Uma criança de 13 anos foi chamada para ensinar a soldados uma das tarefas mais importantes da guerra. Como ela, muitas outras seguiram o mesmo caminho

É através de uma educação “patriótica” e militarizada que a Rússia está a envolver as crianças e adolescentes russos na guerra contra a Ucrânia. Arrastam-nos para o conflito de forma indireta, mas os menores começam a também fazer parte da gigante máquina de guerra que Vladimir Putin colocou a carburar em 2022.

É isso que acontece àqueles que se destacam nos concursos nacionais de videojogos. Se se destacarem nos eventos, podem ganhar um lugar pago a trabalhar para empresas na área da Defesa.

De acordo com uma investigação do site independente The Insider, tudo começa a partir de videojogos aparentemente banais e sem maldade e acaba com as crianças envolvidas no conflito armado e a saberem manusear um drone. Há jovens a acompanhar o processo de produção de drones numa fábrica e outros a montá-los. Drones esses que depois vão, muitas vezes em “enxames”, aterrorizar as cidades ucranianas.

Uma dessas crianças tinha apenas 13 anos quando lhe pediram que ajudasse na guerra. Revelou àquele meio independente russo que tinha treinado soldados na operação de drones dentro de uma instalação estatal em 2022. Outro, quando tinha 17 anos, recebeu uma oferta de emprego de um laboratório “que presta serviços à operação militar especial”.

“Os miúdos estão ativamente envolvidos na modelação de componentes de sistemas para vários drones”, confirmou um dos adolescentes envolvidos a um jornalista do The Insider. “Sei de pelo menos várias pessoas que estavam a modelar componentes de UAV [veículos aéreos não tripulados] para grandes empresas.”

Berloga. É este o nome do jogo que transporta as crianças até à guerra. O que as motiva a entrar no jogo? Saberem que, se tiverem sucesso, podem ganhar créditos extra no exame estatal final do ensino secundário. O jogo consiste em defender “ursos inteligentes” do ataque de abelhas, defesa essa que é feita, por vezes, com recurso a drones.

O projeto Berloga, aprovado pelo presidente russo Vladimir Putin, está integrado na Agência Russa para Iniciativas Estratégicas (ASI), que engloba também os clubes da Iniciativa Tecnológica Nacional (NIT) – um programa estatal russo que se foca na criação de novos mercados de alta tecnologia – e ainda o curso intensivo de treino Archipelago, que menciona explicitamente o teste de drones militares no seu currículo.

Os jogadores que se destacam passam para concursos mais avançados, um deles chamado “Big Challenges”, para depois serem contratados por empresas russas, muitas delas ligadas ao setor de Defesa e sujeitas a sanções internacionais. O objetivo é levar os jovens russos até à programação e montagem de drones reais. 

Nas competições, esses jovens são submetidos às mais variadas tarefas que se assemelham aos objetivos militares, desde apresentar novos produtos, novos sistemas e soluções para problemas que as empresas possam estar a enfrentar – que são posteriormente testados. Os projetos apresentados devem ser economicamente viáveis e devem também funcionar com componentes nacionais, além de estarem alinhados com o objetivo de Putin de alcançar a soberania tecnológica.

O The Insider falou com três finalistas da competição que, apesar de não divulgarem o nome verdadeiro, contaram um pouco da sua experiência. Estes jovens estão cientes da vertente militar que acompanha o projeto, mas foram encorajados a escondê-la.

“Quando estávamos a defender [o nosso projeto na final], fomos proibidos de dizer que ele era necessário para a guerra e inventámos aplicações civis. É um programa para crianças. Um projeto deve sempre ter um duplo propósito, especialmente quando se é estudante. É uma regra não escrita que observei em todas as competições. Se a relevância do projeto estiver ligada apenas ao setor militar, isso é muito mau. Dizem sempre para inventar outra coisa”, contou um jovem de 17 anos.  

Os pequenos drones FPV (visão na primeira pessoa) têm tido um papel importante no conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, sendo as armas mais mortíferas. Ainda assim, ambos os exércitos têm usado drones de longo alcance de forma a atingir alvos mais distantes. As tropas russas têm enviado drones kamikaze para a Ucrânia, atingindo a capital ucraniana e outras grandes cidades. 

Os jovens estão também envolvidos na produção de drones de maior dimensão, conforme mostrou um documentário transmitido pela estação de televisão do exército russo.