Um trio de histórias escritas por Virginia Woolf entre 1907 e 1908, antes da publicação de A Viagem (1915), o seu primeiro romance — na altura, ainda não assinava com o apelido Woolf, mas com aquele que lhe havia sido dado à nascença, Stephen —, será publicado no próximo mês, após Urmila Seshagiri, professora na Universidade do Tennessee (Estados Unidos) e estudiosa de Woolf, ter descoberto, por acaso, os manuscritos originais da histórica escritora britânica.
As histórias, que juntas perfazem uma biografia fictícia, são inspiradas por Violet Dickinson, que, conforme escreve o jornal britânico The Guardian, foi uma pessoa de grande importância na vida da autora: as duas mulheres aproximaram-se quando Virginia tinha 20 anos e Violet, além de ter apresentado a escritora a um dos seus primeiros editores, e a “um círculo alargado de amigos aristocráticos”, cuidou da sua amiga quando esta teve um esgotamento, em 1904.
A obra, originalmente intitulada Friendships Gallery, será publicada pela editora académica Princeton University Press com um novo título: The Life of Violet. Foi escrita “a partir da perspectiva de um biógrafo masculino inepto e antecipa os temas feministas das obras-primas posteriores [de Virginia Woolf]”, descreve o Sunday Times. Sai a 7 de Outubro, precisa por sua vez o Telegraph.
Os manuscritos originais estavam em Longleat House, casa senhorial da região de Wiltshire onde se encontra também guardada uma colecção de escritos de Violet Dickinson. Urmila Seshagiri estava à procura de um livro inédito escrito por Violet sobre a infância de Virginia quando, pouco antes do início da pandemia de covid-19, perguntou à Longleat House se estaria na sua posse. Responderam-lhe que sim e, como a académica assinala ao Guardian, perguntaram-lhe também se não teria interesse em consultar Friendships Gallery, um documento redigido à máquina e com diversas correcções manuscritas.
Seshagiri sabia que o manuscrito original dessa obra se encontrava na Biblioteca Pública de Nova Iorque; pensou, portanto, que a Longleat House mais não teria do que uma cópia. A verdade, todavia, é que o documento à guarda da casa senhorial é uma versão alterada da história original — as mudanças foram feitas em 1908, um ano após a escrita do primeiro rascunho, do qual Woolf tinha alguma vergonha. Aquando da partilha do manuscrito com Violet Dickinson, a escritora, refere o Guardian, insistiu para que ela e Nelly, uma outra amiga, fossem as únicas leitoras da obra. “Não a mostres a ninguém. Eu não consigo, neste momento, lembrar-me de quão má é, mas sei que terá de ser reescrita daqui a seis meses. E não o farei”, terá escrito a Nelly.
Os documentos guardados pela Longleat House mostram que, afinal de contas, Woolf voltou atrás. A Princeton University Press descreve a “primeira experiência literária” da escritora britânica como um trabalho que “mistura fantasia, conto de fadas e sátira, transportando os leitores para um mundo mágico onde a heroína triunfa sobre monstros marinhos e também sobre tradições sociais sufocantes”. Três históricas “cómicas” que, prossegue a editora, “rejeitam a crença vitoriana de que as mulheres devem escolher entre a virtude e a ambição, e que celebram as amizades femininas e o riso das mulheres”.
Seshagiri diz ao Sunday Times que o livro deverá ajudar a combater uma série de noções equivocadas e “persistentes” sobre Woolf, muitas vezes descrita como uma escritora e uma pessoa “sombria”. “Era uma pessoa vibrante, brilhante e sociável, com um sentido de humor que nestas histórias é evidente.”
Nascida em Janeiro de 1982, Virginia Woolf morreu 59 anos mais tarde, em Março de 1941. Em 1955, a família de Violet Dickinson ofereceu a primeira versão de Friendships Gallery (ou seja, não a que agora será finalmente publicada) ao viúvo da escritora, Leonard Woolf, que no entanto recusou comprar o manuscrito, “talvez influenciado pela timidez inicial da escritora relativamente às histórias”, como sugere o Guardian. A obra, continua o jornal inglês, acabaria por ser adquirida por uma ninharia, numa venda de garagem em Londres, por Tom Maschler, fundador do importante prémio literário Booker.
Este viria a mostrá-la ao autor e editor Francis Wyndham, que, contrariamente a Maschler, sabia que “Virginia Stephen” era a autora do emblemático Orlando. Insistindo que as histórias eram uma espécie de “piada privada” e que “não eram muito boas”, o viúvo de Woolf não autorizou a sua publicação. O manuscrito acabou por ser acolhido pela Biblioteca Pública de Nova Iorque.