O legado de Maria Branyas Morera, que sobreviveu a guerras, pandemias e mais de um século de mudanças, poderá contribuir para um dos maiores desafios da ciência moderna: transformar a longevidade em qualidade de vida

Maria Branyas Moreira, que foi considerada a pessoa mais velha do mundo até morrer em 2023 com 117 anos, continua a surpreender a comunidade científica. Um estudo realizado em Espanha permitiu desvendar aspetos únicos da sua biologia que ajudam a explicar como conseguiu alcançar uma idade tão avançada mantendo-se relativamente saudável.

Cientistas do Instituto de Investigação contra a Leucemia Josep Carreras, em Barcelona, analisaram amostras de sangue, saliva, urina e microbiota intestinal de Maria quando tinha 116 anos. O objetivo era compreender o que a distinguia da maioria dos idosos, que sofrem frequentemente de doenças crónicas, fragilidade e declínio cognitivo. 

Um corpo envelhecido, mas protegido

Os resultados mostraram que, apesar de sinais claros de envelhecimento, como telómeros – extremidade de um cromossoma, constituída por sequências repetidas de seis nucleotídeos, cuja função é assegurar que cada ciclo de replicação é completado – extremamente curtos e um sistema imunitário envelhecido, o organismo de Maria apresentava mecanismos de proteção raros.

“A regra comum é que, à medida que envelhecemos, ficamos mais doentes, mas ela era uma exceção e queríamos entender porquê”, afirma o coordenador do estudo Manel Esteller, citado pelo Guardian, sublinhando: “Pela primeira vez, conseguimos separar a velhice da doença.”

A idosa tinha uma genética favorável no que dizia respeito às variantes associadas à proteção do coração e do cérebro contra doenças degenerativas; níveis reduzidos de inflamação sistémica, fator que diminui riscos de cancro e diabetes; um metabolismo eficiente, e, portanto, uma boa regulação de gorduras e colesterol e um microbioma jovem, uma flora intestinal rica em Bifidobacterium, geralmente associada a vitalidade e bem-estar.

Curiosamente, os telómeros curtos, que normalmente são vistos como um indicador negativo, terão, no caso de Maria, funcionado como barreira contra o cancro, limitando a multiplicação descontrolada das células. 

Quando os cientistas avaliaram a idade biológica de Maria através de marcadores epigenéticos, descobriram que era 10 a 15 anos mais jovem do que a idade cronológica. Isso significa que, embora tivesse mais de 116 anos, o corpo funcionava como o de alguém com pouco mais de 100.

Além da genética, o modo de vida de Maria parece ter desempenhado um papel fundamental. Nunca fumou nem bebeu álcool, manteve um peso saudável, tinha uma alimentação equilibrada – com destaque para o consumo regular de iogurte – e preservou fortes laços sociais com amigos e famílias.

Esperança para o futuro

O médico Manel Esteller acredita que estas descobertas podem abrir caminho a novas terapias capazes de replicar os efeitos de genes protetores em qualquer pessoa. “Os pais de Maria transmitiram-lhe genes muito bons. Não podemos escolher os nossos pais, mas podemos desenvolver medicamentos para reproduzir os efeitos dos genes bons”, esclarece.

Também o investigador João Pedro de Magalhães, da Universidade de Birmingham, citado no artigo do Guardian, sublinha a importância de estudar estes casos raros: “São exceções valiosas. Se identificarmos os mecanismos que lhes permitem envelhecer de forma saudável, poderemos criar estratégias para que mais pessoas vivam vidas longas e de qualidade.”