Portugal é um dos países europeus onde o nível da água do mar está a subir mais rapidamente, com os riscos de inundação e erosão associados, conclui o 9.º Relatório sobre o Estado do Oceano do Serviço Marinho do Copérnico, o programa de observação da Terra da União Europeia, publicado nesta terça-feira​. O Nordeste do Atlântico, que banha Portugal e Espanha, é também a área do oceano onde o aquecimento e acidificação das águas está a acontecer a um nível superior ao de outras regiões do mundo.

O oceano cobre 75% do planeta Terra, contém 97% de toda a água e produz pelo menos 50% do oxigénio que nós, e outros seres vivos, respiramos. Mas todas as áreas do oceano sentem hoje os efeitos da tripla crise ambiental que afecta o planeta, sustenta o relatório elaborado pela Mercator Internacional, integrada no Copérnico: alterações climáticas, perda de biodiversidade e poluição.

Estas crises estão ligadas entre si, “mas as alterações climáticas amplificam a variabilidade normal dos sistemas oceânicos”, explicou, na conferência de imprensa, Karina Von Schuckmann, directora do relatório sobre o estado do oceano e uma das muitas cientistas que contribui para análises de consenso produzidas pelo Painel Internacional sobre as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) das Nações Unidas.

A temperatura do oceano global na Primavera de 2024 atingiu 21 graus Celsius, ultrapassando os recordes anteriores de 2015 e 2016 em 0,25 graus. Desde 1960, tem havido uma aceleração da quantidade de calor em excesso do planeta que o oceano absorve, ao ritmo de 0,14 Watts por metro quadrado a cada década. Em 2024, deu um salto: 0,35 W/m2.

O mar esconde 90% do calor em excesso aprisionado na Terra, por causa do efeito de estufa potenciado pela actividade humana, através das emissões de dióxido de carbono (CO2), por exemplo. É um sistema de refrigeração do planeta e uma almofada que tem atenuado os efeitos do aquecimento global. Mas está a deixar de conseguir cumprir essas funções.

No Nordeste Atlântico, a zona em que se insere Portugal e o Grande Ecossistema Marinho Ibérico, o aquecimento tem sido de 0,27 graus por década, o que é duas vezes mais do que no resto do mundo. No Mar de Barents e no Mar do Norte, no entanto, o aquecimento está a acontecer duas vezes mais rápido do que a média do resto do oceano.

Ondas de calor de quatro meses…

Uma das consequências do aquecimento do oceano por causa das alterações climáticas é que, desde 1993, tem vindo a aumentar a frequência e intensidade das ondas de calor marinhas, que se espalham também por áreas cada vez mais vastas.

Desde 1993, aumentou a frequência e intensidade das ondas de calor marinhas, que se espalham por áreas cada vez mais vastas do oceano. Mas nunca foram tão longas no Nordeste do Atlântico como em 2023 e 2024. Só em 2023, houve ondas de calor graves ou extremas num terço destas águas, com alguns episódios a prolongarem-se até quatro meses.





A sobrevivência de um quinto dos corais de águas frias e das pradarias marinhas do Nordeste do Atlântico foi severamente afectada pela temperatura anormalmente elevada das águas em 2024. E as pradarias marinhas são um dos maiores sumidouros de carbono do planeta, realça o relatório.

Algumas das ondas de calor marinhas mais intensas e prolongadas, classificadas como “graves”, aconteceram mesmo na costa de Portugal, e em toda a costa Noroeste e Oeste da Península Ibérica, diz o relatório. Houve locais com mais de 250 dias com condições de onda de calor – o que é mais do que um terço do ano.

…trazem invasores destruidores

Estas ondas de calor têm impactos significativos sobre a vida marinha, e na economia também: nas pescas, aquacultura e turismo, por exemplo. Um deles é a proliferação de espécies invasoras, que aproveitam as águas mais quentes para se infiltrar em novos territórios.

Os caranguejos-azuis (Callinectes sapidus), naturais da costa ocidental da América, provocaram o colapso de 75% a 100% da produção de amêijoas no rio Pó, em Itália, exemplifica o relatório. No mesmo país, mas a Sul, o vermes-de-fogo (Hermodice carunculata), predadores venenosos com cerca de 15 cm, que parecem uma centopeia, estão a pôr em causa a sobrevivência da pesca artesanal e a saúde humana na Sicília.

“O Mediterrâneo teve em 2023 a mais longa onda de calor marinha em quatro décadas. Os nossos estudos mostram que o aumento da temperatura da água acelerou a proliferação de espaços invasoras ao longo das costas italianas, com graves consequências para as pescas, biodiversidade e as comunidades locais”, diz Riccardo Martellucci, do Instituto Nacional de Oceanografia e Geofísica, em Itália, um dos cientistas que trabalhou para o relatório.

Portugal sofre com acidificação

O aumento da concentração de CO2 no oceano está a acelerar um outro processo, de uma forma que pode ser letal para a vida marinha: a acidificação da água, que está a acontecer mais rapidamente do que em qualquer outra altura nos últimos 20 milhões de anos. A acidez do oceano aumentou 16,5% desde 1980, diz o relatório, e foi recentemente reconhecida como o sétimo limite planetário que já ultrapassámos, num total de nove.




O verme-de-fogo invadiu as águas da Sicília, por causa das ondas de calor do Mediterrâneo
Diego Delso

As águas portuguesas estão entre aquelas onde a acidificação está a acontecer bem acima da média global, tal como as de grande parte da Europa e Norte de África e Médio Oriente.

