Pela primeira vez na vida tive de pagar 7,50 euros para entrar no Castelo de São Jorge, um sítio que sempre foi meu, que visitei desde criança, passagem em todas as épocas do ano e a todas as horas do dia. Sempre lá estive. Tive de pagar não por obrigação, podia ter esperado que isto se resolvesse em tribunal, como o senhor do balcão me disse: “Espere, a EGEAC é contra e quer reverter isto”. Mas paguei porque tinha grandes amigos que vieram de longe para conhecer o lugar que sempre quis mostrar, onde tantas vezes fui feliz. Entrei, mas entrei indignado. E essa indignação leva a uma questão maior: o direito à cidade.

Hoje, quem entra no castelo vê sobretudo turistas. E não é surpresa: aquele bairro já não tem vizinhos, tem alojamentos locais. Já não tem mercearias ou cafés de bairro, tem lojas de souvenirs e tuk-tuks à porta. A autenticidade foi sendo varrida pouco a pouco, não de repente, mas ao longo de anos em que se deixou degradar o que era de todos e se entregou tudo ao negócio. A Baixa e Alfama tornaram-se montras, onde o comércio serve visitantes de passagem e não quem cá vive.

Não se trata de querer espaços exclusivos para os locais. Pelo contrário: Lisboa é uma cidade bonita e aberta, muita gente atravessa o mundo para ver o que temos diariamente. O problema está em quando o turista passa a ser a prioridade absoluta, não por respeito pela cultura ou pelo encontro, mas apenas por dinheiro. Quando se governa com essa lógica, mata-se o lugar devagarinho. Aos poucos, a cidade esvazia-se de moradores e enche-se de visitantes e nómadas digitais que vivem em bolhas, sem falar a língua nem se ligar à comunidade. O problema não é quem chega, é quem governa para vender.

E aqui há responsáveis. Carlos Moedas acelerou este modelo, mas não começou aqui. Também o Partido Socialista, com a sua política de liberalização da habitação e da especulação, abriu caminho a este desmantelamento. Hoje temos 48 mil casas vazias em Lisboa, bairros onde a habitação custa mais de 20 vezes o salário médio, e onde o alojamento local cresceu sem controlo. Nos últimos dez anos, houve um aumento de 44% nas unidades hoteleiras, concentradas nos mesmos sítios que perderam vizinhos e comércio de bairro.


Lisboa está em conflito consigo mesma. Os muros do castelo e as paredes silenciosas da Casa Fernando Pessoa deixaram de ser refúgio gratuito para quem aqui vive. Agora também nós precisamos de bilhete para entrar no nosso próprio legado. Desde 3 de Julho de 2025, por decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, os residentes de Lisboa perderam o direito de usufruir de entradas gratuitas em dois dos seus símbolos mais íntimos. Tudo decidido na calada, sem manchetes, sem debates televisivos, sem espaço nos jornais, como se fosse irrelevante.

O tribunal fala de igualdade, mas a vida não se faz de folhas de papel. Na prática, esta decisão apaga um dos poucos direitos que restavam aos lisboetas: o de entrar livremente na sua própria história. É um gesto simbólico, mas também profundamente político: cada vez mais Lisboa é palco para turistas e investidores, e cada vez menos casa para quem nela nasceu e vive.

O mais cruel é o contraste com o discurso. Moedas fala de “Lisboa de todos”, mas ergue uma Lisboa de alguns. O tribunal fala de igualdade, mas confunde justiça com tabelas de preços. E no meio disto, o lisboeta comum vê-se estrangeiro na sua própria cidade, obrigado a pagar para visitar o castelo, a lutar para pagar a renda, a desistir de viver no espaço que deveria ser seu.

Mas não tem de ser assim. Lisboa não tem de ser condenada a cenário com portagem. É possível mobilizar as casas vazias, travar a febre hoteleira, regular o turismo para que seja sustentável, devolver os monumentos e os espaços públicos a quem cá vive e garantir habitação a preços acessíveis. O direito à cidade pode ser defendido e reconquistado, e isso começa agora, com escolhas políticas diferentes.

Fernando Pessoa escreveu que a sua pátria era a língua portuguesa. Talvez seja essa a única pátria que nos reste, porque a cidade que tínhamos, a Lisboa dos becos, dos miradouros, dos símbolos que nos pertenciam sem condições, está a ser entregue pouco a pouco, bilhete a bilhete, metro quadrado a metro quadrado.

Querem que paguemos bilhete não só no castelo, mas também em Alfama, na Graça, no Tejo. Mas não tem de ser assim. Há caminho, há alternativa. Lisboa pode voltar a ser casa.