O que se pode esperar da evolução da economia portuguesa, tendo em conta que as ameaças externas são cada vez maiores com guerras e com a instabilidade política na Alemanha e França?
A situação internacional não é nada famosa. Temos a incerteza criada pelas tarifas de Trump, que penalizaram vários setores produtores portugueses que exportam para os Estados Unidos. As empresas portuguesas tiveram azar porque fizeram num passado recente um grande esforço de diversificação de mercados europeus para o mercado americano, dado que os Estados Unidos tinham um potencial de crescimento que a União Europeia parecia não ter, e este mercado já rondava cerca de 6% das exportações portuguesas. As tarifas podem ser vistas de forma direta e indireta. Diretamente porque afetam as exportações portuguesas, e indiretamente, na medida em que os outros países europeus também são afetados com as suas exportações para os Estados Unidos, podem crescer menos e as exportações portuguesas para esses país também poderão cair. Além disso, o acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos foi feito com o elefante na sala que era a Ucrânia. A Europa não queria que os Estados Unidos acabassem com o apoio à Ucrânia e teve de contemporizar nas tarifas para tentar manter Trump a bordo das questões da Ucrânia. Nesse aspeto, a uma única coisa positiva foi a cortiça, em que o setor exportador português não será penalizado.
Foi um dos pouco setores que saíram ilesos…
Os restantes foram penalizados: o setor farmacêutico, a indústria automóvel, a química, a metalomecânica, o têxtil e os vinhos. Depois temos um outro problema que é a situação francesa, que é muito grave do ponto de vista de finanças públicas. Não estou a ver que haja uma maioria política que resolva o problema francês nos próximos tempos e isso pode ter consequências indiretas para a União Europeia e para a zona euro, na medida em que a França, sendo um grande país da zona euro, possa vir a ser penalizada no seu rating e que haja alguma pressão para subir as taxas de juros da zona euro, o que também nos iria penalizar. No meio disso, há uma boa notícia, que é a subida do rating português pelas agências de notação. Uma excelente notícia para Portugal e que é o resultado do trabalho de três governos: Passos Coelho, Costa e Montenegro que tinham trabalhado no sentido de termos umas finanças públicas equilibradas.
Ainda esta semana, Luís Montenegro disse que temos uma economia que cresce mais do que a média da União Europeia e que registamos superávites sucessivos ao nível das contas públicas…
Esse discurso de termos uma economia que cresce mais do que a média da União Europeia era também o discurso de Costa, que não subscrevo. A média da União Europeia é formada também pelos grandes países e esses estão a crescer pouco, por isso, a média da União Europeia é influenciada pelo seu fraco crescimento. Não é isso que nos deve satisfazer, temos de nos comparar com os países do Leste, que entraram depois na União Europeia e estão a crescer mais do que nós. Aí não estou de acordo com Luís Montenegro, como não estava já de acordo quando António Costa dizia o mesmo.
É uma tentação dos primeiros-ministros tentarem dourar a pílula…
Essa não subscrevo, acho que o nosso crescimento é muito fraco e é condicionado por um fraco crescimento do PIB potencial. O fraco crescimento do PIB potencial diz que andamos a crescer à volta de 2% ao ano, mas se as coisas na frente externa correrem bem puxa a economia portuguesa e podemos crescer um bocadinho mais de 2% ao ano. Se não correrem bem podemos crescer menos de 2% ao ano.
Parece que um crescimento de 2% é suficiente…
Sem dúvida, em todo o caso, acho que vamos ter novamente um orçamento equilibrado.
Os relatórios do Banco de Portugal e do Conselho de Finanças Públicas falam no risco de voltarmos a ter défice…
O Ministro das Finanças tem a possibilidade de recorrer às cativações. Isto não é algo novo, já Mário Centeno o fez. E, nessa altura, essas instituições também diziam que iríamos ter défice. Acho que isso não vai acontecer. Agora, o problema que se põe este ano e que o Ministro das Finanças está consciente é que vamos ter de pagar os empréstimos do Next Generation e do PRR que não são a fundo perdido. Isso significa um aumento da despesa em cerca de 1% do PIB. Face às projeções das instituições que cita, o problema tem a ver com se vamos crescer mais ou não e com a capacidade de haver uma reforma de Estado que faça um controle da despesa pública. Isto é uma incógnita porque se não crescemos mais e se a reforma de Estado não fizer um controle da despesa pública, obviamente que o Orçamento pode estar sob pressão nos próximos anos.
Tendo em conta que o Governo é minoritário vai ter de negociar com o Chega ou com o PS, ou com os dois para passar o Orçamento…
O Governo está, neste momento, numa posição em que não pode haver dissolução da Assembleia, portanto o Governo não vai cair. É mais uma razão para que não ceda a medidas fáceis de despesismo. E se não chegar a acordo com esses partidos pode governar em duodécimos, não vejo a curto prazo dramatismo nenhum nessa matéria. O Governo governará em duodécimos e para alguns adeptos das finanças públicas até é bom porque está limitado e não pode gastar mais do que gastou no ano anterior. Não vejo grande drama neste momento no Orçamento. No entanto, o Governo tem de perceber que esta melhoria do rating da dívida pública não significa uma licença para gastar e tem de perceber que, se calhar não é possível fazer novas reduções de impostos. Gostaria que isso acontecesse, mas realisticamente, face ao nível da despesa pública, temo que não seja possível. Novas reduções de impostos para o futuro só podem ser feitas com o controle da despesa pública, conjugado com uma reforma do Estado que ajude esse controlo. Confesso que não sei será possível.
