Documento interno do Ministério alemão da Defesa vai contra as expectativas de Donald Trump de que a União Europeia vai comprar “grandes quantidades” de armas norte-americanas no valor de “centenas de milhares de milhões de euros”

A Alemanha prepara-se para avançar com um megaplano de modernização militar, que deverá mobilizar cerca de 83 mil milhões de euros até ao final de 2026, segundo um documento interno do Ministério alemão da Defesa a que o jornal Politico teve acesso.

A lista de 154 contratos revela uma clara opção estratégica: a esmagadora maioria dos investimentos vai beneficiar a indústria de Defesa europeia, deixando apenas uma pequena fatia para fornecedores norte-americanos. 

Só 8% para armas dos EUA

De acordo com o plano, apenas cerca de 6,8 mil milhões de euros – cerca de 8% do total – serão aplicados em contratos liderados por empresas dos Estados Unidos. Entre os projetos destacam-se a compra de mísseis Patriot da Raytheon (5,1 mil milhões de euros) e torpedos para os aviões de patrulha marítima P-8A Poseidon, fornecidos pela Boeing (150 milhões de euros).

Esta viragem representa uma quebra significativa face ao passado. Entre 2020 e 2024, Berlim gastou cerca de 15 mil milhões de euros em aquisições de armamento norte-americano, incluindo um recorde de quase 12 mil milhões de euros em 2023, após a invasão russa da Ucrânia. Na altura, a Alemanha era um dos principais destinos mundiais para as exportações de armas dos EUA, assim como a Polónia e o Japão.

A decisão alemã de canalizar a maioria dos fundos para fornecedores europeus contrasta com as expectativas criadas em Washington, DC. Donald Trump celebrou em julho um acordo comercial com a União Europeia que prevê um aumento substancial das compras de armamento norte-americano no valor de “centenas de milhares de milhões”. No entanto, a política de Defesa continua a ser uma competência nacional e Berlim parece determinada a reforçar a sua autonomia estratégica.

Os grandes vencedores: indústria naval e aeronáutica europeia

O projeto mais caro da lista é o programa das fragatas F-127, calculado em 26 mil milhões de euros, entregue à alemã TKMS. Estes navios deverão garantir capacidade de defesa aérea e antimíssil de longo alcance à Marinha. 

Outra prioridade clara é a Força Aérea. A nova tranche de caças Eurofighter, produzidos em conjunto pela Airbus, BE Systems e Leonardo, absorverá mais de 6 mil milhões de euros, incluindo radares e sistemas de guerra eletrónica. Ao mesmo tempo, Berlim mantém o investimento no Future Combat Air System (FCAS), o futuro caça europeu desenvolvido em parceria com França e Espanha, apesar dos atrasos. 

No Exército, os investimentos incidem sobretudo em viaturas blindadas. O plano inclui 3,4 mil milhões de euros para os novos veículos Boxer e 3,8 mil milhões para um novo veículo de combate sobre rodas, ainda sem designação pública. 

Modernização em todas as frentes

A modernização do míssil de cruzeiro Taurus, politicamente sensível pela pressão ucraniana para o receber, deverá custar 2,3 mil milhões de euros. A defesa antiaérea também é reforçada, com centenas de milhões destinados a sistemas IRIS-T, mísseis de curto alcance e munições navais. 

A Marinha verá ainda um investimento de 1,7 mil milhões na modernização das fragatas F-123, além de novos sistemas de guerra antissubmarina e torpedos. Há também espaço para projetos de menor dimensão, como um novo navio de apoio logístico (274 milhões de euros), drones, camiões militares e pacotes de comunicações.