Um estudo de caso-controle aninhado publicado recentemente no periódico eBioMedicine demonstrou que a exposição a substâncias químicas sintéticas conhecidas como per e polifluoroalquilas (PFAS, sigla do inglês per- and polyfluoroalquil substances), coloquialmente chamadas de “produtos químicos eternos”, aumentou de forma significativa o risco de diabetes do tipo 2 (DM2).
Os participantes apresentaram uma probabilidade cerca de 31% maior de evoluir com diabetes, com o risco escalando de forma proporcional aos níveis de exposição. Entre os compostos de PFAS avaliados, o sulfonato de perfluorooctano (PFOS) foi o que mais contribuiu para essa associação.
Desenho do estudo e execução
O estudo, liderado por uma equipe de pesquisadores da Icahn School of Medicine, do Mount Sinai Health System, nos Estados Unidos, utilizou dados do BioMe, um grande banco de pesquisa que reúne registros de prontuários eletrônicos de mais de 70 mil participantes de estudos atendidos no Mount Sinai Hospital desde 2007. Dos mais de 53 mil indivíduos com informações cadastradas no BioMe até 31 de março de 2020, a equipe excluiu os que já tinham diabetes no primeiro atendimento, os com situação incerta em relação ao diagnóstico e os diagnosticados com DM2 em até um ano após a avaliação inicial, reduzindo o número de pares de casos e controles para 779.
A partir desta coorte, 180 pares de casos e controles foram selecionados para a análise aprofundada de PFAS e metabolômica, divididos uniformemente em pares afro-americanos, latino-americanos e estadunidenses com origens europeias. Restrições orçamentárias limitaram o tamanho da amostra.
O biobanco BioMe contém amostras de plasma, e a equipe analisou aquelas coletadas no momento da inclusão dos participantes selecionados, a fim de obter uma avaliação inicial da exposição às PFAS. Mais de 650 características metabólicas também foram avaliadas por espectrometria de massa de ultra-alta resolução. Os dados foram, então, processados por diferentes algoritmos de aprendizado de máquina e análises estatísticas.
Participantes que evoluíram com DM2 apresentaram maior probabilidade de tabagismo e valores de IMC mais elevados no momento da inclusão.
Correlação alarmante com ‘substâncias químicas eternas’
Conforme observado, os resultados do estudo indicaram que a exposição às PFAS pode aumentar em até 31% a probabilidade de evoluir com DM2. O Dr. Vishal Midya, Ph.D., autor correspondente e professor assistente de medicina ambiental da Icahn School of Medicine, afirmou que a quantidade de PFAS no sangue pode prever o risco de diabetes quatro a cinco anos antes do diagnóstico, o que é especialmente preocupante, considerando a população analisada.
“Acho que um dos aspectos inovadores do nosso estudo foi analisar uma população em geral saudável. Quer dizer, são pessoas que vão ao hospital para exames de rotina. Esse foi o ponto alarmante”, comentou. “Até em nova-iorquinos comuns e hígidos observamos esse padrão”.
O estudo também mostrou que a relação entre metabólitos derivados da exposição às PFAS e o surgimento de diabetes envolve desregulações na biossíntese de aminoácidos e de vias de metabolismo de medicamentos. Segundo o autor, os compostos químicos desencadeiam uma cascata de interferências no organismo.
“As PFAS podem, de alguma forma, prever a quantidade desses metabólitos, e essa quantidade também é preditiva de diabetes tipo 2”, explicou. “As PFAS interferem em parte do metabolismo, e esse processo contribuiu para o surgimento da doença”.
“É como uma reação em cadeia”, concluiu.
‘Produtos químicos eternos’ têm efeito duradouro
As PFAS são conhecidas como “substâncias químicas eternas” porque levam um tempo extremamente longo para se decompor, tanto no ambiente quanto em organismos vivos, como o corpo humano. Isso ocorre devido às ligações carbono-flúor, as mais fortes da química orgânica.
Segundo o Dr. Vishal, após a ingestão ou absorção de PFAS, o organismo pode levar de três a quatro anos, ou até décadas, para degradar o composto e eliminá-lo. Durante todo esse período, essas substâncias continuam a interferir no organismo; um exemplo é o impacto gradual sobre o metabolismo, como sugerido pelo estudo.
Pesquisas indicam que as PFAS foram detectadas no sangue de 98% das pessoas nos EUA e em outros países. Elas estão presentes na água potável e, por suas propriedades resistentes à água e à gordura, são amplamente utilizadas em embalagens de alimentos, das quais podem migrar para o conteúdo.
As PFAS também são encontradas em utensílios domésticos, como panelas antiaderentes e produtos de limpeza; em itens de consumo, como roupas e cosméticos; e em uma ampla variedade de produtos industriais, desde revestimentos têxteis até espumas antifogo.
O estudo apontou que o principal fator contribuinte das PFAS para o risco de DM2 foi o PFOS. Esse composto é especialmente eficaz no combate a incêndios relacionados ao petróleo e seus derivados, como combustíveis e plásticos, razão pela qual integra espumas usadas em aeroportos, por exemplo. Também está presente em produtos comerciais e domésticos usados para proteger tecidos e estofados contra manchas e danos causados pela água, além de ser empregado na galvanização de metais e na indústria de semicondutores.
Embora os principais fabricantes tenham iniciado a retirada gradual do PFOS no início dos anos 2000, sua durabilidade mantém efeitos duradouros sobre pessoas, animais e o meio ambiente. Além disso, ele pode ter sido substituído em alguns produtos por outras PFAS igualmente nocivas.
Mais pesquisas a caminho
Devido ao tamanho reduzido deste estudo, não foi possível calcular o aumento do risco de acordo com idade, sexo ou etnia. O Dr. Vishal e a equipe do Mount Sinai estão conduzindo um estudo mais amplo, que permitirá analisar esses fatores.
“Já iniciamos as coletas de amostras, e acredito que até o final de 2026 conseguiremos publicar os resultados”, declarou. “Nossa principal população de referência será o biobanco Mount Sinai, mas também temos uma colaboração com a University of Southern California e trabalharemos com eles para verificar se os achados são igualmente reprodutíveis”.
Ele estimou que o próximo estudo examinará mais de mil amostras, o que possibilitará explorar com maior detalhamento subgrupos da população.
Evitar as PFAS: é possível?
Neste estudo, a equipe de pesquisa observou que os achados ressaltam a importância de prevenir a exposição às PFAS para promover a saúde pública e podem contribuir para a compreensão dos possíveis mecanismos subjacentes aos efeitos dessas substâncias no metabolismo humano em populações multiétnicas. Enquanto políticas e análises clínicas ainda não chegam a um consenso, o Dr. Vishal afirmou que há medidas individuais que podem ajudar a reduzir a exposição às PFAS e, assim, mitigar a suscetibilidade ao diabetes (ao menos em relação a esse fator específico).
“Meu filtro de água tem capacidade para eliminar as PFAS, e também estou ciente [sobre a presença dessas substâncias] nos produtos domésticos que utilizo; por exemplo, reduzo o uso de panelas antiaderentes e escolho produtos de limpeza sem PFAS”, relatou. “Muitos produtos, na verdade, trazem no rótulo a informação de que são livres de PFAS. Essa é a melhor opção que temos no momento”.
Este artigo foi traduzido e adaptado do Medscape