Novo estudo coloca a hipótese de a evolução cultural “comer a evolução genética ao pequeno-almoço”: estamos a evoluir para nos tornarmos superorganismos. Pandemia da COVID-19 foi exemplo.
E se a popular imagem da evolução humana aquela sequência que começa com um macaco e termina num ser humano moderno ereto — estiver… errada?
Segundo um novo estudo publicado na revista BioScience por investigadores da Universidade do Maine, nos Estados Unidos, a evolução da nossa espécie está longe de ter terminado e poderá, na verdade, estar a entrar numa nova fase totalmente distinta: uma transição para uma forma de organização mais coletiva e cultural, semelhante ao que se observa em superorganismos como colónias de formigas ou colmeias.
Tim Waring, professor associado de economia e sustentabilidade e um dos autores do estudo, explicava já num estudo de 2021 que “a importância da cultura está a acelerar” e que este poderá ser o motor de uma mudança evolutiva inédita.
A ideia central é que os seres humanos estão a passar de organismos essencialmente genéticos para grupos culturais que funcionam de forma integrada, como se fossem um único organismo. Esta hipótese, que tem vindo a ser explorada por Waring e pelo coautor Zachary Wood, defende que os nossos grupos sociais estão cada vez mais interligados e interdependentes, com um nível de cooperação que ultrapassa o interesse individual.
Os investigadores apontam a pandemia de COVID-19 como exemplo recente de comportamento coletivo. Em quase todos os países, as populações reagiram como uma espécie de “sistema imunitário nacional”, cooperando em massa para proteger a sociedade do vírus. Para Waring, isto é uma prova de que a metáfora de “sociedade como organismo” poderá já não ser apenas uma metáfora, mas uma realidade emergente. Esta evolução não aconteceu de um dia para o outro: foi construída ao longo de milénios de desenvolvimento social e cultural.
O processo terá começado com a agricultura, que permitiu sociedades mais organizadas e estáveis, e continuou com a criação de infraestruturas públicas na Antiguidade, como estradas, aquedutos e sistemas de saneamento. Nos últimos séculos, os avanços multiplicaram-se — desde as vacinas no século XIX, que salvaram milhões de vidas, até às atuais tecnologias de edição genética que podem corrigir doenças letais logo após o nascimento. Cada uma destas conquistas não resultou de alterações genéticas, mas sim da transmissão cultural e do conhecimento acumulado.
Como resume Wood, cita o IFL Science, “a evolução cultural come a evolução genética ao pequeno-almoço”.
Para os autores, esta capacidade de adaptação cultural é hoje tão poderosa que chega a prevenir problemas genéticos. Por exemplo, mais de três quartos da população mundial usa óculos para corrigir a visão e cerca de um terço dos nascimentos nos EUA são por cesariana — soluções culturais e médicas que permitem a sobrevivência de indivíduos que, em condições naturais, poderiam não resistir. Esta mudança, afirmam os autores, está a tornar o local onde vivemos e as sociedades em que crescemos mais determinantes para o nosso bem-estar do que os genes com que nascemos.,
Mas os investigadores alertam que esta transformação não significa progresso moral ou superioridade de umas sociedades sobre outras: a evolução, seja genética ou cultural, pode produzir tanto soluções benéficas como resultados brutais. O objetivo, defendem, é compreender este processo para evitar os aspetos mais destrutivos da evolução.
Para testar esta hipótese, a equipa está a desenvolver modelos matemáticos e computacionais que permitam medir a velocidade com que a humanidade está a passar de uma espécie moldada sobretudo pela genética para outra dominada pela cultura e pela organização social. Se esta tendência continuar, concluem, o futuro da espécie poderá depender cada vez mais da força, coesão e capacidade de adaptação das nossas sociedades.