Carlos Moedas (PSD, CDS, IL), Alexandra Leitão (PS, Livre, BE e PAN), João Ferreira (CDU) e Bruno Mascarenhas (Chega) protagonizaram na Rádio Observador o primeiro debate radiofónico de Lisboa para as autárquicas de 12 de outubro. Ao longo de mais de uma hora, viu-se novamente (tal como no confronto na SIC) o candidato da CDU a destacar-se, com Alexandra Leitão mais morna em relação ao seu principal opositor, Carlos Moedas.
O primeiro tema, a mobilidade, correu logo mal, com Moedas a criticar a “esquerda mais radical” por contribuir para que estejam “uns contra os outros”, com João Ferreira a responder que “a cidade deu passos atrás” e que a “gratuitidade não deve ser prioridade”. Alexandra Leitão disse que “o carro tomou conta absolutamente da cidade” e Macarenhas lançou polémica ao usar a palavra “ciclovazias” e ao dizer não ter “complexos com emissões reduzidas”. Ainda houve provocações entre o candidato da CDU e o atual presidente da câmara sobre as emissões poluentes e os pontos negros da capital, além de o programa liberal sobre TVDE’s não coincidir com o que Moedas defende.
Mas foi com a questão da habitação que a discussão aqueceu. Leitão voltou a falar em privados e disse que isso estará no seu programa, que será apresentado esta sexta-feira à tarde, acusando Moedas precisamente por “não conseguiu mobilizar os privados” para construir casas. Atacá-lo-ia ainda mais tarde por nada ter feito para impedir venda de imóveis pelo Estado, anunciado esta quinta-feira pelo Governo. E foi aqui que Moedas até teve ajuda de João Ferreira no contra-ataque à candidata do PS, apesar do líder da lista da CDU lhe ter deixado antes críticas pelo silêncio em relação a essa medida. Carlos Moedas rebateu, dizendo que houve um “erro” porque a “câmara está a comprar” um edifício da lista do Governo.
No tema da higiene urbana, o candidato do Chega acusou o líder da lista da CDU de querer os “sindicatos a controlar” o sector e João Ferreira argumentou que o modelo atual “abre portas aos Tutti-Frutti”, por isso a CML deve recuperar essa capacidade. Moedas assumiu que “não conseguiu reverter em quatro anos o que foi feito em 14” e, de novo, voltou a estar “de acordo com PCP” quanto a centralizar a higiene urbana.
Na questão do elevadores tiveram todos contra Moedas sobre demitir o presidente da Carris, enquanto o presidente da Câmara repetiu que seria cobardia fazê-lo naquele dia e que só atuará depois de se apurarem responsabilidades.
E no pós-eleições? Moedas lembrou que “sempre governou em condições de minoria”, Leitão frisou que “deu condições a Carlos Moedas para governar e não se arrepende disso”, Ferreira assumiu a possibilidade de aceitar responsabilidades” no executivo camarário e Mascarenhas disse apenas que quer “cortar com regime que está cheio de pessoas acusadas de corrupção”. Carlos Moedas respondeu-lhe dizendo que “não tem acusados nas listas”.
O Observador está a seguir e a avaliar os debates para as eleições autárquicas de 12 de outubro. Um painel de comentadores dará notas de 1 a 20 num “E o Vencedor é…” — à semelhança do programa e podcast da Rádio Observador — a cada um dos protagonistas dos principais debates. Além da avaliação de quem ganhou, haverá um texto de apreciação ao próprio debate.
Ana Sanlez — A prova que o primeiro debate entre os principais candidatos a Lisboa não correu bem a João Ferreira por sorte. A experiência do candidato do PCP voltou a notar-se, com João Ferreira a ser o mais claro dos candidatos em temas como a mobilidade ou a recolha do lixo. Esteve bem e fugiu à ideologia, por exemplo, ao admitir que a gratuitidade dos transportes não é, neste momento, a solução ideal para melhorar os transportes em Lisboa.
É óbvia a intenção do ataque não só a Alexandra Leitão como ao passado do PS na câmara, já que é ali que conta ir buscar votos.
Carlos Moedas esteve mais aguerrido do que no primeiro debate, apesar de se ter mantido vago na defesa das suas propostas, nomeadamente na questão da mobilidade, falando mais sobre o problema do que nas soluções. Foi interessante ver o “choque” com o Governo, com Moedas até a dar uma notícia sobre um suposto “engano” do Governo na lista dos imóveis que pretende concessionar a privados, já que um deles estará na iminência de ser comprado pela Câmara.
