GAVRIIL GRIGOROV/SPUTNIK/KREMLIN POOL /EPA

Drones russos no espaço da NATO, Gaza… e não esqueçamos Taiwan. E será o trunfo de Putin a cobardia de Trump? O mapa é o mesmo, mas tudo mudou nestes últimos anos.

Parece cada vez mais real. Para a Rússia, pelo menos, já é: estamos na III Guerra Mundial.

Essencialmente através do ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov, a Rússia tem acusado constantemente a NATO e a União Europeia de envolverem-se em atos equivalentes à guerra. Parece estar a construir caminho para encarar uma invasão a um país da NATO como uma espécie de direito de resposta.

“A NATO e a União Europeia já declararam uma guerra real ao meu país e estão a participar diretamente nela”, disse o ministro russo.

“Eles [Europa] simplesmente não se podem dar ao luxo de uma guerra com a Rússia”, disse também o ex-presidente russo Dmitry Medvedev: “a possibilidade de um acidente fatal existe sempre”.

“Um conflito deste tipo tem um risco absolutamente real de se transformar numa guerra com armas de destruição maciça“, disse ainda o atual vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia.

Já a NATO, insiste que não está em guerra com o Kremlin, mas quem vê de fora pode tender a concordar com Lavrov.

Já vimos isto na Geórgia (e Ucrânia)

Recapitulando a última semana: vários aeroportos europeus sofreram perturbações atribuídas à atividade de drones. Na Dinamarca, quatro aeroportos foram sobrevoados por drones não identificados, possivelmente de origem russa. A Noruega foi obrigada a encerrar um aeroporto devido a atividade semelhante. Em França, outro aeroporto foi alvo das mesmas preocupações. MiGs russos cruzaram o espaço aéreo da NATO, e a Estónia pediu consultas com recurso ao Artigo 4 da NATO, que estabelece que “as partes consultar-se-ão sempre que, na opinião de qualquer uma delas, a integridade territorial, a independência política ou a segurança estiverem ameaçadas.”

A NATO já avisou a Rússia: vai defender-se de qualquer ameaça decorrente da “escalada” da incursão de caças e drones nos céus europeus, e reforçou a sua presença no flanco oriental.

A inteligência britânica sugere que estas incursões podem ter como objetivo avaliar a disposição da NATO em reagir, uma tática consistente com operações russas anteriores na Geórgia e na Ucrânia. O Reino Unido destacou caças da Royal Air Force para a Polónia, apoiados por aeronaves-tanque Voyager. estará a preparar-se já desde maio para um ataque direto da Rússia; Alemanha, França, Suécia e Dinamarca aumentaram as patrulhas aéreas na região.

Já para não falar do investimento anunciado na Defesa sem precedentes na Europa. Aliás, todo o mundo parece estar a aumentar o seu arsenal de armas. A Rússia testou mísseis hipersónicos, os EUA estão a atualizar a sua tríade nuclear e países mais pequenos procuram assegurar que os seus armários estão cheios de armas. E há outro sapo esquecido, que não sabemos se a Rússia engoliu: as duas adesões (Finlândia e Suécia) à NATO. O Kremlin ameaçou com consequências militares, resta saber se vai cumprir.

Atividade invulgar nos EUA

Do outro lado do Atlântico, Trump também fez soar o seu aviso: aeronaves russas no espaço aéreo da NATO são para abater. E os Estados Unidos intensificaram a sua presença militar em regiões estratégicas.

A Marinha realizou recentemente um teste de grande visibilidade de mísseis balísticos Trident II D5, na costa da Florida. Recorde-se que são capazes de transportar ogivas termonucleares profundas em território russo.

Em cima de tudo isto, Pete Hegseth, poderosa figura militar norte-americana, convocou todos os oficiais generais e respetivas equipas para uma reunião na Virgínia, cuja agenda é desconhecida, segundo o New York Times. Não é habitual.

No início deste ano, Trump prometeu acelerar o envio de sistemas de defesa antimíssil aos países da NATO se a Europa financiasse a operação. Voltou a reforçar na semana passada que vai continuar a dar armas à Europa para que estas sejam usadas da maneira que esta entender. Esta semana, notícias ainda mais alarmantes: os EUA estão a considerar enviar mísseis de longo alcance Tomahawk para a Ucrânia — uma jogada que pode desencadear uma Terceira Guerra Mundial, avisa o correspondente de guerra russo, Aleksandr Kots.

