Evelyn Müller
Marina Linhares cercada de design nacional no lobby do Clara Resort, em Inhotim, Minas Gerais
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Sentada diante da imensidão verde que cerca o novo Clara Arte Resort, em Inhotim (MG), Marina Linhares fala com a mesma delicadeza com que compõe seus espaços. O projeto do hotel, assinado por ela, combina pedras mineiras, design nacional e uma brasilidade que vai muito além da estética: é gesto, memória, identidade. “Mais do que imaginar como vai ficar, eu penso em quem vai habitar aquele espaço”, diz logo no início da conversa. A escuta, para Marina, é parte essencial do processo criativo. “Acho que faço uma leitura profunda das pessoas quando converso com elas.”
Quase três décadas depois de iniciar sua trajetória, Marina, que completou 50 anos em fevereiro, diz que segue se emocionando com a resposta de quem vive nos espaços que ela cria. “Uma mensagem dizendo ‘que delícia estar em casa’ já me toca profundamente.” Entre memórias de suas primeiras mostras e a equipe que hoje já passa de 50 pessoas no escritório, ela volta sempre a um ponto: consistência. Já a brasilidade, conta Marina, nunca foi tendência em seu trabalho – foi sempre raiz. “Na minha segunda CASACOR, fiz uma homenagem à geração 80. Tinha obra da Leda Catunda, um painel de palha dourada do Jalapão, tapetes com desenhos indígenas e móveis da Etel.” O olhar para o Brasil era natural, quase intuitivo. “Na época, não se falava de ESG, mas eu já sentia essa necessidade de respeitar, de usar o que temos, de contar nossas próprias histórias.”
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O Clara Arte Resort é, para Marina, a continuação natural desse pensamento. O hotel começou a ser construído em 2011, a partir de um projeto assinado pela arquiteta mineira Freusa Zechmeister em parceria com Bernardo Paz, fundador de Inhotim. As obras foram interrompidas em 2014 e, uma década depois, Marina assumiu a finalização do projeto – respeitando o esqueleto original e propondo novas camadas de linguagem, matéria e afeto. O uso de pedras mineiras, já previsto na proposta inicial, ganhou ainda mais relevância sob sua condução. “Durante a pandemia, essas pedras – que antes iam direto para fora – finalmente apareceram para o mercado interno. E a gente aprendeu a usá-las de forma mais sofisticada, com acabamento fosco, e com um novo maquinário que passou a entregar com mais precisão.”
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O espaço Refúgio Urbano, na CASACOR 2018
Essa redescoberta da matéria-prima local levou à parceria com a Franccino, uma fábrica a apenas 70 quilômetros de Inhotim. “Eu já tinha um esboço de linha desenhada e, ao encontrá-los, tudo se encaixou. Eles fizeram toda a marcenaria dos quartos.” Já o mobiliário veio da potência do design nacional: “Trabalhamos com o Instituto Sérgio Rodrigues, a Dpot, peças do Geraldo de Barros, da Baba Vacaro, da Mais55. As obras de arte são todas do acervo de Inhotim. Virou uma força-tarefa para valorizar o que o Brasil tem de melhor.”
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Marina em sua casa, nos Jardins
Nos Lençóis Maranhenses, a Casa Oiá – hospedaria que Marina tem com seu marido, Tomáz Perez – dá continuidade a esse movimento: um projeto que nasce como um manifesto de afeto, respeito ao tempo e à paisagem brasileira. “A ideia é expandir esse conceito para outros lugares. A Casa Oiá é quase um respiro, um retorno à origem. Ela tem algo de espiritual, de conexão, de silêncio”, diz.
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Detalhe do espaço Alquimia do Morar, na atual CASACOR
A seguir, confira os melhores momentos da conversa:
Forbes: O que você enxerga primeiro quando entra em um espaço em branco?
Marina Linhares: Mais do que enxergar, eu penso em quem vai ocupar aquele lugar. É isso que me guia. Antes de tudo, é essencial entender o uso, a escala humana, o motivo daquele espaço existir. A partir daí, entram os princípios que considero importantes: luz natural, conforto, acolhimento. São palavras-chave que norteiam o que eu acredito ser um bom projeto.
Como a escuta se transforma em espaço?
Todas essas narrativas se misturam na forma de morar de alguém. Eu sempre converso com a pessoa antes. Acho que sou uma boa entendedora de gente. Tenho essa capacidade de fazer uma leitura profunda logo nas primeiras conversas. Isso é essencial.
Com quase três décadas de carreira, o que ainda a emociona em um projeto? E o que mudou completamente?