Alexandra Leitão continua presa à necessidade de defender o legado de Fernando Medina em temas como a habitação, o que vai prejudicá-la ao longo de toda a campanha. Foi vaga em temas centrais como a recolha do lixo. Mais uma vez: não basta reconhecer que há um problema.
Bruno Mascarenhas, do Chega, continua a ser o candidato alien, ainda que neste debate já tenha descido um pouco à terra. Pelo menos já se sabe com que ciclovias quer acabar (não é com todas!), que não considera as emissões de carbono na capital um problema e que acha que uma das soluções para o lixo em Lisboa passa por “promover quadros intermédios”. Está longe do estilo de Ventura, o que para o eleitorado alvo pode não ser assim tão bom.
Luís Rosa — O debate começou morno com a mobilidade — um dossiê muito técnico em que os candidatos apresentaram soluções com muita linguagem complexa que prejudica a acessibilidade à informação por parte dos eleitores. Apenas Bruno Mascarenhas se evidenciou — não necessariamente pelas melhores razões — quando garantiu que iria deixar cair o compromisso de redução de emissões de carbono nos transportes públicos e iria acabar com várias ciclovias. E até parecia que a aliança informal entre Carlos Moedas e João Ferreira — clara no primeiro debate na SIC — tinha desaparecido. Alexandra Leitão e João Ferreira atacavam de forma unida Carlos Moedas, enquanto Bruno Mascarenhas fazia o seu papel de força externa que atacava o sistema representado pelos outros três candidatos — e o incumbente parecia isolado.
Mas chegou o tema da habitação e tudo mudou. Alexandra Leitão tentava demonstrar a ideia central da sua campanha — “Lisboa está pior do que há quatro anos” — e até fez um ataque bem sucedido a Moedas quando acusou-o de não conseguir impedir que o Governo Montenegro tivesse posto em hasta pública prédios em Lisboa com aptidão para habitação. “O PS vendeu 800 milhões de euros de património municipal”, contra-atacou Moedas. E João Ferreira fez de polígrafo municipal: “Faça-se justiça: o PS alienou muito património municipal sem critério”. O mantra de Moedas, “estamos melhores hoje do que há quatro anos”, ganhou assim credibilidade. E Moedas até fez questão de colar o PS ao Bloco de Esquerda — uma espécie de retribuição ao PCP. Alexandra Leitão ficou em silêncio e só uma ronda mais tarde é que respondeu a João Ferreira, atacando-o por estar a querer dizer que Moedas faz melhor trabalho do que Medina. Mas o estrago já estava feito. Ficou assim bem visível o grande problema de Alexandra Leitão nesta campanha — que também é o mesmo problema do PS a nível nacional: responder pela herança de terem governado durante muitos anos consecutivos nos últimos 25 anos. Moedas ganha pontos quando diz que não consegue refazer em quatro anos os problemas dos últimos 14 anos. E Leitão não consegue ser eficaz a contrariar esta ideia.
Quanto a Bruno Mascarenhas, mostrou mais uma vez que está bem preparado. É um candidato que nada tem a ver com André Ventura. E, desta vez, não tentou imitá-lo. O seu estilo mais suave, menos caceteiro, pode ser um trunfo eleitoral porque pode alargar a base social de apoio, chamando pessoas que se identificam com este jeito mais diplomático de Mascarenhas.
Pero Jorge Castro — Ou Alexandra Leitão não aprendeu nada com o debate da SIC ou não teve a capacidade política para se desentalar deste espartilho, à esquerda e à direita. Dificilmente terá ganho um voto a quem estiver indeciso entre ela e Carlos Moedas. Mais dificilmente ainda não terá perdido votos entre quem estiver indeciso entre ela e João Ferreira.
Há uma consistência, uma preparação e uma convicção que se conquistam com o tempo passado a preparar reuniões de câmara e de assembleia municipal. E é assim que temos o comunista João Ferreira a ditar quem é que tem razão nas várias querelas. A moderação, o pragmatismo e o contraste com a rigidez ideológica que nos habituámos a ver nos comunistas também contribuem para a força com que aparece nestes debates.
Moedas tem dificuldades em defender o estado da cidade, mas é eficaz a manter esta aliança bizarra com João Ferreira, a culpar os executivos anteriores e a oposição socialista no seu mandato que não o terá deixado fazer mais. Leitão pode ter passado os últimos meses a estudar dossiês, para ir a exame, mas chega à oral apenas com suficiente: não consegue apresentar-se com uma visão fresca, inovadora e alternativa.
A eficácia de Bruno Mascarenhas é uma incógnita que pode ter efeitos imprevisíveis nos resultados. E não é impossível que ganhe votos com a proposta da eliminação de ciclovias, apesar do desprezo que mostra pelo ambiente.
