Ninguém me contou, eu mesmo ouvi: em uma entrevista a uma rádio do interior, durante a campanha de 2022, a deputada Carla Zambelli (PL) se despede e agradece a oportunidade de trazer ao debate ideias divergentes em um veículo de viés progressista. O importante é saber ouvir as diferenças, ela disse.
Corta a cena. Às vésperas do segundo turno da mesma eleição, ela mostra como lida com as divergências sacando uma arma e correndo atrás de um eleitor de Lula (PT) pelas ruas de São Paulo.
O alvo era o jornalista Luan Araújo.
Por ironia, não foi por essa razão que a parlamentar mais extremista do núcleo de Jair Bolsonaro foi julgada e condenada à prisão.
Foi porque, meses após o fim das eleições, ela se associou ao hacker Walter Delgatti Neto, o mesmo que revelou os intestinos da Lava Jato, para provar uma suposta fragilidade nas urnas.
Sem conseguir o que queria, ela agiu como os fãs que um dia invadiram as sedes dos Três Poderes e, sem tomar poder nenhum, saíram quebrando objetos e defecando no caminho de volta.
Foi mais ou menos isso o que ela fez ao mandar o Delgatti invadir o sistema eletrônico do Conselho Nacional de Justiça e expedir um mandado de prisão contra Alexandre de Moraes. Detalhe: a ordem de prisão era assinada pelo próprio ministro do Supremo Tribunal Federal.
Uma molecagem típica dos tempos em que o mesmo Delgatti invadia lan houses de Araraquara para sacanear adversários de um jogo online.
A imagem de Zambelli empunhando uma arma contra um homem negro escancarou o que ela sempre: uma vilã de novela que muita margem para nuances que deixaria assombrada a própria Odete Roitman, de Vale Tudo.
Essa vilã fez de tudo para chegar onde chegou enquanto falava sorrindo de Deus, pátria e família ou simulava choro para a plateia. A atuação nunca convenceu quem sabia ligar lé com cré, mas teve gente que caiu, por inocência ou identificação.
No vale-tudo organizado por Zambelli, ela se mandou do país e desafiou as autoridades judiciais a prendê-la se fossem capazes.
Pensou que viveria bem, intocável e confortável em um apartamento em Roma, onde desfrutaria de uma suposta má vontade do governo da extremista Giorgia Meloni, a Bolsonaro italiana, em prendê-la.
Faltou combinar com o deputado Angelo Bonelli, que desde o momento 0 da fuga denunciou a vergonha que seria, para a Itália, dar abrigo a uma condenada pela Justiça brasileira.
Bonelli descobriu a localização da parlamentar e passou para a polícia.
Zambelli foi, então, finalmente detida, quase dois meses após entrar na lista de procurados da Interpol.
Entrará agora num pingue-pongue entre as autoridades brasileiras, italianas e a própria defesa para saber onde cumprirá a pena de dez anos de prisão. Tudo enquanto espera a sentença pelo que fez no dia em que se vestiu de pistoleira dos Jardins.
Ela já disse que quer seguir na Itália – sim, o delírio autoritário da turma é tamanho que até condenada quer ditar onde vai passar os próximos anos detida.
Do episódio, fica registrada a morosidade da própria Câmara dos Deputados em mantê-la sob o mandato até agora, numa sinalização aos demais de que eles podem tudo, até fazer troça das próprias leis que assinam.
Não podem, disse Alexandre de Moraes, agora de próprio punho.
*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG