No início do livro, escrito na primeira pessoa, fica-se com a sensação de que o pai de Zoe morreu. “Um dia, o homem que era o meu pai desapareceu. Como se alguém o tivesse cortado da realidade. O sítio onde ele se sentava, à mesa do pequeno-almoço, ficou vazio.”
Percebe-se mais adiante que o homem está num edifício com as portas fechadas. Imagina-se uma prisão. Afinal, era um hospital onde as pessoas tristes têm de ficar “até a tristeza passar”. Foi no Verão em que o pai de Zoe “não tinha vontade de viver”.
O Verão dos Mergulhos fala com sensibilidade e empatia da depressão, olha com normalidade para o internamento em hospital psiquiátrico e valoriza o desempenho dos profissionais de saúde “na intervenção precoce e no acompanhamento continuado de pacientes”, escreve a editora na nota de divulgação.
Sobre eles, diz a menina: “Por todo o lado, há anjos que o vêm ver. Mas não estão ali para o levar. Querem cuidar dele na terra, para que não voe para longe.”
Eleito como o Melhor Livro Ilustrado para Crianças pelo New York Times relativamente ao ano de 2019, alia texto e imagem de forma envolvente e poética. Comove leitores de qualquer idade.
“Por todo o lado, há anjos que o vêm ver. Mas não estão ali para o levar. Querem cuidar dele na terra, para que não voe para longe”
Sara Lundberg
Sara Stridsberg é uma escritora e dramaturga sueca reconhecida, já com livros publicados em Portugal, não para crianças: A Faculdade dos Sonhos e A Gravitação do Amor (Bertrand Editora). Venceu o Nordic Council Literature Prize e foi nomeada para o Prémio Man Booker 2018.
Aqui, cria um texto subtil, honesto e verosímil enquanto voz de uma criança: “Porque é que uma pessoa não quer viver quando existem cães e borboletas e céu? Como é possível não querer viver quando eu existo? Ninguém sabe a resposta. É assim, pronto.”
Saber pintar a tristeza
Sara Lundberg, que ilustra este livro, também nasceu na Suécia e o seu trabalho já foi distinguido com o Prémio Sueco do Livro e o Prémio August, entre outros, tendo sido incluída na Lista de Honra do The International Board on Books for Young People (IBBY). Tem quatro títulos em que assina texto e ilustração.
“É aqui que ele está. Num edifício vulgar, com paredes, janelas e portas. Só que as portas estão fechadas”
Sara Lundberg
A sua ilustração não se cinge a reproduzir o que está escrito, antes ilumina e amplia a narrativa, dando-lhe outras leituras e novos contornos. É quente, bonita e, às vezes, até hipnotizante. Sabe pintar a tristeza.
Houve um dia em que o pai de Zoe não quis mais visitas e fê-lo saber através de um papelinho que meteu debaixo da porta. Dizia “adeus”. Mãe e filha ouvem-no chorar dentro do quarto. “— O pai já não quer ficar bom? — pergunto. — Acho que se esqueceu do que isso é — diz a mãe. Como é possível esquecer-se? Como é possível esquecer-se de mim?”
A menina não desistiu de ir todos os dias ao hospital psiquiátrico. Sozinha. Como o pai não aparecia, quem passou a fazer-lhe companhia naqueles corredores e salas de gente estranha foi a Sabina, que trazia sempre um fato de banho por baixo do roupão.
Juntas treinaram natação no parque, mergulharam em muitos mares e deram várias voltas ao mundo com as suas braçadas felizes. “A Sabina entrou no Campeonato do Mundo de Toronto e um dia vai atravessar o oceano Pacífico a nado. — Alguém consegue fazer isso? — pergunto eu. — As raparigas conseguem fazer tudo o que quiserem. É verdade? A Sabina diz que sim.”
“Algumas pessoas nunca são alegres”
Um dia, Zoe e o pai reencontram-se no parque do hospital. “Vamos para casa, meu docinho”, diz-lhe o pai. E ela conclui, a partir do que aprendeu com a Sabina: “É como estas árvores, o meu pai. No Inverno faz de conta que está morto. Depois renasce outra vez.”
“— Vamos para casa, meu docinho. É como estas árvores, o meu pai. No Inverno faz de conta que está morto. Depois renasce outra vez”
Sara Lundberg
É no final que Zoe, já crescida, diz que tal aconteceu na sua infância. A comprovar o seu amor incondicional pelo pai, recorda que ele nunca foi muito alegre, mas teve uma vida boa. “Algumas pessoas nunca são alegres. Por mais que se faça, estão sempre tristes. Às vezes, tão tristes que têm de ficar no hospital até a tristeza passar. É só isso.”
A antes menina questiona-se se a Sabina terá chegado realmente ao mar. Na sua memória ficará a amizade de quem foi sua amiga quando o sorriso do pai se apagou porque não tinha vontade de viver. Nunca esquecerá aqueles mergulhos de Verão. Os leitores também não.
Texto: Sara Stridsberg
Ilustração: Sara Lundberg
Tradução: Ana Diniz
Edição: Orfeu Negro
48 págs., 15,50€ (online 13,95€)
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