Miguel Santos Carrapatoso —Quem vai atrás tem de correr mais. É uma regra universal e aplica-se naturalmente a qualquer corrida eleitoral. Alexandra Leitão voltou a perder mais uma grande oportunidade para se tentar superiorizar a Carlos Moedas. É evidente que o formato de debate a quatro não favorece a comparação direta, mas a socialista, depois da experiência pouco conseguida na SIC, deveria já ter encontrado formas de se impor na discussão. Não conseguiu. Até metade do debate, parecia nem ter chegado aos estúdios do Observador. Pior: voltou a ser atropelada pela esquerda por João Ferreira, que mostrou mais uma vez um grande domínio dos dossiês. Foi ele — e não Leitão — o adversário direto de Moedas neste debate. Ainda pior: em muitos momentos, Ferreira não hesitou em atirar à herança socialista deixada por Fernando Medina, reconhecendo (na questão dos edifícios devolutos, por exemplo) que Moedas fez mais e melhor do que o PS, e em questionar os argumentos da socialista. E isso, para quem se quer afirmar como líder do bloco da esquerda, é um golpe difícil de acomodar. No momento em que podia rematar à baliza — ‘o que fazer para ultrapassar o problema da recolha do lixo’, perguntaram-lhe —, limitou-se a dizer: “É preciso gerir melhor”. Muito curto. Por tudo isto, e por ter estado mais assertivo e mais eficaz do que no debate anterior, Moedas é o grande vencedor. Uma palavra sobre Bruno Mascarenhas: polido, fiel à linha do Chega (‘PS e PSD são farinha do mesmo saco’, ‘prometem muito mas não fazem nada’, ‘são todos corruptos’, etc., etc., etc.), pouco importado em desenvolver muito as ideias, lá levou a água ao seu moinho. Resta saber se a falta da agressividade característica do Chega (para usar um eufemismo) vai mobilizar o eleitorado potencial do partido.
Rui Pedro Antunes —Carlos Moedas voltou a assistir de cadeira aos ataques do PCP ao PS, que o beneficiam. Não deixou, no entanto, de atirar diretamente a Alexandra Leitão, por exemplo no projeto de renda acessível que o PS não acompanhou por as rendas serem elevadas (Moedas garante que a câmara subsidiava o remanescente para que os cidadãos só pagassem um terço). Não terá conquistado nenhum voto com o debate, mas também não perdeu – o que é positivo para um incumbente. No mano-a-mano com Alexandra Leitão, saiu por cima.
Mas foi João Ferreira quem voltou a dominar o debate, quase como um distribuidor de jogo: a escolher os momentos em que atacava e a decidir a quem se aliava, circunstancialmente, conforme lhe fosse conveniente. Em muitos momentos, voltou assim ao modo vodka-laranja para se colocar ao lado de Moedas no ataque ao PS (por exemplo, nos imóveis que Medina alienou ou ao admitir que a situação dos devolutos melhorou do executivo PS para o PSD). A par de tudo isso, Alexandra Leitão insistiu na defesa dos privados, parecendo mais interessada em ir conquistar voto ao centro (diretamente a Moedas) do que à esquerda. Também isso favorece o candidato comunista.
Alexandra Leitão já se tentou aproximar do seu registo habitual, mas parece continuar muito presa a conselhos de assessores para não se mostrar radical e se assumir como moderada. Essa desconstrução nota-se que é forçada e está a tirar-lhe eficácia e clareza. Na forma e no conteúdo. Não se percebe como, num tema como a habitação, o seu alfa e ómega são os privados, sabendo que essa é uma solução que desagrada o eleitorado (à esquerda) – que devia segurar, antes de se aventurar pelo centro. Ainda bem que Nani Moretti não estava na régie, senão gritaria como a Massimo D’Alema na cena famosa cena Aprile: “Alexandra, di’ qualcosadi sinistra” (“Diga qualquer coisa de esquerda”). Falhou uma segunda oportunidade para causar mossa a Moedas – e já não terá assim tantas.
Bruno Mascarenhas melhorou relativamente ao primeiro debate a quatro sobre Lisboa, mas continua a não interiorizar o estilo Chega. Para moderado e pacato-agressivo que diz umas toadas contra a esquerda, já existe Moedas. Mascarenhas ganharia com um estilo Chega para agarrar os descontentes de direita que não gostam de Moedas, mas a estratégia tem sido outra. Insiste em tentativas de colar Moedas ao PS, quando é claro para o eleitorado que o incumbente não morre de amores pelos socialistas. Terá, provavelmente, um resultado muito bom – se não for traído pelo voto útil. Porém, o valor-acrescentado face a Ventura e à marca Chega continua a ser muito pouco.
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