Médico, investigador e diretor do Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional (CIBIT) da Universidade de Coimbra, Miguel Castelo-Branco é uma das vozes mais respeitadas no estudo do autismo. Ao longo das últimas duas décadas, tem procurado decifrar os mecanismos do cérebro autista e explorar novas formas de intervenção terapêutica, da farmacologia ao uso pioneiro de terapias de reabilitação e de intervenção neuocognitiva, que envolvem até jogos de realidade virtual. Esse trabalho tem-lhe valido vários prémios e reconhecimento internacional, mas há também uma superior motivação pessoal: é, ele próprio, pai de um jovem autista.
Entre a ciência de ponta e a experiência pessoal, a sua perspetiva combina rigor académico e sensibilidade humana. É com esse olhar credenciado que reage às palavras do presidente norte-americano Donald Trump, que associou o autismo ao uso de paracetamol durante a gravidez. Para Castelo-Branco, trata-se de mais um exemplo de alegações “sem fundamento científico”, vindas de um político que já antes deu provas de ignorar a Ciência.
Como reage ao anúncio feito por Donald Trump, e pela sua administração, de que o Paracetamol pode estar associado a casos do espetro de autismo?
Não tive tempo de ler os artigos que dão suporte a isso, mas em geral, no autismo, nós apanhamos muito destas, não diria fake news, mas notícias com muito pouco fundamento científico.
Mas não estamos habituados a vê-los transmitidos por um presidente de um dos principais países do mundo.
Pois, mas ele também tem historial… a começar pela Covid. Falando de uma forma muito franca, o presidente americano, mesmo na questão da Covid, não ouvia os cientistas. Portanto, ele não tem credibilidade científica para um statement desses, não é?
Era precisamente isso que lhe ia perguntar, se há alguma evidência científica recente que sustente esta tomada de posição nesta altura?
Eu não tenho qualquer conhecimento de evidência que suporte, e o conhecimento que tenho, como lhe digo, é sem uma análise aprofundada desses artigos. Pode aparecer um artigo científico com uma amostra relativamente pequena, que não é representativa da população. Os estudos que existem com populações maiores, e até da revisão da literatura, não suportam de maneira nenhuma esse claim (alegação). Nós somos quase todos os dias confrontados com claims que depois se verificam não serem verdadeiros.
Também se tentou associar o autismo com as vacinas [uma associação mencionada até pelo atual responsável da Saúde na administração norte-americana, Robert Kennedy Jr.]
Sim. Houve um trabalho no final dos anos 90, que relacionava a vacinação com o autismo, mas foi provado que era fraude. A investigação era uma fraude. E, todavia, não se conseguiu apagar essa alegação. Ainda hoje continuam a ser mencionados os resultados, quando a própria revista que os publicou já se retratou e os considerou uma fraude. Não estou a dizer que seja aqui o caso do Paracetamol.