A avenida principal de Vila do Porto está deserta na manhã de domingo. Os açorianos que vivem na ilha mais antiga do arquipélago aproveitam o dia para descansar e, por isso, grande parte do (pouco) comércio que existe encontra-se fechado. O quotidiano em Santa Maria é “pacato”, como descreve um morador ao Observador, que remete para a ausência de poluição sonora para justificar a descrição. “Onde é que se vê uma rua assim tão vazia em Lisboa?”, questiona retoricamente. Contudo, o penúltimo fim de semana de setembro recebeu uma rara vaga de pessoas. Foram centenas os que se deslocaram até esta pequena ilha por um motivo comum: o sonho espacial.
O trabalho começou no início do século, mas foi em 2024 que Santa Maria foi cunhada oficialmente como a “ilha do espaço”. É aqui que fica a sede da Agência Espacial Portuguesa, que aproveitou a residência devoluta do antigo diretor do aeroporto para fixar as suas operações. No início de setembro realizou-se a quarta edição da iniciativa “Astronauta por um dia” na nova casa da entidade responsável pela indústria espacial de Portugal. Este programa, que até este ano se realizava em Beja, reúne 30 estudantes de todo o país num fim de semana inteiramente dedicado ao espaço, com a presença de astronautas da Agência Espacial Europeia (ESA), e culminando com um voo de gravidade zero a circular nesta parte central do Atlântico.
Assim, durante os dias 18 e 21 de setembro, a população viu-se invadida por três dezenas de jovens interessados nesta indústria que começa a deixar a sua marca no território. Nos cafés, onde se encontram os poucos marienses que decidiram sair de casa, os temas de conversa habitual andam à volta de “vacas e bezerros” e as principais atividades profissionais são a agricultura e a pecuária. Ainda assim, ao longo dos últimos anos, a ilha que é conhecida pelos seus espaços verdes e pelo seu sossego viu o seu potencial reconhecido numa matéria que transcende o pasto.
A ESA entrou oficialmente na ilha em 2007, quando se inauguraram as primeiras operações do Teleporto. Mas o interesse pela localização no âmbito da atividade espacial chegou décadas antes. Santa Maria estava no primeiro lugar da lista de locais de aterragem alternativos do famoso Space Shuttle da NASA, antes de a agência norte-americana ter optado pela Base das Lajes devido às operações do Exército dos Estados Unidos que já lá tinham lugar.
Agora, a ilha deixou de ser uma segunda opção. Depois de ter sido testada a hipótese do lançamento de foguetes atmosféricos há precisamente um ano, o Atlantic Spaceport Consortium (ASC) recebeu oficialmente a licença para instalar um centro de lançamento espacial no sudeste de Santa Maria, com o objetivo de lançar os primeiros satélites suborbitais já na primavera de 2026, como confirmou a empresa ao Observador.
O reconhecimento das capacidades da ilha açoriana para a atividade espacial não fica por aqui. No final de 2027, um terreno na zona dos Anjos, no norte da ilha, irá receber o Space Rider da ESA, o “primeiro sistema de transporte espacial reutilizável da Europa”, naquele que será o seu voo inaugural e que poderá abrir portas para voos mais rotineiros da ESA até ao espaço.
Para chegar ao Teleporto, foi preciso enfrentar a “hora de ponta” de Santa Maria. Em vez de filas de carros, dezenas de vacas ocupam a estrada de faixa única que dá acesso às instalações dirigidas pela ESA. Sem qualquer casa no horizonte, foi no topo de uma colina que a agência europeia decidiu plantar uma flora diferente à natural da ilha açoriana. Logo à entrada, somos confrontados com uma antena de 15 metros que foi importada da Austrália e “remodelada” para operar naquele local.
O centro de operações original mantém-se. A construção pré-fabricada foi montada no período de inauguração no início do século e, desde então, com o aumento da procura pelos serviços oferecidos pela ESA em Santa Maria, justificou o “upgrade” para mais dois contentores colados ao primeiro. No recinto, a gestora de programas de Transporte e Segurança Espacial na Agência Espacial Portuguesa faz a visita ao Observador.
Apontando para a antena que se encontra diretamente ao lado dos contentores, Inês d’Ávila explica que foi precisamente ali que começaram as operações do Teleporto. “É a ESA Tracking Station, que remonta a 2007, porque na altura detetou-se a necessidade de haver realmente uma estação no meio do Atlântico que conseguisse fazer o seguimento dos lançamentos que vêm de Kourou, na Guiana Francesa“, conta a especialista. Na altura, a ideia era ser uma estação móvel — daí os contentores —, mas rapidamente a ESA “percebeu a mais valia de ter estas operações aqui em Santa Maria” e, desde então, deixou de ser temporário para se tornar em algo definitivo.
Os dispositivos lançados a partir da estação da ESA na Guiana Francesa — o principal porto espacial da Europa — passam diretamente por cima da ilha de Santa Maria e esse foi o principal fator para a escolha do território açoriano como palco destas operações da agência europeia. “Começou só com os lançamentos de Kourou, mas foi evoluindo”, continua Inês d’Ávila, mencionando algumas das vertentes agora exploradas no norte da ilha. Um exemplo dado é o da Thales Portugal — uma empresa dedicada a serviços aeroespaciais e de defesa —, que assegura um serviço na área da observação da terra à entidade europeia de segurança marítima (EMSA).