Afinal, quais são as necessidades de capital da Impresa SGPS para sair da atual situação crítica, com prejuízos históricos, erosão de capital próprio e liquidez quase inexistente? De acordo com as contas a 31 de dezembro de 2024 (entretanto, os números de 2025 podem ter-se degradado), a dona da SIC e do Expresso precisa de uma recapitalização de cerca de 80 milhões de euros para repor a estrutura de capital a níveis sólidos. A negociação entre a Impreger, a sociedade da família Balsemão, com os italianos da MediaForEurope (MFE), da família Berlusconi, está na reta final, por dias, e resulta precisamente da urgência de uma entrada de dinheiro fresco no grupo de media.
Família Berlusconi avalia compra de 75% da Impreger
Quais são as necessidades do grupo? Para alcançar uma autonomia financeira de 50% (consolidado), os capitais próprios devem igualar 50% do ativo. Ou seja, com um ativo consolidado de mais ou menos 340 milhões de euros, isso exige cerca de 170 milhões de capitais próprios. Ora, tendo em conta os atuais 90 milhões de euros, será necessário aumentar o capital próprio precisamente num valor em torno dos 80 milhões de euros. Mas esta injeção também permitirá resolver os outros dois pontos críticos da estrutura financeira da holding, com espaço para melhorar as contas das chamadas ‘empresas-filha’, a SIC e a Impresa Publishing. Além de elevar a autonomia financeira para 50%, cobriria o gap de fundo de maneio (pois, 80 milhões são superiores aos 65,5 milhões) e compensaria integralmente as perdas de 2024, que foram de 66,2 milhões de euros em termos consolidados.
Como o ECO revelou, a ‘empresa-mãe‘, a Impresa SGPS, é a empresa cotada, mas a sua fonte principal de receitas é a SIC, a ‘empresa-filha‘ operacional, e uma vive basicamente à custa da outra. A SGPS não tem receitas próprias e depende integralmente dos dividendos distribuídos pelas suas subsidiárias, a SIC e, em menor grau, a Impresa Publishing, que tem o Expresso. Em 2024, segundo o relatório e contas, o dividendo recebido pela holding foi de 8,3 milhões de euros, só que os seus encargos financeiros ascenderam a 8,4 milhões de euros. Ou seja, os dividendos já não chegam para pagar sequer os juros, muito menos os restantes custos de estrutura.
Vamos por pontos:
- A Impresa SGPS encerrou 2024 com uma estrutura financeira fragilizada. Os capitais próprios consolidados eram apenas 89,7 milhões, representando cerca de 26% do ativo total consolidado (340,5 milhões de euros). Dito de outra forma, apenas um quarto dos ativos do grupo estava financiado por capital próprio, refletindo um elevado nível de endividamento (autonomia financeira muito abaixo dos 50%). Adicionalmente, o fundo de maneio consolidado era fortemente negativo: O ativo corrente (73,2 milhões de euros) era insuficiente face ao passivo corrente (138,7 milhões), resultando num défice de curto prazo da ordem dos 65,5 milhões. Neste quadro dramático, verifica-se uma tensão de liquidez, o que explica, por exemplo, as notícias de que em agosto o grupo atrasou o pagamento do subsídio de férias (embora dentro do prazo definido na lei para não ser considerado um salário em atraso). Contribuindo para este desequilíbrio, a Impresa registou em 2024 um prejuízo líquido consolidado de 66,2 milhões. Com este resultado negativo, os capitais próprios caíram para os referidos 89,7 milhões (156 milhões em 2023).
- Com um reforço na ordem dos 80 milhões, os capitais próprios ascenderiam a 170 milhões de euros. E, com esse reforço aplicado sobretudo na redução de dívida, a autonomia financeira consolidada ficaria nos 50% sobre 340 milhões de ativos, Já o fundo de maneio deixaria de ser um problema: 80 milhões de euros superam o gap de curto prazo, permitindo cobrir integralmente os 65,5 milhões de passivo corrente e gerar um excedente da ordem dos 15 milhões em ativo corrente.
Como o ECO revelou em primeira mão, os contactos e as iniciativas para encontrar parceiros de investimento para o grupo vêm de longe, sempre com o princípio de que a família Balsemão poderia manter o controlo do grupo, coisa que, agora, parece estar já fora de possibilidade. As negociações com a família Soares dos Santos prolongaram-se ao longo de meses, com suspensões pelo meio, e acabaram por ruir. Mas tinham um pressuposto, que deverá renovar-se com os italianos da MFE (ex-Mediaset): um haircut de dívida da banca.
Neste cenário, possível, as necessidades de recapitalização do grupo Impresa poderão ser reduzidos de forma relevante face aos 80 milhões de euros identificados num negócío ‘as it is’. De acordo com os cálculos do ECO, e tendo em conta os relatórios de 2024, se a banca aceitar um perdão de dívida da ordem dos 30%, as necessidades de recapitalizado baixam para um valor em torno dos 46 milhões de euros.
Os financiamentos obtidos pela Impresa SGPS (em termos consolidados) eram da ordem dos 115 milhões de euros (corrente e não corrente) no final de 2024, logo, um haircut de 30% corresponderá a cerca de 35 milhões de euros a abater à dívida. Assim, será possível reequilibrar a estrutura financeira do grupo, desde logo uma autonomia financeira de 50%, garantir fundo de maneio e recuperar o capital perdido em 2024 com os 66,2 milhões de euros.
