por cá há mais de 20 anos, que esteve na origem desta primeira colaboração. “Temos muita experiência com captura e marcação de aves e esta associação do Quirguistão, a Ornithologia, não tem essa experiência. Eles começaram a trabalhar com o sisão há cerca de três anos, a fazer censos da espécie o que permitiu conhecer melhor a realidade do país”, explica João Paulo Silva.

E o que é que os sisões do Quirguistão podem fazer pelos portugueses? Espera-se que muita coisa explica o investigador português. “A população do sisão, neste momento, está completamente fragmentada. Há a população a Ocidente, sobretudo em Portugal e Espanha, e um pouco em França, além da Sardenha, em Itália. Depois temos um grande buraco e só se começa a ver o sisão de novo no Cazaquistão”, explica.

“As nossas populações estão muito reduzidas, muito ameaçadas, mas com o desmantelamento da União Soviética aumentaram significativamente naquela região e neste momento é sobretudo na Ásia Central que se concentram. E nestas populações mais estáveis podemos compreender aspectos da biologia da espécie num contexto mais bem conservado. Isto pode ajudar-nos a identificar como é que devemos gerir esta espécie e que medidas têm de ser implementadas.”


Mais fêmeas disponíveis

Para o investigador da Biopolis-Cibio, as fêmeas têm um interesse particular. “As nossas fêmeas têm uma produtividade muito baixa e na Península Ibérica é muito difícil acompanhá-las. Ao longo destes últimos 20 anos, talvez se tenha conseguido estudar 20 a 30 fêmeas. Isto torna muitíssimo complicado estudar a reprodução, numa espécie como esta que é muito secretiva. Numa população mais bem conservada isso torna-se mais fácil”, acrescenta.

Mas as expectativas desta colaboração são mais vastas. João Paulo Silva salienta que populações de sisão do Quirguistão são totalmente migradoras, ao contrário das nossas, e as duas semanas passadas na região confrontaram-no com comportamentos diferentes dos registados nas populações da Península Ibérica — de tal maneira que os métodos utilizados por cá para capturar as aves e as marcar não funcionaram ali e foi preciso uma alternativa.

Por isso, diz, há muita coisa a descobrir, a começar por uma pergunta à qual ninguém sabe ainda dar resposta: para onde vai o sisão passar o Inverno quando abandona o Quirguistão? “A grande expectativa que temos é saber para onde vão migrar. Ninguém sabe onde passam o Inverno. Pode ser o Azerbaijão, o Irão, o Afeganistão, a Turquia e há umas novas áreas de invernada no sul do Uzbequistão. Temos uma série de apostas sobre para onde é que os bichos vão, porque, de facto, não sabemos nada da sua ecologia migratória”, diz.




O habitat do sisão no Quirguistão ocorre num cenário bem diverso do que existe em Portugal
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Perceber mais coisas sobre estes parentes afastados do nosso sisão vai implicar maior colaboração, mais visitas, mais marcações, mais tempo, porque apenas dois indivíduos com GPS é muito pouco para estabelecer padrões. Os equipamentos foram financiados pela Sociedade Ornitológica do Médio Oriente, Cáucaso e Ásia Central (​OSME, na sigla em inglês) e há a esperança de que o trabalho se prolongue no futuro.

O sisão foi dado como extinto no Quirguistão até há cinco anos, supondo-se que teria deixado de se reproduzir no país desde a década de 1970. O trabalho entretanto desenvolvido aponta para entre 1400 e 1900 casais a reproduzir-se no país, parte dos quais no vale de Chuny, onde os investigadores portugueses estiveram. Na origem da recuperação da espécie estarão mudanças nas práticas agrícolas — tanto no tipo de agricultura praticado, menos intensivo, como nas culturas, com o regresso de plantas mais apetecíveis para a espécie.


Apesar das boas notícias que chegam de Oriente, os receios de um retrocesso existem. Novas mudanças na paisagem e nas práticas agrícolas (nomeadamente o recurso a pesticidas), o aumento da caça furtiva (é proibido caçar o sisão no Quirguistão, mas a fiscalização é insuficiente) e as colisões com postes eléctricos ou pequenas aeronaves são alguns dos maiores riscos para a espécie.

Ameaças mais ou menos comuns, entre cá e lá, com a nossa profunda desvantagem de termos uma população muito ameaçada e pela qual, desabafa João Paulo Silva, “não se fez nada” de novo que possa travar o seu declínio.