Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 1 de 19University of Aberdeen New Library / schmidt hammer lassen architects. Foto cortesia de Schmidt Hammer Lassen Architects

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O contraste pode ser amplamente utilizado na arquitetura como recurso para destacar aquilo que desejamos evidenciar. Queremos destacar uma entrada? Que o projeto se sobressaia em relação ao entorno? Que nossa arquitetura se torne um marco na paisagem urbana — ou rural? Precisamos criar simbolismos? Garantir legibilidade? Como fazer isso? Como “colocar luz” em algo?

Tudo aquilo que queremos destacar se amplifica pela comparação — por meio de um contraste exagerado, antagônico. Propositalmente, podemos intensificar o uso da escuridão para evidenciar uma única fonte de luz, marcando uma escada de maneira dramática e teatral. Ou então inserir paredes robustas e opacas para fazer sobressair uma entrada leve e transparente.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 2 de 19Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 3 de 19Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 4 de 19Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 5 de 19Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Mais Imagens+ 14

Este artigo não busca esgotar as possibilidades do contraste na arquitetura, tampouco todas as razões para utilizá-lo. A intenção é refletir sobre alguns contrastes recorrentes em obras clássicas e contemporâneas no cenário global. Aqui, destacamos pares como: claro e escuro, horizontal e vertical, escala humana e monumental, cores opostas, superfícies lisas e rugosas, aberto e fechado, transparente e opaco, frágil e resistente, leve e robusto, dinâmico e estático, antigo e novo, geométrico e orgânico, natural e artificial, além da sobreposição, quando múltiplos contrastes são combinados intencionalmente para ressaltar um ponto.

Claro e escuro

Talvez um dos contrastes mais simbólicos nas artes e na arquitetura, o claro e escuro é explorado intensamente desde o movimento artístico chiaroscuro, em que a luz e a sombra criam profundidade, volume e drama. Na arquitetura, Tadao Ando é um dos principais nomes a dominar essa linguagem. Na Church of the Light, ele usa rasgos na estrutura para desenhar o espaço com luz. É como se usássemos um lápis de luz para reforçar o simbolismo de cada elemento arquitetônico.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 2 de 19Church of the Light – Tadao Ando. Foto © Naoya FujiiHorizontal e vertical

No vocabulário arquitetônico, horizontalizar é expandir lateralmente; verticalizar é projetar em direção ao alto. O movimento Art Déco explorava esse contraste para marcar acessos e dar imponência aos edifícios. No Breakwater Hotel, em Miami, a entrada vertical contrasta com o corpo horizontal do prédio, criando um ponto focal nítido.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 4 de 19Breakwater Hotel – South Beach. Foto via BookingEscala humana e monumental

Na arquitetura, é amplamente disseminada a ideia da escala humana e como essa deve ser respeitada, mas e nos casos em que isso não acontece? Pegamo-nos observando prédios imensos que nos fazem parecer pequenas formigas em um mundo muito maior do que podemos alcançar. A monumentalidade é usada justamente para enfatizar a grandeza do alto, em igrejas e prédios governamentais, por exemplo.
A escala humana orienta muitos projetos arquitetônicos, mas a monumentalidade também tem seu papel: cria impacto, reverência e sensação de grandeza.

Esse contraste é evidente quando grandes estruturas convivem com elementos menores ou com o corpo humano. No bairro La Défense, em Paris, edifícios contemporâneos se impõem ao lado de construções históricas, criando uma tensão entre tempos e proporções.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 15 de 19La Défense, Paris. Foto cortesia dos autoresCores opostas

Desde cedo aprendemos sobre cores complementares. Na arquitetura, esse conhecimento é aplicado para criar legibilidade e diferenciação. O 7 Sisters Housing Complex, por exemplo, usa cores contrastantes para distinguir visualmente sete blocos residenciais, facilitando a orientação e reforçando identidades distintas.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 16 de 197 Sisters Housing Complex / Hugo Boetsch + Jorge Elton. Foto © Victoria RiquelmeSuperfícies lisas e rugosas

O tato é talvez o sentido mais aguçado de um arquiteto. Texturas diferentes nos convidam ao toque, orientam percursos e criam sensações. Na arquiteturas de interiores, podemos demarcar áreas de passagem das áreas de permanência através da aplicação de texturas mais aconchegantes em uma sala de estar, ao redor de uma lareira, por exemplo.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 3 de 19Pace Flagship Store / Coletivo de Arquitetos. Foto © Max Fahrer

Na Pace Flagship Store, diferentes pisos e texturas criam zonas de uso e guiam a experiência do usuário, misturando o liso e o rugoso em harmonia sensorial.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 17 de 19Pace Flagship Store / Coletivo de Arquitetos. Foto © Max FahrerAberto e fechado

Esse contraste é direto: espaços amplamente abertos versus espaços enclausurados. É, talvez, o contraste mais usado — e, paradoxalmente, o menos perceptível como — tal arquitetura, desde o início dos tempos. Um grande paredão seguido por uma grande janela, muitas vezes para uma vista diferenciada. Um grande pórtico de abertura delimitando uma entrada. Não há segredo nesse contraste, mas uma beleza indescritível em direcionar a atenção do usuário para algo.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 18 de 19Fundação Iberê Camargo / Alvaro Siza. Foto ©Grazielle Bruscato

Na Fundação Iberê Camargo, rampas fechadas com pequenas aberturas moldam a percepção do visitante, revelando vistas específicas da paisagem de Porto Alegre.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 19 de 19Fundação Iberê Camargo / Alvaro Siza. Foto ©Grazielle BruscatoTransparente e translúcido

