A proposta do Governo para rever o actual regime de ensino da condução prevê a redução de 32 para 16 horas mínimas de aulas práticas nas escolas de condução. Essa aprendizagem seria complementada pelo acompanhamento de um tutor — uma possibilidade que a lei em vigor desde 2014 prevê, mas que tem tido baixa adesão.
Segundo noticia o Jornal de Notícias (JN) nesta quarta-feira, a proposta de alteração ao Regime Jurídico do Ensino da Condução prevê que o candidato faça 12 horas numa escola, siga depois para a aprendizagem com um tutor e, antes do exame, regresse para mais quatro horas de formação prática.
A Associação Nacional de Escolas de Condução Automóvel (Anieca) já veio, contudo, alertar para possíveis riscos que estas mudanças podem acarretar para a segurança rodoviária. Apesar de reconhecer que a condução acompanhada, “em condições devidamente regulamentadas, pode ter um papel complementar”, a Anieca considera “inaceitável que esta substitua a formação ministrada por profissionais habilitados”, já que os tutores não são profissionais certificados.
“O ensino da condução não é apenas uma experiência prática, mas um processo pedagógico complexo, que envolve riscos reais e exige competências técnicas e didácticas que só instrutores certificados possuem”, refere a associação em comunicado.
A Anieca lembra ainda um inquérito, que realizou em 2022, e que concluiu que “os candidatos a condutor valorizam fortemente o papel das escolas de condução na sua preparação”. Mais de 96% dos jovens que foram então inquiridos afirmaram que é na escola de condução que mais aprendem sobre segurança rodoviária, “sendo a competência do instrutor apontada como o factor mais determinante para se tornarem condutores seguros”.
Segundo um balanço feito pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) em Junho, nos primeiros cinco meses do ano registaram-se mais de 57 mil acidentes rodoviários nas estradas portuguesas, dos quais resultaram 157 mortos — menos 26 comparativamente ao mesmo período de 2024.
“A condução acompanhada é uma excelente ferramenta complementar na prática do ensino rodoviário. Mas num país com números de sinistralidade altas, reduzir a formação profissional é um contra-senso, e com consequências potencialmente perigosas”, observa António Reis, presidente da Anieca, citado em comunicado. A par destes possíveis riscos para a segurança rodoviária, a associação teme que cerca de quatro mil empregos directos nas escolas de condução fiquem em causa caso as alterações avancem.
A lei em vigor prevê a condução acompanhada por tutor no caso da aprendizagem de prática de condução da categoria B, ou seja, veículos ligeiros. Na condução acompanhada por tutor não é permitido o transporte de passageiros nem circular em auto-estradas, e o veículo deve estar identificado.
A lei define ainda que a função de tutor não pode ser remunerada, a qualquer título. O tutor tem de estar habilitado para a condução de veículo da categoria B há, pelo menos, dez anos, não ter sido condenado pela prática de crime rodoviário ou de contra-ordenação rodoviária grave ou muito grave nos últimos cinco anos, e ter frequentado “com aproveitamento, em simultâneo com cada candidato a condutor que vai acompanhar, o módulo comum de segurança rodoviária”. Este é outro dos pontos apontados por António Reis: a dispensa de actualização de conhecimentos por parte dos tutores pode abrir a possibilidade de titulares de cartas emitidas, por exemplo, em países da CPLP, poderem acompanhar candidatos sem validação adicional em Portugal.
Questionado pelo JN, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes remeteu esclarecimentos para mais tarde.
A discussão surge numa altura em que a União Europeia prepara novas regras, incluindo um regime de condução acompanhada para menores de 17 anos.