Já escrevo sobre José Mourinho há bastante tempo. Muitas vezes foram palavras boas, quando tocava realmente o céu como um dos melhores da história, outras já não tanto, assim que o começámos a ver em declínio e, sobretudo, inteligente como é, não se procurava agarrar a uma qualquer tábua de salvação. Momentos maus todos temos, a diferença estará sempre como reagimos e o que fazemos para que não se repitam. Aí, acredito que não tenha feito o suficiente. Com o seu QI e personalidade, esse é mesmo o seu maior fracasso.

O que escrevi ontem sobre aquele que começou a fazer a sua magia ao mesmo tempo que vestia a pele de estrela de rock n’roll em formato de manager, um autêntico Special One, não é muito diferente do que publico há longos anos. Talvez exista apenas uma ligeira diferença, a de que é cada vez menor para mim a esperança de que dê a volta a si próprio. De qualquer forma, gostei mais uma vez de o ver a dominar uma conferência de imprensa como poucos o conseguem fazer, mesmo nervoso, emocionado, ruborizado, como se se tratasse, de facto, de um novo início. Ainda que não escolha sempre os melhores temas, ninguém se sente tão à vontade nesses locais onde muitos tremem como el puto jefe.

No Benfica, também sobre Jorge Jesus, Rui Vitória, Bruno Lage e Roger Schmidt, me fui dividindo entre críticas e elogios, consoante o momento e as decisões, e se o novo homem do leme conseguir quebrar o karma que o persegue talvez desde Madrid, quase de certeza desde Manchester, terei todo o prazer de escrever sobre uma das melhores notícias que o futebol português poderá ter. Ficarei genuinamente feliz. No entanto, não me peçam para desvalorizar sinais que há muito tempo são negativos, porque a aura já não ganha tantos encontros como no passado.

Nunca fui sócio de nenhum clube, nem daqueles em que os meus filhos jogaram. Não voto. E não me ouvirão dizer: eu escolheria este. A decisão é e deve ser exclusivamente dos sócios, de acordo com o modelo que, democraticamente, legitimaram. O problema de Rui Costa e de Luís Filipe Vieira é que têm ambos um passado enquanto presidentes e personificam estilos de liderança que os penalizam a si e quem lideram. Se defendo há décadas que o futebol deveria ser entregue a quem o joga e jogou, mais concretamente aos jogadores e aos treinadores, sobretudo aos maiores, Rui Costa, que nunca escondi ter sido um dos meus ídolos em campo, tem feito tudo para destruir esse ideal. Não de forma intencional, claro, mas fá-lo sempre que não decide e ainda nas poucas vezes em que realmente o faz.

A conferência de imprensa pós-Qarabag, que serviu para o presidente confirmar a demissão de Bruno Lage — técnico que em alguns meses passou novamente de interino de segunda geração a treinador de projeto, mostrando talvez pela última vez as carências que possui a esse nível —, pariu um rato no que diz respeito à responsabilidade, a mesma que Rui Costa diz sempre que assume. Assumi-la, ali, naquele momento, após mais uma decisão fracassada e que desde o início nunca fez grande sentido, como então também escrevi, seria sair daquela sala, na Luz, já apenas como adepto, sem qualquer cargo para exercer.

Falhou com Lage como tinha falhado com Schmidt, que antes já deixara tantas vezes a arder, sem proteção. São demasiadas más decisões ao longo de quatro anos e muitos títulos perdidos, um esvaziamento da massa crítica interna e, sobretudo, a incapacidade de estabelecer um rumo em primeiro para o futebol e depois para o próprio clube. A cultura de vitória escapou-se do balneário, dos gabinetes e do ar que os atletas inspiram.

Rui Costa acreditou que podia continuar. Que ainda é capaz de fazer bem ao seu clube, quando a única decisão que realmente respeitaria esse desígnio seria o abandono do poder. Não é um líder, nunca o será e não é por tê-lo nas mãos que as coisas vão correr melhor ao emblema que realmente sentiu no peito.

Após o desastre Qarabag, lembrou o tempo de descanso e de preparação, mas antes agiu no mercado como se fosse um ano normal. A equipa reagiu o mínimo para vencer a Supertaça e qualificar-se para a Liga dos Campeões, mas só depois Rui Costa percebeu o que quase toda a gente já sabia: Lage não ia entregar o que a equipa precisava em muitos jogos. Porque se é com a falta de jogadores que justificas a não evolução, mesmo que a um grau mais pequeno, estás demasiado dependente do individual e não chegarás lá coletivamente. E Rui Costa tinha de saber isso. Explicou-o com a necessidade de estabilidade para atacar os primeiros grandes objetivos, a Supertaça e a Liga dos Campeões, porém correu muitos mais riscos do que imagina.

Da comunicação à CMVM à conferência, uma cláusula surpresa transportou a conversa com os jornalistas para o tema da ética. Em tese, salvaguardaria a eventual saída de Mourinho no final da temporada, tendo em conta o contexto de eleições e a eventualidade de haver mudança de direção. Só que, na verdade, não é bem assim. O treinador será sempre indemnizado se não quiserem contar com ele na segunda época, apenas o clube não terá de pagar a totalidade remanescente do contrato. O Special One fará um desconto. A decisão de Rui Costa é legal, mas não deixa de ultrapassar fronteiras, ao poder estar a decidir já dentro de outro projeto. Ainda mais porque, ao contrário do que justificou, Mourinho já não é só por si garantia de sucesso.

Os sócios têm todo o direito de escolher quem quiserem. E podem achar que Rui Costa continua a ser o homem certo. Não vejo como, mas podem. Tal como não vejo que Vieira, que carrega sobre si uma nuvem sombria e representa um passado que colou uma péssima imagem ao renascimento encarnado, mereça tal crédito. Seja quem for, o Benfica — tal como aconteceu com o FC Porto e até com o Sporting — precisa de quebrar o ciclo e arejar os gabinetes.

Por isso, Mourinho não é apenas mais uma aposta arriscada. Poderá mesmo vir a ser o último erro de Rui Costa, símbolo maior de uma presidência em que se tornou cada vez mais difícil encontrar pontos positivos.