Me emociona ver o final feliz. Uma mensagem dizendo “que delícia estar na minha casa” ou, no caso de um hotel, quando eu chego e sinto que conseguimos fazer o melhor possível com o que tínhamos. Isso sempre me toca. Adoro ver projetos que fiz há 15 ou 20 anos e que ainda fazem sentido hoje. Isso, para mim, é consistência. Outro dia revisitei minha primeira CASACOR e pensei: “acertei lá atrás”.
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A Casa da Gente, assinado por Marina na CASACOR de 2015
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O Espaço Deca, assinado por Marina na CASACOR de 2016
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O atual Alquimia do Morar, assinado por Marina na CASACOR
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A Casa da Gente, assinado por Marina na CASACOR de 2015
Você ainda gosta de participar de mostras como a CASACOR?
Gosto muito. Brinco que sou “filha da CASACOR”. Mas hoje acho importante participar de uma mostra quando se tem uma história para contar. Isso é fundamental. Essa clareza veio com o tempo.
Com a Casa Oiá, a hotelaria entrou na sua vida como um novo negócio ou foi algo mais intuitivo?
Virou quase um side business (risos), mas veio de forma muito natural. Outro dia, estava conversando com o dono do hotel Explora, que me disse: “Eu viajava com meus filhos pelo Chile – lindo, maravilhoso –, mas a gente não tinha onde dormir. Dava um jeito, porque a natureza era tão potente que valia tudo.” E ele completou: “O Explora é um bicho esquisito. A gente não está aqui para te oferecer o hotel. Estamos aqui para te mostrar o que está lá fora.” E acho que é exatamente isso. A hotelaria, para mim, é para acolher, claro. Mas, quando você está num lugar em que a beleza do lado de fora é tão poderosa, tudo muda de escala. Faz mais sentido, sabe?
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Detalhe da Casa Oiá, hospedaria nos Lençóis Maranhenses
E esse conceito se conecta diretamente com a Casa Oiá, certo?
Totalmente. Ela nasceu dessa vontade. Adoro essa ideia da expedição. E os Lençóis Maranhenses têm muito disso. Você acorda cedo, sobe em uma jardineira, anda, anda, anda… Caminha na areia, sente o vento. É uma experiência que te tira do automático. Mas, quando você volta dessa jornada, tem um cheirinho bom para refrescar o rosto, uma cama deliciosa, uma comida que te abraça. É essa mistura que me encanta: a imersão num lugar, mas com pequenos prazeres na medida certa.
Como define o luxo hoje em dia?
Estar perto da natureza, ser tocado por algo genuíno, viver o essencial com qualidade e poesia. Brinco que é a busca pela proporção exata. No meu universo, o da decoração, falamos muito de proporção. Mas acho que existe uma outra proporção, que tem a ver com o simples. O simples, quando bem-feito, aterra a gente.
E essa é a essência da Casa Oiá?
Sim. A gente quer provocar, instigar. Tirar as pessoas da zona de conforto, mas com acolhimento. A ideia é criar experiências diferentes, que desafiem os sentidos, mas que também abracem. Tem que ter um certo risco, um certo frescor, sabe?
Vocês vão expandir a Casa Oiá além dos Lençóis? Como está esse projeto?
O Oiá hoje é tocado pelo meu marido, e eu assumi esse título meio informal de diretora criativa (risos). Não consigo estar na operação do dia a dia, mas estou ali muito perto – de coração e alma. Sou meio doida e exigente, confesso. A partir dessa primeira experiência nos Lençóis Maranhenses, começamos a expandir com calma. Fizemos uma pop-up em Atins, que é quase uma versão experimental da casa. Agora estamos construindo uma nova no Delta do Parnaíba, do lado maranhense – e, em breve, vem Bonito, que é a região de onde vem a minha família. Um pedacinho do Mato Grosso do Sul que é muito especial para mim.
Evelyn Müller
A arquiteta de interiores clicada em sua casa de São Paulo
O conceito das novas casas segue a mesma linha da original?
Sim, totalmente. A ideia é manter tudo muito íntimo, muito pessoal. São casas pequenas, pensadas para acolher poucas pessoas de cada vez. O objetivo é proporcionar experiências transformadoras – fazer com que o hóspede se exponha ao novo, ao diferente, ao que está fora da zona de conforto, mas sempre com beleza, cuidado e afeto.
Essa edição comemora as pessoas com mais de 50 anos. Você falou sobre fazer 50 recentemente. Mudou algo no seu olhar?
Fiz 50 em fevereiro e celebrei com uma viagem especial para o Deserto do Atacama. Foi simbólico. Acho que esses marcos nos fazem pensar na vida de outro jeito.
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