Rússia pode estar a ajudar China a invadir Taiwan

A China, acusada por Trump e pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy — e até, noutro tom, pelo presidente do Conselho Europeu, António Costa — de não querer nem tentar pôr um ponto final na guerra na Ucrânia, poderá estar a preparar uma invasão ao Taiwan, há muito prevista. Aliás, a Rússia pode estar a ajudar a China a preparar esta invasão, alertou na sexta-feira, um relatório do think tank britânico Royal United Services Institute (RUSI). A escalada que pode ser gatilho ou pretexto para algo bem maior, sobretudo quando se consideram os compromissos estratégicos dos EUA na defesa de Taiwan e o recente reforço de laços militares com Japão, Coreia do Sul e Filipinas.

Estados Unidos e China são as duas maiores economias e forças militares do mundo, e nenhum dos lados está disposto a ceder sobre o assunto Taiwan.

Gaza, Israel-Irão e Pyongyang

E ainda há claro Gaza, que está em ruínas, e o mundo farto de assistir à catástrofe humanitária que da Faixa não parece sair tão cedo. Os países muçulmanos sentem-se cada vez mais pressionados para agir contra a incursão israelita. Reacendem-se velhos fogos no Médio Oriente. Navios de guerra dos EUA já patrulham o Mediterrâneo, enquanto Estados da NATO observam, atentos, temendo uma escalada daquele lado do mundo.

O reconhecimento do Estado da Palestina por parte de vários países, incluindo Portugal, levantou uma troca de palavras ‘quentes’ entre Israel e aliados. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que “nenhum Estado palestiniano será criado a oeste do [rio] Jordão“ e prometeu expandir a colonização judaica na Cisjordânia ocupada. Reino Unido e França não se deixaram ficar.

“Espero que não chegue a esse ponto (…). Não é de forma alguma do interesse deles [israelitas]”, avisou o ministro dos Negócios Estrangeiros francês. “Deixei claro ao secretário de Estado israelita que eles não deveriam fazer isso”, disse a homóloga britânica.

E o conflito Israel-Irão já não é uma guerra escondida nas sombras. O mundo todo testemunhou a troca de mísseis entre os dois países em mais que uma ocasião, com ambos os lados convencidíssimos de que podem destruir o adversário.

Desde que foram cerradas as negociações com Trump em 2019 que a Coreia do Norte tem assustado mais o mundo. Pyongyang tem modernizado arsenais nucleares e de mísseis, rejeitado consistentemente qualquer reconciliação com a Coreia do Sul e entrou na guerra da Ucrânia ao lado da Rússia.

TACO, um trunfo russo

Na Rússia, as coisas não estão nada fáceis. À medida que a economia se fragiliza, o presidente Vladimir Putin está cada vez mais pressionado. Recentes ataques ucranianos direcionados a refinarias e depósitos de combustível em todo o país provocaram uma escassez nacional e o Kremlin viu-se obrigado a proibir exportações de combustível até ao final do ano, de acordo com a Reuters e CNN.

E se na Rússia a política interna abana, nos EUA a situação não é muito diferente. Críticos argumentam que a abordagem de Trump à política externa, marcada por decisões erráticas e foco em distrações domésticas, pode encorajar Putin, ou outros possíveis adversários. Resumindo, numa palavra: TACO, como lhe chamam — não, não é a comida de origem mexicana. É uma sigla cada vez mais popular nos EUA, que significa Trump Always Chickens Out (Trump Acobarda-se Sempre, em português).

O mapa é o mesmo (mas tudo mudou)

“O mapa não mudou muito em dez anos, mas tudo o resto mudou”. Harry Kazianis, com mais de uma década de experiência em think tanks e publicações sobre segurança nacional, explica o que mudou em três pontos: velocidade, sensores e zonas cinzentas.

“Drones, mísseis de longo alcance e armas hipersónicas comprimem o tempo de decisão. Os líderes gerem agora minutos, não dias (…) satélites comerciais, investigação de código aberto e ISR [Informações, Vigilância e Reconhecimento] omnipresente dificultam a ocultação dos preparativos — de modo que cada movimento é lido como um sinal e, por vezes, mal interpretado como uma ameaça (…) guardas costeiras, milícias, unidades cibernéticas e agentes oferecem opções que ainda colocam pessoas reais em perigo real”, escreve o especialista.

Embora os especialistas não considerem inevitável um conflito global em grande escala, reconhecem que estamos certamente a caminhar sob gelo muito fino. Basta um passo em falso para desencadear o caos. A história mostrou como as guerras muitas vezes surgem não apenas por inevitabilidade, mas por erros de cálculo, indecisão e fraqueza — ou perceções desta.


Tomás Guimarães, ZAP //


Subscreva a Newsletter ZAP


Siga-nos no WhatsApp


Siga-nos no Google News