Foram quarenta anos de militância da Juventude Centrista e no CDS que acabam agora. O antigo deputado e dirigente do CDS Raul Almeida, que atualmente preside à bancada de Rui Moreira na Assembleia Municipal do Porto, decidiu desfiliar-se do partido, tendo já enviado uma carta a Nuno Melo em que lhe comunica oficialmente a sua decisão. No topo da lista de motivos está uma “traição” do CDS a Rui Moreira mas, acima de tudo, a posição do partido sobre a guerra em Gaza e o reconhecimento do Estado da Palestina.

Na carta dirigida a Nuno Melo, a que o Observador teve acesso, Raul Almeida frisa que sempre foi defensor da solução dos dois Estados e do direito e autonomia dos palestinianos, tendo sido promotor e coorganizador, em representação do CDS, da primeira visita oficial do Parlamento português à Palestina. “Sei que mensagem transmiti ao Presidente Mahmoud Abbas, em articulação com o Presidente do CDS”, recorda.

Mas agora o antigo deputado diz ver “todos os dias” o “massacre, a violação flagrante dos Direitos Humanos, a ocupação hegemónica, o atropelo gravíssimo do Direito Internacional, a morte sob as mais variadas formas de violência e desumanidade, no perpetrar dos mais diversos crimes de guerra” em Gaza, por parte de Israel. “A absolvição ou branqueamento deste horror mancha irremediavelmente quem o faz, nega flagrantemente e agride irremediavelmente a Declaração de princípios de 19 de Julho de 1974″, lamenta, dizendo ter tentado ficar em silêncio, na esperança de “dias melhores”, mas que decide afastar-se, “perante a agressão violenta dos princípios que ainda seguravam” a sua ideia de CDS.

Sendo a posição do CDS — que se afastou do parceiro de coligação, o PSD, na decisão de reconhecer o Estado da Palestina — sobre Gaza fundamental, o deputado municipal, que integra a equipa de Filipe Araújo (vice de Rui Moreira) para o Porto, aponta outra desilusão: “Tem sido muito difícil para mim liderar uma bancada municipal em que a maioria dos deputados do CDS que integram esta bancada votam de forma diversa da direção da bancada e, obviamente, da coordenação de Rui Moreira”, explica, lembrando que o CDS apoiou “sem condições” a candidatura de Moreira e que participou na governação da autarquia e na vereação “porque Rui Moreira assim o entendeu”.

“Sou do tempo em que no CDS os compromissos eram para honrar até ao fim e não se traía quem generosamente nos dava a mão em tempos de dificuldade, em troca de conveniências imediatas e alianças futuras”, dispara, numa altura em que o CDS apoia e integra a coligação liderada pelo social democrata Pedro Duarte.

Nesta carta, Raul Almeida percorre o seu histórico no CDS, para onde foi puxado pelo “humanismo cristão irrenunciável” do partido, e lembra que foi militante de base, presidente da concelhia de Ovar, presidente da distrital de Aveiro durante três mandatos, membro de todas as comissões políticas de Paulo Portas, Ribeiro e Castro e Francisco Rodrigues dos Santos, além de deputado em três legislaturas.

“Sou grato ao CDS por tudo isto, jamais o esquecerei. Dei tudo o que tinha para dar ao Partido, o meu tempo, disponibilidade sem limites, muito trabalho em diferentes frentes, muito estudo aplicado, sacrifício financeiro e uma forma de acreditar genuína e, espero, mobilizadora. Até ao último dia do último mandato do Dr. Paulo Portas, o partido não me falhou e eu nuca falhei ao partido”, conta.

Depois, lembra tempos mais conturbados: os de “divergência política” com Assunção Cristas, mas com espaço para a “diferença” no partido”; o regresso à direção com Rodrigues dos Santos, para tentar salvar “um partido depauperado financeiramente e em convulsão interna, num processo autodestrutivo sem precedentes”, que entrou em “guerra civil interna”. E acrescenta que nos últimos tempos, apesar da “falta de quadros” do partido, da sua “exiguidade” ou da sua “submissão ao PSD”, foi mantendo a sua filiação “mais por motivos emocionais do que racionais”, até que o CDS fizesse algo que o “chocasse profundamente” e “violasse” os princípios de base do partido.

“O corpo ideológico dos princípios fundadores era-me suficiente nesta fase da minha vida; só a sua violação grosseira me faria mudar de posição”. E, na sua perspetiva, isso aconteceu agora, mostrando uma fratura dentro da posição do CDS a propósito de Gaza.

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