A arte rupestre encontrado no deserto arábico revela um conjunto de representações em tamanho real inscrito em arenito espulpidas por grupos humanos de caçadores-recoletores que por ali circuraram há pelo menos 12 mil anos, no final da última Idade do Gelo.

Estes 62 painéis com 176 gravuras sugerem apontar o caminho para os habitantes humanos mais antigos da Arábia Saudita e os oásis do deserto que teriam usado.

Para além de representações de camelo, foram documentadas figuras de cabra selvagem, equideos selvagens, gazelas e auroques (bovino selvagem extinto).



O traçado branco mostra a camada mais antiga e diferentes tons de azul mostram as gravuras sobrepostas. A escala visivel no canto inferior direito da foto tem 10 centímetros de comprimento | Crédito da imagem: Maria Guagnin/Sahout Rock Art and Archaeology Project


Arte rupestre monumental


As esculturas datam de cerca de 12 mil anos atrás e muitas têm mais de 1,8 metro de altura. 


O novo estudo, publicado na Nature esta terça-feira, explica que esta descoberta faz recuar a presença humana na região em dois mil anos. Ou seja, as esculturas de animais e ferramentas de gravação encontradas no local mostram que as pessoas já estavam a viver na região cerca de 2.000 anos antes do que os cientistas pensavam.


Não está claro como estas populações sobreviveram em condições tão áridas, nomeadamente, se recorriam a lagos rasos que acumulavam água doce em alguma época do ano ou se recolhiam essa água em fendas profundas das formações rochosas.


Perspetiva da escavação de uma trincheira diretamente abaixo de um painel de arte rupestre com uma gravura de um camelo marcada em arenito num local chamado Jebel Arnaan, ao sul do deserto de Nefud, no norte da Arábia Saudita | Sahout Rock Art and Archaeology Project via Reuters


Os arqueólogos dizem que as representações foram elaboradas usando uma rocha em forma de cunha para criar linhas nítidas. Durante as escavações, os investigadores encontraram uma pedra enterrada na paisagem que estava imediatamente abaixo das esculturas, permitindo a datação da ferramenta associada à arte realizada.




“Para gravar tanto detalhe com apenas uma rocha requer habilidade real”, disse Maria Guagnin, arqueóloga do Instituto Max Planck de Geoantropologia na Alemanha, que esteve envolvida na descoberta.


Imagem A – Dois lados da ferramenta de riscar. A escala é de 1 cm. Imagem B, C corresponde à ferramenta desgastada em forma semi-circular , a análise traceológica mostrou danos consistentes com a gravação no arenito (a Traceologia permite determinar a função dos utensílios em pedra através da análise das marcas conservadas na superfície dos objectos) | Sahout Rock Art and Archaeology Project


Simbolismo do camelo e da mobilidade das populações



De acordo com a investigação “as gravuras expressam um simbolismo que se relaciona com animais do deserto e com a sazonalidade, nomeadamente a representação de camelos machos, que podem representar a época de acasalamento destes animais após as chuvas de inverno , e potencialmente também a sua extraordinária resiliência nestas paisagens áridas”.


Para os arqueólogos as evidências arqueológicas sugerem contato repetido entre populações humanas no norte da Arábia e no Levante, no entanto, ao contrário dos vizinhos levantinos, “estes grupos produziram arte rupestre monumental que gira em torno de um simbolismo animal do deserto: o camelo”.


Parte das gravuras que se estendem por 23 metros em duas superfícies de penhasco a uma altura de 34 m e 39 m dão a esta arte rupestre uma escala monumental, descrevem os investigadores.


A imagem A e B documenta a localização de alguns dos painéis que estão a 34 e 39 metros de altura. A imagem C revela linhas coloridas colocadas pelos arqueólogos graficamente para melhor se compreender os traços da arte rupestre a mostrar 19 camelos em tamanho real. Os animais naturalistas pertencentes à fase 3 estão identificados com traços a branco. As representações mais estilizadas e padronizadas da fase 4 estão delineadas a azul, e incluem duas gravuras de equideos identificados a azul escuro e camelos estilizados sobrepostos traçados a azul claro. A preto estão linhas não identificadas. As figuras brancas têm 1,7-1,9 m de comprimento; os camelos azuis têm 2,15-2,6 m de comprimento. Foi adicionada uma figura humana na extrema esquerda da foto para funcionar como escala (1,7 m) | Sahout Rock Art and Archaeology Project


Durante a transição “das terras secas do Pleistoceno-Holoceno (entre 12,8 e 11,4 mil anos), os grupos caçadores-coletores provavelmente eram altamente móveis”, explica o estudo.

“A distribuição da monumental arte rupestre ao longo de rotas que ligam corpos de água sazonais sugere alta mobilidade, e movimentos regulares em distâncias consideráveis podem ter sido uma adaptação fundamental à disponibilidade cíclica de água” acrescenta a investigação com o título “A arte rupestre monumental ilustra que os humanos prosperaram no deserto árabe durante a transição do Pleistoceno-Holoceno”.




“As representações de animais selvagens e a marcação de paisagens naturais podem ter sido um mecanismo para marcar rotas e talvez também servir como marcadores territoriais que documentam direitos de acesso através de imagens impressionantes que teriam “guardado” locais na ausência de certo grupo humano”, sustentam os arqueólogos.

“Estes grupos humanos devem ter sido comunidades completamente estabelecidas, adaptadas ao deserto, que conheceriam a paisagem muito bem”, conclui Guagnin.