Não foi necessário um cão farejador para que uma detetive especializada em obras de arte em Amsterdã resolvesse um enigma canino que remonta à idade de ouro holandesa.
Anne Lenders, uma curadora do marco da cidade e do mundo das artes plásticas, o Rijksmuseum, anunciou nesta terça, 23, que foi mais ou menos por acidente que ela descobriu que o cão latindo na famosa Ronda Noturna de Rembrandt van Rijn é uma cópia quase idêntica de outro cão, que aparece em um desenho de 1619 feito com caneta e tinta pelo também artista holandês Adriaen van de Venne.
Pesquisadora aponta para o cão no quadro ‘Ronda Noturna’, de Rembrandt Foto: Peter Dejong/AP
“Eu não estava procurando por isso, foi algo realmente inesperado”, disse Lenders na sala envidraçada onde a Ronda Noturna está passando por uma extensa restauração. Ela estava visitando uma exposição no Zeeuws Museum, no sul da Holanda, quando seu olhar se deteve em uma imagem de um cachorro de Van de Venne, que estava impressa em um livro do poeta Jacob Cats. O desenho original – que acabou por ser parte da própria coleção do Rijksmuseum – também estava em exibição. “A semelhança era tão forte que, no primeiro momento, eu pensei que ele (Rembrandt) provavelmente teria usado aquele modelo”, ela acrescentou.
Foi então que a pesquisa começou: uma comparação dos cães de Van de Venne e Rembrandt, levando em consideração diferentes elementos, desde sua pose até o colar que aparece usando. “A cabeça vira no exato mesmo ângulo com a boca levemente aberta. Ambos os cachorros têm pelos longos e orelhas que pendem verticalmente”, disse Lenders.
Na Ronda Noturna, o cão adiciona tensão a um canto escuro da composição lotada, agachando-se e aparentemente latindo perto de um baterista chamado Jacob Jorisz e logo atrás de um dos personagens principais da icônica pintura de 1642, o tenente Willem van Ruytenburch.
A descoberta é a mais recente em uma série de revelações que surgiram durante um projeto de anos para reexaminar a tela de 379,5 por 453,5 centímetros, usando técnicas modernas. A Operação Ronda Noturna, como foi batizada pelo museu, começou em 2019 com um estudo extensivo da pintura e seguiu com trabalhos de restauração que provavelmente levarão anos para serem concluídos. “Temos a tendência a pensar que, bem, esse quadro já foi tão pesquisado e estudado, portanto já sabemos tudo que há para saber sobre ele”, disse o diretor do Rijksmuseum, Taco Dibbits. “Mas o grande lance com a grande arte é que você sempre continua descobrindo coisas.”
Um detalhe que o Rijksmuseum não conseguiu descobrir foi exatamente que tipo de cachorro é, com opiniões de especialistas divididas entre uma raça francesa ou uma holandesa. Provavelmente, os dois artistas usaram um pouco de licença poética para criar os animais. “Nunca teremos uma conclusão sobre de qual raça é o cachorro”, disse Dibbits. “Mas ele definitivamente já é muito amado.”
Detalhe do desenho feito por Adriaen van de Venne que inspirou Rembrandt a pintar o cão de ‘Ronda Noturna’ Foto: Peter Dejong/AP
Uma das principais contribuições da Operação Ronda Noturna, divulgada em 2022, foi a fotografia mais detalhada já feita do quadro, uma imagem de 44,8 gigapixels que permite a pesquisadores ver com nitidez pinceladas e partículas de pigmentos da tela (é possível acessar a foto pelo site da instituição).
A equipe de imagem criou essa foto a partir de 528 posições do quadro, que “foram reunidas digitalmente com a ajuda de redes neurais artificiais até chegar a uma fotografia final composta por 44.804.687.500 de pixels, com uma distância de 20 micrômetros (0,02 mm) entre cada uma das posições.
Com isso, o museu manteve o quadro, um dos mais importantes de seu acervo, disponível em seus mínimos detalhes para pesquisas enquanto são realizados os trabalhos de restauração.