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Imagine que está diante de um modelo de inteligência artificial conversacional e pode perguntar-lhe sobre as doenças que poderá contrair no futuro. Para responder, a IA teria de conhecer o seu historial médico, o seu estilo de vida e outros aspectos únicos da sua vida.
É isso que um grupo de cientistas do Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL) e do Centro Alemão de Investigação Oncológica (DKFZ) se propôs a fazer. O objectivo era projectar um modelo de IA capaz de prever mais de mil doenças ao mesmo tempo. Baptizado com o nome de Delphi-2M, o assistente virtual identifica padrões de saúde e faz previsões significativas.
Como funciona o “ChatGPT da saúde”
Surgem inevitáveis dúvidas sobre a sua eficácia. Por enquanto, os profissionais pertencem a instituições reconhecidas a nível mundial e o estudo foi publicado na revista científica Nature.
Não é a primeira vez que a ciência da saúde se propõe a facilitar ou prever diagnósticos através da tecnologia. As propostas têm sido muito variadas, mas o caso mais emblemático que obriga a manter a prudência diante de novas soluções é o de Elizabeth Holmes, com a Theranos, a grande fraude de Silicon Valley.
Para este novo modelo de IA, os investigadores treinaram 400.000 dados de pacientes anonimizados do UK Biobank e realizaram estudos longitudinais entre 2020 e 2022 com outros 100.000 participantes. Em seguida, foram validados com registos de quase dois milhões de pacientes da Dinamarca entre 1978 e 2018.
O estudo combina bases de dados de diferentes países para reduzir o viés geográfico. Além disso, os pacientes tinham entre 40 e 60 anos. Isto significa que ainda não se pode garantir que este modelo funcione também em adolescentes ou crianças.
Probabilidades sim, certezas não
O Laboratório Europeu de Biologia Molecular comparou o seu funcionamento com a previsão meteorológica. “Este novo modelo fornece probabilidades, não certezas. Não prevê exactamente o que acontecerá a uma pessoa, mas oferece estimativas bem calibradas de certas condições num determinado período. Por exemplo, poderia prever a probabilidade de desenvolver uma doença cardíaca durante o próximo ano”, explicaram num comunicado.
Tal como acontece com o clima, as previsões a curto prazo são mais precisas do que as previsões para um futuro distante. O estudo também permite modelar a evolução das doenças para compreender quando e como surgiram certos riscos. Em seguida, com a aprendizagem automática, o modelo prevê o que poderá acontecer no futuro para que os cuidados de saúde ajam de forma preventiva.
“O nosso modelo de IA é uma prova de conceito, que demonstra que é possível para a IA aprender muitos dos nossos padrões de saúde a longo prazo e usá-los para gerar previsões relevantes”, explicou Ewan Birney, da EMBL.
O modelo funciona especialmente bem em doenças que seguem padrões claros de progressão, como certos tipos de cancro, ataques cardíacos ou septicemia. O oposto ocorre com doenças mentais, distúrbios alimentares ou complicações relacionadas à gravidez, pois dependem de eventos imprevisíveis da vida.
O Delphi-2M ainda não está a ser usado clinicamente, mas os cientistas acreditam que ele venha a ser o ponto de partida para novos estudos para, por exemplo, compreender como as doenças progredirão ao longo do tempo; explorar como o estilo de vida afecta; ou simular resultados de saúde.
NATURE
O impacto do novo modelo de IA
“Este é o início de uma nova maneira de entender a saúde humana e a progressão das doenças”, disse Moritz Gerstung, do Centro Alemão de Investigação Oncológica (DKFZ). Até este modelo de IA, os estudos sobre previsões de doenças eram abordados de uma forma muito específica. Por exemplo, um estudo já tinha antecipado que os diagnósticos de cancro aumentariam 77% em 2050 em todo o mundo e outro que as pessoas em idade activa no Reino Unido com doenças passariam de 3 milhões para 3,7 milhões, incluindo depressão, asma e diabetes.
Os investigadores acreditam que o Delphi-2M poderá mudar os serviços de saúde nos países que o aplicarem. «Modelar a carga esperada da doença é fundamental para o planeamento económico e dos cuidados de saúde e, além disso, o acompanhamento contínuo do aparecimento de doenças, juntamente com a sua provável prevalência futura dentro dos grupos populacionais, promove um sistema de cuidados de saúde mais bem informado».
No Science Media Centre, Gustavo Sudre, investigador de neuroimagem genómica e IA e professor do King’s College de Londres, analisou: “Esta investigação parece ser um passo significativo em direção a uma forma de modelagem preditiva em medicina que seja escalável, interpretável e, mais importante, eticamente responsável. A demonstração clara de como a IA explicável pode ser usada para modelar previsões é crucial se quisermos usar essa tecnologia na prática clínica e sugere que pode ser possível identificar pessoas de alto risco que precisam de intervenção”.