O teleponto falhou ao início, mas não teria sido realmente necessário. Esta terça-feira, na Assembleia-Geral das Nações Unidas em Nova Iorque, o Presidente norte-americano repetiu um elenco conhecido de queixas, mentiras, exageros, negacionismo, provocações e auto-elogio: que pôs termo a “sete guerras” e que inaugurou uma “era dourada” nos Estados Unidos; que teria renovado a sede nova-iorquina da ONU melhor e mais barato quando era construtor civil, mas que a empreitada foi para alguém que cobrava mais.

De substantivo, a condenação por Donald Trump do reconhecimento do Estado da Palestina por vários dos seus aliados, incluindo Portugal, o Reino Unido, a França ou o Canadá, que o Presidente norte-americano disser ser “um prémio para o Hamas”. Declarou ser necessário “parar com a guerra em Gaza imediatamente”, voltando a exigir ao grupo combatente palestiniano a libertação dos últimos reféns, acusando-o de “rejeitar repetidamente esforços razoáveis para chegar à paz”, mas omitindo qualquer referência à conduta israelita no conflito, recentemente qualificada de genocídio por uma comissão de inquérito da ONU.

Sobre o conflito ucraniano, Trump ameaçou a Rússia com “uma série muito forte de tarifas poderosas” caso Moscovo continue a não estar disposta a “chegar a um acordo para terminar a guerra”. E criticou, ao mesmo tempo, os aliados europeus. “A Europa tem de se chegar à frente”, disse, e parar de comprar petróleo russo.

Em relação ao Brasil, cujo Presidente Lula da Silva discursara momentos antes em Nova Iorque, criticando as tentativas de ingerência e pressão norte-americana em defesa de Jair Bolsonaro, Trump justificou a imposição de pesadas taxas aduaneiras como uma “resposta a um esforço sem precedentes” de Brasília “para interferir nos direitos e liberdades de cidadãos norte-americanos”, acusando o país sul-americano de “censura, corrupção judicial e perseguição de opositores políticos”. Mas disse que iria encontrar-se com Lula, com quem afirmou ter-se cruzado à entrada da tribuna.

‘Os vossos países vão parar ao inferno’

Aos europeus, Trump deixou ainda uma mensagem de teor xenófobo. “Chegou o momento de terminarem a experiência falhada das fronteiras abertas”, disse. “Os vossos países vão parar ao inferno”, alertou, apontando para Londres, descrevendo a cidade como “irreconhecível” devido à presença de imigrantes, e alegando, falsamente, que o “terrível” mayor londrino Sadiq Khan estava a “tentar impor a sharia”, a lei islâmica.

“As alterações climáticas são a maior fraude de sempre”, declarou ainda, visando novamente os europeus, que acusou de lesarem as próprias economias com medidas ambientais e de transição energética.

“A imigração e as ideias suicidas sobre a energia vão ser a morte da Europa Ocidental se nada for feito imediatamente”, alegou, dizendo ser “muito bom a prever coisas” e referindo os bonés vermelhos vistos durante a última campanha eleitoral norte-americana que diziam “Trump tem sempre razão”.

“Não digo isto em jeito de bazófia, mas é verdade. Tenho tido razão sobre tudo”, disse.

‘Para que servem as Nações Unidas?’

As próprias Nações Unidas, que acusou de instigarem o “problema político número um do mundo”, o da “imigração descontrolada”, foram outro dos alvos principais do discurso do Presidente norte-americano.


“Para que servem?”, questionou, ao alegar ter posto termo a sete conflitos internacionais desde o início do seu segundo mandato em Janeiro. “Nunca recebi um telefonema das Nações Unidas a oferecer ajuda. Das Nações Unidas só recebi umas escadas rolantes que avariaram a meio. Se a nossa primeira-dama não estivesse em excelente forma, tinha caído. E agora recebi um teleponto avariado”, queixou-se, gracejando que o operador do aparelho estava agora em “grandes apuros”.

“Salvámos milhões e milhões de vidas nestas sete guerras”, alegou, referindo-se a um conjunto difuso de tréguas, acordos e tratados – entre países como a Índia e o Paquistão, o Azerbaijão e a Arménia, a Tailândia e o Camboja, a Sérvia e o Kosovo, ou a República Democrática do Congo e o Ruanda – no qual os EUA tiveram diferentes graus de envolvimento. Na contabilização de vidas salvas, nenhuma referência às mais de meio milhão que análises independentes indicam terem já sido perdidas com o fim da ajuda externa norte-americana que o Presidente republicano decretou.

Trump apelou ao “fim do desenvolvimento de armas nucleares”, declarou que o Irão, especificamente, nunca poderá ter a bomba atómica, e anunciou que a sua Administração vai liderar um esforço internacional para fazer cumprir a Convenção sobre as Armas Biológicas.