Regressei, há dias, de Maputo, Moçambique, para onde viajei a convite do pintor moçambicano Elias Mathonse, que viveu e trabalhou 18 anos em Braga. O artista abriu uma exposição, no Museu Nacional, em Maputo, com 23 obras, 18 das quais pintadas e comercializadas em Braga, nos anos 90 do século 20. E, nesse dia, celebrou 70 anos de vida!
A mostra, intitulada «Encruzilhada de Gerações», conta com pinturas de uma sobrinha, Zelama Lubisi, também ela jovem artista e que reside na África do Sul.
Na inauguração, enalteci a amizade luso-moçambicana, consubstanciada no companheirismo que me uniu ao pintor, desde que chegou a Braga em 1988 até ao seu regresso a Maputo em 2005.
Exposição de Elias Mathonse no Museu Nacional, em Maputo
Lembrei, ainda, que Portugal e Moçambique integram a CPLP- Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o que classifiquei como um “tesouro” para o futuro dos seus povos, que haverá que incrementar através de um projeto comum de desenvolvimento com vantagens enormes para todos. Oxalá, haja meios e ânimo político para o concretizar.
Sendo muitos os bracarenses que privaram com o pintor, importa sublinhar que está de boa saúde, depois de um período conturbado, a que não foi alheio o facto de ter sido sua vontade ter ficado a viver em Braga, o que não conseguiu porque a atividade da pintura não gerava meios financeiros suficientes.
Como se vê nas fotos, o Elias anda de muletas e por duas razões: foi atropelado numa avenida da cidade e os ossos de uma perna – nas suas palavras – “saltaram fora e não voltaram ao sítio”. A isto acresce que, a seguir, levou um tiro nas nádegas, disparado por um polícia, que o fez «à toa», numa rusga em que se buscava um criminoso local.
Apesar destas contrariedades, mantém o mesmo espírito vivo, a mesma afetividade e um grande sentido de humor que é, diga-se, caraterístico dos moçambicanos.
Exposição de Elias Mathonse no Museu Nacional, em Maputo
Apoio da Câmara de Braga
A realização da exposição – e conforme salientei na ocasião – teve apoio do Município de Braga, através de Ana Ferreira do pelouro da Cultura, que disponibilizou o fotógrafo Sérgio Feitas para registar – com alta qualidade – as quase 50 pinturas e desenhos que a também pintora Marlene Lima – também ela amiga do Elias – juntou, vindas das casas de muitos bracarenses que, naquela época, lhe compraram obras.
A participação da Câmara inclui uma intenção de princípio, assumida pelo seu presidente, Ricardo Rio, de realizar uma exposição do Elias em Braga, numa data ainda a determinar. E que passará por um protocolo com a família do autor.
António lembra história dos Mathonse
No ato inaugural, o irmão do Elias, António – diplomata moçambicano e que organizou o evento – fez como que a história da família, não sem antes agradecer a disponibilidade do “magnífico e prestigiado Museu Nacional de Arte, autêntico guardião de tesouros artísticos moçambicanos”.
Esta confluência – entre tio e sobrinha – “não é fortuita, obedece sim à força do magnestismo do nome Matonse. O vovô Eliasse Matonse, o patriarca da família, e a vovó Nwanpunguine Kubai, conceberam cinco filhos que, já adultos, atraíram cônjuges das famílias Cossa, Chambale, Santos, Matholo, Maholela, Bila e Timba. Por sua vez, os netos e netas do nosso saudoso vovô Matonse encantaram raparigas e rapazes das famílias Massalane, Uene, Xagonga, Baraça, Capistrano, Kupela, Binana, Lubisi e Cardoso. Com o andar do tempo, em vez de diluir-se, o apelido fortaleceu-se, em contínua reprodução e evolução de espécie, num encadeamento que junta famílias de Maputo, Gaza, Inhambane, Tete e Niassa e pelo Moçambique fora.
E, prosseguindo, anotou: “ Fruto de ramificação imparável, hoje a família Matonse é fluente, não só em cixangane, mas também em xironga, bitonga, cixope, xinianja, xinungwe, cimacua, kiswahili e, obviamente, português, num rol de línguas que igualmente incluem espanhol, italiano e alemão. Os Matonse são maioritariamente de Magude, o antigo Reino de Kosine de Magudu Cossa, terra natal do saudoso e inesquecível futebolista Mário Coluna, distrito sempre recordado pela morte, em Mapulanguene, do formidável comandante e estratega militar do Império de Gaza, Maguiguana Cossa, e também por ser o berço da Missão Suíça, hoje Igreja Presbiteriana, e de outro famoso artista plástico moçambicano, Nordino Ubisse”.
Exposição de Elias Mathonse no Museu Nacional, em Maputo
Avô influenciou o Elias
E disse, ainda: “Quando se viaja de Xinavane a Magude, antes da chegada à célebre ponte ferro-rodoviária, vislumbram-se, à direita, na outra margem do poderoso rio Incomáti, três edifícios de alvenaria, que são a igreja, a escola e o hospital de Antioca, onde nasceu Elias Mathonse, a 5 de Setembro de 1955. Ali nasceu a Missão Suíça em Moçambique, fundada em finais de 1880, por Yosef Malamala, filho de pai habitante do sul do Save, emigrado para a África do Sul no dealbar do século dezanove, na fuga em massa provocada pela terrível seca cíclica e pelas incursões militares ngunis lideradas por Soshangane”.
“Em meados do século v20, o vovô Eliasse Matonse estudaria em Antioca os fundamentos da teologia calvinista e provavelmente na África do Sul, país que acolheu não só os membros da corte do Reino de Ngungunhane em declínio, como também os mabuyanglela, grupo a que o pai do nosso avô provavelmente pertenceu. Os estudos habilitaram-no a criar uma modesta paróquia em Ungutlha, sita a norte, entre a Vila de Magude e a localidade de Motaze, que o catapultou à liderança da família e da comunidade local. A paixão, simplicidade e frugalidade do modus vivendi do vovô Matonse influenciaram inegavelmente a vida campestre do futuro pintor Elias. As memórias da infância e adolescência são discerníveis nas obras expostas nesta exposição. Além de estudar, a sua tenra idade girou à volta de pastorear gado, pescar nos rios Tantsé, em Ungutla, e Incomáti, em Magude, caçar ratos e passarinhos, jogar a bola feita de trapos, deslumbrar-se com filmes de cowboys no Clube de Magude ou simplesmente, com o seu bando de petizes, a furtar ocasionalmente laranjas em quintais de colonos portugueses”.
O desenho à tinta da China – continuou – foi o seu rito de iniciação nas artes plásticas. Já passa mais de meio século desde que fez a primeira exposição na Escola Official de Magude, em finais de 1960.
PS: 1) Na estadia em Moçambique tive oportunidade de visitar o Parque Nacional de Maputo, facto de que darei conta em próxima crónica…2) Peço desculpa aos leitores pelo grande tamanho deste escrito, mas entendi que a descrição da «tribo» Mathonse é significativa do ponto de vista histórico e antropológico…