Esta mudança, que está directamente relacionada com as emissões de gases de estufa, que provocam as alterações climáticas, ameaçam as zonas mais ricas do oceano: as águas de 10% dos pontos de grande biodiversidade marinha estão a acidificar-se mais rapidamente do que a média global. Cerca de 16% dos corais em risco e 30% dos que estão em risco crítico estão expostos ao aquecimento rápido e à acidificação, que põem ainda mais pressão sobre ecossistemas cuja sobrevivência está já em causa.

Estes dois factores, o aquecimento e acidificação, que afectam todos os ecossistemas marinhos, estão a mudar a distribuição do micronecton. É uma palavra estranha para designar algo que é muito comum: estamos a falar de organismos que conseguem nadar e flutuar nas correntes, entre dois e 20 centímetros, e que incluem pequenos peixes, crustáceos, moluscos e seres gelatinosos. Alimentam-se sobretudo de zooplâncton (microscópicos animais) e tornam-se as presas da maioria dos predadores marinhos.

O que se está a passar é que, com a subida da temperatura das águas, os seus habitats estão a sofrer uma deslocação para os pólos – o que tem impacto na sobrevivência de muitas outras espécies.

O atum, cuja pesca tem um papel fundamental no sistema alimentar global, e tem valores culturais e sociais importantes, está ameaçado pelo aquecimento e acidificação do oceano. Está classificado como vulnerável ou em risco em todas as áreas do oceano para baixo do paralelo 40 graus Norte, que em Portugal passa ao nível de Pombal e Leiria e a Norte da ilha do Corvo, nos Açores.

Prejuízos nos viveiros de marisco

Sectores económicos vitais, como a aquacultura e o turismo costeiro – tão importante para Portugal – sofrem os efeitos da acidificação. A aquacultura de todos os países do Nordeste do Atlântico que produzem mais de cinco mil toneladas anuais (Portugal produz mais de 18 mil toneladas) está a ser penalizada pelo aquecimento do oceano e pela acidificação, processos que têm um forte impacto sobre a produção de crustáceos e moluscos (organismos com casca ou concha). Até os dentes dos tubarões estão a ser degradados pela acidificação, concluiu um estudo recente.




Cerca de 16% dos corais em risco e 30% dos que estão em risco crítico estão expostos ao aquecimento rápido e à acidificação
Ove Hoegh-Guldberg/Universidade de Queensland/REUTERS

“Quase 20% dos viveiros de marisco nas costas da Europa sofreram os efeitos de ondas marinhas graves e extremas em 2024. O calor induz stress nas espécies, o que afecta o bem-estar dos animais e reduz a produtividade dessa indústria”, comenta Marilaure Grégoire, da Universidade de Liège, na Bélgica, outra das autoras do relatório.

Esta grande análise sobre o estado do oceano, no entanto, não fez uma estimativa dos custos para a economia do oceano que a tripla crise ambiental. “Fica a nota, para o próximo”, assegura Karina Von Schuckmann.

Mar alto desprotegido

Se a situação é séria nas zonas económicas exclusivas de cada país, o alto-mar é ainda mais castigado: 14% das áreas para além da jurisdição nacional enfrentam um aquecimento acima da média global, e 32% uma rápida acidificação das águas superficiais do oceano.

“Embora represente 60% do oceano global e suporte ecossistemas vitais para a vida e serviços essenciais, o mar alto continua a estar desprotegido”, e a pesca é a pior ameaça à biodiversidade nas zonas marinhas para além da jurisdição nacional, salienta o relatório.

A entrada em vigor do Tratado do Alto-Mar, a 17 de Janeiro de 2026, deverá começar a ajudar na sua protecção.

Plástico + erosão = pesadelo em dobro

A poluição, sobretudo a poluição por plástico, é uma praga em todo o oceano. Os corais, mais uma vez, são uma das suas principais vítimas: 75% dos países que produzem mais de dez mil toneladas de resíduos plásticos ficam próximos de recifes de coral ameaçados. O aquecimento das águas pode aumentar a degradação do plástico, desfazendo-o em partículas menores, microplásticos. E 33% das nações que causam mais poluição por plástico são adjacentes a áreas do oceano que estão a aquecer rapidamente.

Os microplásticos podem matar ou prejudicar a vida marinha, transportar produtos químicos tóxicos ao longo da cadeia alimentar e alterar as propriedades da água e dos sedimentos, de formas que perturbam os ecossistemas e a biodiversidade.

A poluição por plástico conjuga-se com a subida do nível do mar, provocada pelo aquecimento global, para exacerbar a erosão costeira e as inundações de zonas mais baixas. Isto facilita o transporte para o oceano de microplásticos a partir de terra – de pontos de origem como aterros e sistemas de esgotos, por exemplo. E 92% dos países que têm maior poluição por plástico são igualmente afectados pela subida do nível do mar.

Entre 1901 e 2024, o nível do mar subiu 228 milímetros – quase 23 centímetros. E acelerou 30% entre 1990 e 2010, com o ano de 2024 a atingir valores recorde. Cerca de 200 milhões de europeus vivem junto à costa, inclusivamente em Portugal, e podem sofrer com o aumento da erosão e risco de inundações. Muito património natural e cultural classificado pela UNESCO está também em risco, por causa da subida do nível do mar.

“A mensagem é clara: temos de reduzir estas pressões sobre o oceano”, concluiu Karina Von Schuckmann.