Uma nova ferramenta de Inteligência Artificial desenvolvida por uma equipe internacional de pesquisadores promete funcionar como um verdadeiro oráculo. A tecnologia prevê quais doenças podem acometer o paciente nos próximos 20 anos.
A IA Delphi-2M, cujo funcionamento foi descrito em um artigo publicado na revista Nature, tem potencial de causar uma revolução na medicina preventiva e na tomada de decisões em diagnósticos.
A capacidade de prever o futuro da saúde de um paciente é crucial para orientar tratamentos, motivar mudanças no estilo de vida e direcionar programas de rastreamento, como os de câncer. Ainda que atualmente existam muitos programas para prever doenças específicas, poucos destes sistemas conseguem analisar todo o espectro das mais de mil condições de saúde reconhecidas pelo sistema de Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), da Organização Mundial da Saúde (OMS). É aqui que o Delphi-2M se destaca.
O Delphi-2M é um tipo de inteligência artificial conhecido como “transformador generativo pré-treinado” (GPT), semelhante aos modelos de linguagem por trás de sistemas conhecidos, como o ChatGPT. No entanto, em vez de textos, ele aprendeu a “ler” o quadro de saúde de um paciente com base em dados de eventos de saúde de milhões de pessoas.
Modelo de IA leva em conta aspectos pessoais e registros médicos
Para entender o percurso de saúde de cada indivíduo, o modelo analisa uma espécie de “trajetória de saúde” – uma linha do tempo com todos os diagnósticos registrados com base no CID-10, mais a idade em que ocorreram, e até mesmo eventos relevantes como diagnósticos anteriores de doenças e o óbito. Além disso, ele leva em conta informações individuais, como o sexo, e outras relacionadas ao estilo de vida, como índice de massa corporal (IMC), histórico de tabagismo e consumo de álcool.
Os pesquisadores moldaram a arquitetura original do GPT-2 para que ela pudesse lidar com dados que ocorrem em uma linha do tempo contínua, como a idade. Isso incluiu uma maneira inteligente de codificar o passar do tempo e a capacidade de prever não apenas qual será o próximo evento de saúde, mas também quando ele provavelmente ocorrerá.
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Para se tornar tão preciso, o Delphi-2M foi treinado com uma quantidade massiva de dados: quase meio milhão de participantes do UK Biobank, um grande estudo de saúde no Reino Unido. Dados externos de outros 1,9 milhão de indivíduos dinamarqueses, sem qualquer ajuste nos parâmetros, ajudaram a validar o estudo.
Os pesquisadores classificaram os resultados do estudo como impressionantes: o Delphi-2M conseguiu prever as taxas de mais de mil doenças com uma precisão comparável à de modelos existentes focados em apenas uma única condição médica. Sua capacidade de previsão se manteve relevante até mesmo para prognósticos de longo prazo, com uma ligeira queda na precisão apenas após um período de 10 anos na linha do tempo da idade do paciente.
Modelo de IA consegue prever a morte de paciente
Uma de suas previsões mais confiáveis da Inteligência Artificial, segundo o estudo, é ligada à mais inevitável das etapas da vida humana – e, por isso, também a qual muitos tentam evitar por mais tempo possível. Com base nos dados de saúde analisados, o Delphi 2-M conseguiu prever a morte dos pacientes com uma precisão de 97%.
Não é que a IA saiba exatamente o dia em que uma pessoa vai morrer. É que, de acordo com o funcionamento do modelo, é possível identificar qual será a sequência de acontecimentos de saúde para aquele paciente. Os 97% de precisão significam que o Delphi-2M é altamente eficaz em discriminar entre indivíduos o risco de morte como o próximo evento em seu histórico de saúde. Ele iguala ou supera o desempenho de modelos existentes para a maioria das doenças.
Delphi 2-M pode identificar doenças que podem ocorrer daqui a 20 anos
Para os pesquisadores, uma das características mais inovadoras do Delphi-2M é sua natureza generativa. Na prática, isso significa que ele pode simular futuros percursos de saúde para um indivíduo, baseando-se em seu histórico médico. Essas simulações podem fornecer estimativas significativas da provável carga de doenças nesses pacientes por até 20 anos.
Em média, a correção dessa previsão no primeiro ano é de 17%. Se a linha do tempo é ampliada para 20 anos, a precisão do Delphi 2-M cai para menos de 14%. Ainda assim, apesar da queda, o modelo ainda é melhor do que aquelas previsões mais comuns baseadas apenas em idade e sexo.
Por outro lado, o modelo tem a capacidade de gerar dados sintéticos — históricos de saúde que preservam as características estatísticas dos dados reais, mas com uma identificação pessoal “falsa”. Essa característica pode ser crucial para superar desafios de privacidade em pesquisas médicas. Isto porque esses dados sintéticos podem até ser usados para treinar novas IAs, reduzindo assim o risco de vazamento de informações pessoais.
E como o Delphi 2-M consegue atingir esses resultados? A tecnologia por trás da Inteligência Artificial, detalharam os pesquisadores, organiza as doenças e agrupa aquelas com tendência a ocorrerem juntas. Um paciente com diagnóstico de diabetes tem maior possibilidade de desenvolver casos de problemas de visão ou no sistema nervoso em decorrência da doença.
O modelo de IA também leva em conta a potencial influência de diagnósticos anteriores em quadros futuros de saúde. Em um dos pacientes analisados, os diagnósticos de problemas digestivos sugeriram um aumento de 19 vezes nas chances de desenvolver um câncer de pâncreas. Essa medição alavancou a taxa de mortalidade em quase 10 mil vezes, segundo o modelo.
Pesquisadores alertam para limitações do modelo de Inteligência Artificial
Os pesquisadores alertam para algumas limitações do modelo, e que podem influenciar diretamente no potencial de previsão de diagnósticos do novo oráculo. A base de dados, com uma presença majoritária de pacientes brancos e maior nível de instrução do que a média da população geral, pode criar uma espécie de viés na análise da IA.
Além disso, a forma como os dados de saúde foram coletados também pode introduzir padrões que a IA aprende, mas que são consequência do processo de coleta, e não da progressão real da doença. Por isso, é importante usar os modelos de IA de diagnóstico com cautela, mais como um complemento do que como um substituto para os padrões atuais.
Feitas estas ressalvas, é importante entender que o Delphi 2-M pode colaborar na gestão de um projeto de saúde ao integrar informações vindas de diversas bases de dados. De forma mais ampla, o modelo de IA preditiva pode ajudar serviços de saúde a identificar as necessidades futuras de exames e tratamentos de uma determinada população.