Nem sequer a redução do IRC, que no ano passado ficou aquém da descida prevista?
Gostaria muito que se reduzisse mais o IRS e o IRC, mas, face ao nível de despesa que temos, se não conseguirmos controlar e estabilizar duvido que o Governo possa continuar a prazo nesta trajetória de redução de impostos. Para mim, a questão a prazo é saber se a economia cresce mais e se começamos a discutir uma reforma do Estado que permita um maior controle da despesa pública. Esta estratégia orçamental do Governo de aumentar a despesa, sobretudo alguns grupos da função pública, e de cortar impostos não tem sustentabilidade a prazo se não houver uma reforma do Estado com o controlo da despesa pública.
O Governo acenou com a reforma do Estado e com um ministro para essa pasta….
Essa é que é a questão. Percebo o que foi feito até agora, mas não pode continuar com esta trajetória para o futuro. E, como disse, a melhoria do rating de dívida pública não significa licença para gastar, antes pelo contrário.
Qual será o parceiro preferencial para negociar com o Orçamento?
É possível passar o Orçamento com qualquer dos dois. Não sei quem é que o Governo vai privilegiar.
Falou há pouco dos fundos comunitários. Esta semana, Castro Almeida disse que vai haver uma segunda reprogramação do PRR e afastou o risco de incumprimento…
Tenho uma visão diferente do que se tem dito. Está tudo muito preocupado com a execução, está tudo preocupadíssimo que não se execute 100%, mas a mim não é isso que me preocupa. Preocupa-me mais a qualidade dos investimentos e dos projetos que vão ser apoiados pelo PRR. Se tivemos maus investimentos e maus projetos até preferia não gastar o dinheiro e não executar o PRR. Em certos casos, se os investimentos forem maus é melhor não os fazer do que fazer.
Mario Draghi criticou a lentidão e a inércia da UE, apelando que é preciso seguir um caminho diferente em termos de competitividade.
As afirmações de Mário Draghi refletem o desconforto que sente por o relatório que fez não ser implementado. Mas isso também tem a ver com uma questão que é o facto de, infelizmente, não termos um Governo europeu. Temos uma Comissão Europeia que não tem a capacidade de decisão que tem um Governo federal como é o americano ou de um Governo controlado pelo Partido Comunista que manda em tudo, como é o caso chinês. Temos uma Comissão Europeia que tem de ouvir, de ter o consenso de todos os Estados Membros para decidir. Logo, a Europa pela sua própria construção política é muito mais lenta a reagir e a funcionar do que são os Estados Unidos e a China, que são os nossos grandes competidores. Quando saiu o relatório de Draghi chamei a atenção de que duvidava que, em termos de instrumentos de política industrial, a Comissão Europeia conseguisse reagir da forma como reagem ou como funcionam os governos americanos e chinês. No entanto, o relatório em termos de análise e de diagnóstico é excelente. A Europa vai continuar a ter dificuldade em competir com os Estados Unidos e com a China.
Em relação às presidenciais, como vê o aparecimentos de tantos candidatos?
Não me lembro de em Portugal se falar tanto em presidenciais quando as eleições que vamos ter agora são as autárquicas. Não foi surpresa, mas surgiu agora a confirmação da candidatura de André Ventura. A entrada em cena do Cotrim Figueiredo é, sobretudo, uma ameaça para Marques Mendes e agora a entrada de André Ventura vai fragmentar ainda mais os candidatos do lado da direita e tornar mais difícil os candidatos do espetro da direita passarem à segunda volta. Diria que os candidatos da direita vão estar todos muito empatados, em quase empate técnico nas sondagens e não sabemos quem é que desse lado passará à segunda volta. E mesmo a própria posição do Almirante que tem estado à frente nas sondagens pode ser posta em causa e pode não passar à segunda volta. Da esquerda, António José Seguro é opção única e se o PS tiver juízo e se unir à volta dele, a esquerda não terá a fragmentação que irá existir na direita. Isso facilitaria a passagem à segunda volta se o PS e a ala esquerda tivessem juízo. Ouvi o discurso de Ventura a anunciar que é candidato presidencial e não é um discurso de quem quer ganhar as presidenciais, é mais um instrumento que vai usar para reforçar a sua posição de liderar a oposição. E vai fazer duas campanhas, o Chega é o único partido que, nas autárquicas, além do candidato tem o líder do partido e depois vai voltar a estar na campanha presencial. Vai utilizar as duas eleições em complemento – autárquicas e presenciais – para reforçar o seu papel como líder da oposição. É claro que, como tudo na vida, tem riscos. Suponha que tem abaixo dos 1,5 milhões de votos que obteve nas legislativas. E mesmo que vá para uma segunda volta toda a gente, da direita à esquerda, que não gosta do Chega, vai votar contra ele. Como diria o Cunhal em relação a Mário Soares, é tapar os olhos. Mas sobre as autárquicas há uma série de câmaras em que o Chega pode ter uma probabilidade altíssima de ganhar, noutras pode não ganhar, mas altera o equilíbrio de forças entre o PS e o PSD. É uma nova geografia política com a grande emergência do Chega.