A Agência para a Imigração e Asilo (AIMA) emitiu um despacho onde notificou 72 pessoas, de nacionalidades estrangeiras, na sua maioria do Indostão, que as suas autorizações de residência iam ser canceladas e que tinham 20 dias para abandonar o país.
Falamos de mais de setenta pessoas que há pelo menos seis anos já têm a situação regularizada em Portugal, trabalham e descontam para o país e vivem as suas vidas normalmente. Do nada, cai-lhes “um balde de água fria” em cima.
“Estas pessoas não estavam à espera de nada da AIMA”, começa por explicar a advogada Filipa Santos Costa, que foi procurada por três dos imigrantes em questão e revelou a história ao Notícias ao Minuto.
“Eles ficaram perplexas, sem saber muito bem o que fazer”, conta. “É que aqui a AIMA está a cancelar uma coisa que já não existe. É um insólito jurídico.”
“Imagine que agora o Estado lhe enviava uma carta a dizer que lhe ia cancelar o cartão de cidadão e que tinha de se ir embora em 20 dias”, diz a advogada. “É isso que a AIMA está a fazer a estas pessoas.”
Pelo menos, uma das pessoas notificadas tem nacionalidade portuguesa
E uma delas, um dos clientes de Filipa Santos Costa, já nem é um estrangeiro a viver em Portugal – é um cidadão pleno português, que já tem a nacionalidade e recebeu agora a ordem para abandonar o país. Portanto, na prática, a AIMA disse a um português para abandonar o seu país.
“Vinte dias. Sublinho, vinte dias para sair de Portugal”, frisa a advogada.
A razão vem explicada “muito sucintamente” num único parágrafo.
“O que estas 72 pessoas têm em comum é o facto de terem trabalhado para uma empresa que está a ser investigada”, conta a advogada, que acrescenta que o processo de investigação está aberto desde 2019, há já seis anos.
“Está a decorrer um processo de investigação sobre se a empresa era verdadeira” no sentido em que “não teria vendido os contratos de trabalho a estas pessoas e estas não trabalhariam efetivamente para a empresa”.
Ou seja, se não se trataria apenas de uma operação de fachada para permitir que imigrantes permanecessem em Portugal e obtivessem a autorização de residência.
Advogada aponta razões políticas para a notificação
Contudo, explica Santos Costa, “não está nada provado e não houve um julgamento”. O caso ainda está sob investigação e “as pessoas que receberam esta notificação são testemunhas, não são arguidos”, sublinha.
“O nosso processo penal tem o princípio de presunção da inocência, e a mim o que me parece é que a AIMA está a aplicar o contrário: a presunção de culpa. Que estas pessoas, que em tempos, trabalharam para esta empresa são culpadas de alguma coisa”, acusa.
Santos Costa considera que o despacho da agência de imigração não surge “por acaso”. “É o ar dos tempos”, afirma, apontando para razões políticas por detrás da ordem de saída destas 72 pessoas que já tinham permissão para residir no país.
“Aquilo que eu pergunto é: se esta empresa já está a ser investigada desde 2019 porque é que agora, neste preciso momento, é que a AIMA achou que era urgente – porque a AIMA usou a terminologia urgente, sem sequer lhes permitir serem ouvidas – que saíssem do país? Só agora é que é urgente?”, questiona, não deixando de realçar que a invocação de ‘urgência’ por parte da agência faz com que o direito dos notificados a serem ouvidos seja negado.
Mas os problemas com este despacho não terminam por aqui.
Despacho terá violado o direito à proteção de dados dos notificados
O documento, enviado para todos os 72 notificados, continha os nomes, naturalidade, datas de nascimentos, número de passaporte, número fiscal, número do título de residência e ainda a morada em Portugal de todas estas pessoas, conforme noticia a Sábado, que avançou a notícia.
“Impõe-se uma queixa à entidade relativa à proteção de dados – a Comissão Nacional de Proteção de Dados, para isso é que ela existe – por um lado, e por outro lado a Provedoria de Justiça”, afirma a advogada.
“Isto extravasa em muito o âmbito pessoal de cada um destes imigrantes”, acrescenta.
Para já, Filipa Santos Costa ainda está a “delinear” a estratégia judicial para ajudar os seus clientes através das veias legais, mas garante que vai ser apresentado um processo nos tribunais portugueses.
E acrescenta que “há várias formas de reagir judicialmente” porque “na verdade as ilegalidades praticadas foram várias”.
“Há a questão da violação da proteção de dados, a violação do direito de audiência prévia; uma das pessoas ser notificada e ser portuguesa; há a questão de que uma decisão desta natureza devia de ser devidamente fundamentada e não está… Tem tanto para ser atacada juridicamente que há muito por onde escolher.”
Filipa Santos Costa admite que até pode ser equacionada uma ação em tribunal em nome das 72 pessoas contra a agência devido a todas estas supostas ilegalidades, mas, para já, sublinha, o que importa é “salvaguardar os interesses particulares das pessoas visadas”. Contudo, não descora que “alguém tem de assumir a responsabilidade” pelo incidente.
O Notícias ao Minuto já contatou a AIMA, mas não obteve resposta.
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