A diferença entre o que se vê claramente e o que apenas se sugere. O transparente expõe; o translúcido preserva a intimidade, mas permite entrada de luz. Na Biblioteca da Universidade de Aberdeen, uma fachada de vidro alterna trechos translúcidos e transparentes, equilibrando visibilidade e privacidade.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 14 de 19University of Aberdeen New Library / schmidt hammer lassen architects. Foto cortesia de Schmidt Hammer Lassen ArchitectsFrágil e estável

Há projetos que evocam delicadeza, ainda que estruturalmente sólidos. A aparência frágil exige cuidado, quase silêncio. Aqui, quando falamos em fragilidade, não estamos querendo falar sobre um material aparentemente quebrável, mas sim a forma como ele está inserido no sítio. É quase como se ele estivesse em equilíbrio e um simples sopro pudesse derrubá-lo. Nesse sentido, o estável também não requer necessariamente uma robustez ou dureza no material, mas sim em sua forma de prender-se ao chão. 

O Serpentine Pavilion de Francis Kéré demonstra isso com sua cobertura leve que parece flutuar sobre blocos sólidos, presos ao chão.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 6 de 19Serpentine Pavilion de Diébédo Francis Kéré. Foto © Iwan BaanLeve e robusto

Leveza não é sinônimo de fragilidade — assim como robustez não implica rigidez absoluta. Esse tipo de contraste pode ser facilmente identificado pelas características morfológicas entre os elementos da arquitetura, e pode ser reforçado pela materialidade aplicada. Também pode escancarar uma diferença em estilos arquitetônicos de épocas diferentes. Na Destilaria Bombay Sapphire, estruturas envidraçadas e orgânicas contrastam com a massa do edifício histórico, criando harmonia entre o sólido e o etéreo.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 7 de 19Destilaria Bombay Sapphire / Heatherwick Studio. Foto © Iwan BaanDinâmico e estático

Enquanto o estático é firme, o dinâmico carrega energia e movimento. Em arquitetura, esse contraste é geralmente simbólico — mas pode ser literal. O Museu de Milwaukee, de Santiago Calatrava, literalmente se move. Suas “asas” abrem e fecham, mostrando como a arquitetura pode transcender a imobilidade.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 8 de 19Milwaukee Museum / Santiago CalatravaAntigo e novo

Classicamente, as cartas patrimoniais exigem que intervenções em edifícios antigos devam ocorrer utilizando-se de estilos arquitetônicos vigentes no momento da intervenção, marcando claramente o antigo e o novo. É como se o edifício – ou rua, ou cidade, ou bairro – fosse uma linha do tempo materializada em arquitetura. Tem-se como um exemplo muito clássico o Louvre, em Paris. É possível ver a arquitetura antiga do século XII ao século XVIII, e a contrastante pirâmide de vidro projetada por I.M. Pei no ano de 1989, materializando a coexistência de épocas.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 5 de 19Le Grand Louvre / I.M. Pei. Foto © Rory Hyde, via Flickr (CC BY-NC-SA)Geométrico e orgânico

A linguagem arquitetônica pode ser rígida e racional — ou fluida e sensorial. As linhas geométricas expressam ordem, controle e racionalidade. Por outro lado, as linhas orgânicas se inspiram nas formas da natureza: sinuosas, assimétricas e fluidas. Na Casa das Canoas, Oscar Niemeyer combina paredes curvas e retas, eixos ortogonais e gestos orgânicos. O projeto se deita sobre o terreno, flui com a paisagem e, ao mesmo tempo, mantém estrutura e clareza.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 9 de 19Casa das Canoas / Oscar Niemeyer. Foto © Ana María León, via FlickrContraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 10 de 19Casa das Canoas / Oscar Niemeyer. Foto © Ana María León, via FlickrNatural e artificial

Com a urbanização crescente, o natural muitas vezes é apagado. Ainda assim, há projetos que ressaltam esse contraste. Essa pode ser, é claro, uma decisão projetual de como encarar a natureza na arquitetura: podemos mimetizar a arquitetura na paisagem, explorando materiais que remetam ao próprio entorno, com a utilização de superfícies naturais como pedra e madeira, bem como respeitar desníveis do terreno e pensar na construção moldada à superfície; ou podemos escancarar a arquitetura, quase como um templo (como diria Simon Unwin), que é quase independente da geografia, como uma plataforma, um objeto pousado, com materiais contrastantes e formas antagônicas. 

O Museu de Arte Contemporânea de Niterói, por exemplo, destaca-se como objeto futurista diante da paisagem rochosa e marinha, criando um diálogo entre o feito pelo homem e a natureza.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 11 de 19Museu de Arte Contemporânea de Niterói / Oscar Niemeyer. Foto © Rodrigo SoldonSobreposição

Chamamos aqui de ‘sobreposição’ quando usamos mais de um contraste como forma de estabelecer um ponto. A catedral de Brasília, projetada por Oscar Niemeyer, por exemplo, cria um acesso fechado, escuro, com pé direito em escala humana, horizontal, monocromático, simbolicamente como o ‘profano’. Depois, entra-se na nave principal da igreja, muito aberta,  iluminada, com escala monumental, vertical, multicolorida, simbolicamente o ‘divino’. É uma sobreposição de diversas características físicas para exaltar um ponto, criando simbolismo através da forma. Ainda que a sobreposição de vários contrastes não seja necessária para marcar um ponto na arquitetura, sua presença pode indicar uma riqueza visual importante na simbologia da construção.

Contraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 12 de 19Catedral de Brasília / Oscar NiemeyerContraste como estratégia projetual na arquitetura - Imagem 13 de 19Catedral de Brasília / Oscar Niemeyer