O mineiro João Ferreira, de 27 anos, tornou-se o primeiro brasileiro indicado na categoria de Compositor do Ano no Grammy Latino. A lista de indicados ao prêmio da Academia Latina da Gravação foi anunciada na última quarta-feira (17/9).

Natural de Belo Horizonte, João Ferreira é integrante da banda Daparte (guitarra e vocais) e concorre com composições escritas em parceria com Samuel Rosa, Anavitória, Lagum e Vitor Kley.

“A ficha ainda não caiu. Até agora não parece verdade, parece que estou num sonho lúcido. De vez em quando eu lembro e começo a rir sozinho”, conta o músico. Além dele, os mineiros Milton Nascimento, Djonga, Marina Sena e Eli Soares figuram na lista de indicados em diferentes categorias.

A categoria na qual João concorre é uma das mais recentes da premiação – foi incluída em 2023 tanto no Grammy Latino quanto no mundial. No prêmio principal, já venceram o canadense Tobias Jesso Jr., por composições para Adele e Harry Styles, e o norte-americano Theron Thomas, parceiro de Beyoncé e Miley Cyrus.

No âmbito latino, o norte-americano de ascendência mexicana Edgar Barrera conquistou a categoria em 2023 e 2024 e concorre novamente neste ano. Produtor e compositor de artistas como Karol G, Becky G e Shakira, Barrera foi o músico mais indicado da edição passada, mas, desta vez, disputa apenas duas categorias – a de composição e a de produção.

“Achei inalcançável”

Para ser elegível ao prêmio, é preciso assinar ao menos seis músicas inéditas como autor ou coautor, sem atuar como intérprete. “É uma categoria geral, então a concorrência é muito maior. Qualquer artista que fala espanhol pode se inscrever. Me inscrevi mais por desencargo de consciência, porque achei inalcançável”, diz ele.

Os outros mineiros indicados concorrem em categorias específicas para músicas em português. Quando as indicações foram anunciadas, o compositor estava a caminho do litoral paulista. Quem lhe deu a notícia foi a amiga Ana Caetano, do duo Anavitória, a reação dele está em um vídeo publicado em seu perfil no Instagram.

Para o compositor, o sonho de viver de música floresceu cedo, aos 13 anos. Formado em Psicologia pela UFMG, João chegou a trabalhar por um tempo curto com crianças no espectro autista. Aos 12 anos, compôs a primeira canção, “Johnny sem telefone”, inspirada no namoro de dois colegas de escola.

No colégio, formou várias bandas. Mais tarde, fez parte da Incept, com Jorge, guitarrista da Lagum, de um grupo cover de Arctic Monkeys e da Gramofone, dedicada a tocar brasilidades. Em 2015, passou a integrar a Daparte, grupo que, segundo ele, mais rendeu frutos até hoje.

O hábito da escrita acompanha o artista desde a adolescência. “Estou constantemente escrevendo alguma coisa, não necessariamente música. Às vezes paro, quando não tenho muito o que falar. Nesses momentos, recorro à literatura para me inspirar”, afirma.

Ele coleciona anotações em livros, blocos de notas no celular e papéis espalhados em casa. As leituras do mineiro vão de biografias dos Beatles a obras de Valter Hugo Mãe e Fernando Pessoa, passando pelo polonês Bruno Schulz e livros sobre inteligência artificial.

Morando em São Paulo há quase três anos – embora planejasse ficar apenas um –, João volta com frequência a BH para reencontrar a família, os amigos, a banda e assistir aos jogos do Atlético.

“Estar aqui tem sido muito frutífero para minha trajetória. Minha vida só virou música quando entreguei tudo a ela, tomei riscos e apostei no improvável. Essa indicação é um sinal de que, em algumas dessas apostas, eu estava certo”, avalia.

Para ele, escrever com alguém é como uma conversa que vai sendo lapidada em parceria. Com Samuel Rosa, ele conta que a letra de “Flores da rua” surgiu de experiências em comum, apesar da diferença de geração.

Em 2022, João enviou ao ex-vocalista do Skank uma mensagem de feliz aniversário. Samuel respondeu pedindo uma letra. Um ano depois, no novo parabéns, veio a notícia de que a composição estava virando música e entraria no primeiro disco solo do cantor.

Com Ana Caetano, o processo é ainda mais íntimo. “É uma coisa que faz parte da nossa rotina. Às vezes marcamos de encontrar só para ver se sai alguma coisa, muitas vezes não sai nada. A gente convive muito. Eu conheço os dramas que ela vive. Quando escrevo com ela, escrevo também da experiência dela”, diz. No disco “Esquinas”, João assina seis faixas ao lado da artista.

“Cara de pau”

A cantora e compositora define João como seu melhor amigo e a pessoa mais “cara de pau” que conhece. “Compor com ele é fácil, porque não existem dedos e cerimônias. É a primeira vez que escrevo com alguém com a mesma tranquilidade e desprendimento de estar sozinha. A gente festeja as boas ideias e nos divertimos com as ruins… Tenho certeza de que ainda ouviremos muitas canções lindas dessa criatura doida”, afirma Ana Caetano.

Para formalizar a inscrição ao prêmio, o compositor contou com o apoio de Felipe Simas e da Warner. No entanto, é proibido fazer autopromoção durante o processo. Simas, que administra as obras de João Ferreira por meio da editora F/SIMAS, diz que ele é uma das maiores “canetas” da nova geração da música brasileira.

“Mesmo já tendo escrito tantas coisas incríveis, acredito piamente que as melhores ‘canetadas’ do João ainda estão por vir. É um bálsamo de otimismo diante de um cenário apocalíptico que vem sendo pintado pelos futuristas, considerando o avanço e as consequências da inteligência artificial na indústria criativa”, afirma o empresário.

A premiação ocorre em Las Vegas, em 13 de novembro, número da sorte para o músico, torcedor fanático do Atlético Mineiro.