Obviamente, se deste negócio resultar a imposição de um corte aos investidores particulares que subscreveram a última emissão de obrigações da SIC para o período 2024-2028, no valor de 48 milhões de euros, as necessidades de recapitalização serão menores. Mas uma decisão destas tem um custo de confiança na companhia, que a retiraria do mercado durante anos.
Pode voltar o negócio da venda do edifício-sede
Outra alternativa a uma injeção pesada de fundos pode passar por tentar novamente uma operação financeira que falhou nos últimos meses. A tentativa fracassada de vender a sede da empresa ao fundo BPI Imofomento por 37 milhões de euros, anunciada em julho, ilustrou bem as dificuldades que a Impresa enfrenta para gerar liquidez e gerir a sua tesouraria.
A operação, que previa um pagamento inicial de 25 milhões de euros seguido de uma segunda tranche de 12 milhões de euros após 48 meses, poderia ter aliviado significativamente a pressão financeira e permitido a amortização antecipada de financiamentos no valor de cerca de 14,9 milhões de euros.
O falhanço desta operação, numa altura em que a empresa procura ativamente alternativas de financiamento, reforça a perceção de que os ativos da Impresa podem estar sobreavaliados face às condições atuais, não apenas no plano do mercado imobiliário, mas também no âmbito dos seus principais ativos, como foi visível com a perda por imparidade de goodwill de 60,7 milhões de euros nas contas do ano passado.
Ora, com um novo acionista controlador, a operação poderá ser retomada, comum plano financeiro que seja compatível com os valores de mercado e limitem as necessidades tão elevadas de ‘dinheiro fresco’.
Uma história de destruição de valor em gráficos
Os relatórios e contas dos últimos dez anos revelam um padrão de queda constante das receitas combinada com pressões crescentes nos custos. Desde 2015, apenas em três exercícios as receitas registaram uma subida (2019, 2021 e 2024), que se traduziu numa contração média anual de 2,6% das receitas ao longo da última década. O último exercício, referente ao ano de 2024, revela uma subida ligeira de 0,16 das receitas para 182,3 milhões euros, menos 23% face aos 234 milhões faturados em 2014.
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Apesar de todos estes indicadores espelharem uma tendência geral negativa das contas da empresa de Balsemão, o aspeto mais alarmante da situação financeira da Impresa reside na evolução do endividamento e dos seus níveis de liquidez. A dívida remunerada líquida registou um crescimento acelerado nos últimos anos, passando de 107,2 milhões de euros em 2022 para 115,5 milhões em 2023, 130,9 milhões em 2024 e 148,2 milhões no primeiro semestre deste ano. Este crescimento de 38% em menos de três anos ocorreu numa altura em que as receitas permaneceram estagnadas, criando um cocktail explosivo para a sustentabilidade financeira do grupo.
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O desempenho da Impresa em bolsa é também uma história de desilusão continuada. Detida em 50,31% pela Impreger, a holding da família Balsemão, desde a entrada na Euronext Lisboa a 6 de junho de 2000 que as ações da dona da SIC perderam 97% do seu valor. Da capitalização inicial de 745 milhões de euros, restam hoje apenas 21,8 milhões de euros de capitalização bolsista, com as ações a negociarem na sexta-feira por 12,6 cêntimos, muito longe dos 5,7 euros com que fecharam no primeiro dia de negociação há cerca de 25 anos – apesar da valorização de 14,6% registada desde o início de 2025. A empresa não integra o PSI, o principal índice da bolsa portuguesa, e cerca de 95% do volume de negociação concentra-se no mercado nacional, evidenciando o caráter eminentemente doméstico do investimento.
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Uma OPA a caminho?
Apesar das dificuldades, a Impresa mantém ativos valiosos que justificam o interesse de investidores estratégicos, como o MFE. A SIC continua a ser um dos principais canais de televisão em Portugal, com uma quota de mercado de 18,9% considerando todos os canais do grupo e 14,7% para o canal generalista, segundo dados do final de 2024. E o Expresso é líder de mercado.
Oficialmente, a Impresa limitou-se a confirmar na sexta-feira, em comunicado oficial, a notícia do ECO, segundo a qual existem negociações entre a Impreger e o gigante italiano (com presença forte em Espanha e na Alemanha) FME. E admitiu que o acordo poderá passar pela “aquisição” de uma participação. Mas segundo uma fonte do ECO, o negócio poderá mesmo significar uma mudança de controlo acionista da Impresa, com a aquisição, por parte dos italianos, de 75% da referida Impreger. A família Balsemão passaria a acionista minoritária, mas isso, a confirmar-se, terá outra consequência: A obrigatoriedade de uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) sobre a sociedade cotada, a Impresa SGPS, à luz dos artigos 186º e seguintes do Código de Valores Mobiliários.
As negociações com a MFE – MediaForEurope representam potencialmente a solução para os problemas estruturais da Impresa. O grupo italiano, controlado pela família Berlusconi através da Fininvest (33,8% do capital), possui uma solidez financeira que contrasta com a fragilidade da empresa de Francisco Pinto Balsemão. Em 2024, a MFE registou receitas consolidadas de 2,95 mil milhões de euros e um lucro de 137,9 milhões de euros, e demonstrou recentemente a sua ambição europeia ao garantir mais de 75% da alemã ProSiebenSat.1, posicionando-se para se tornar a maior emissora aberta da Europa.