Como Montenegro costuma fazer, as más notícias estão todas guardadas para depois das eleições
Luís Montenegro já nos habituou. Uma das suas táticas favoritas é esconder o jogo – ou seja, esconder as más notícias. Antes das eleições escorrem promessas, aumentos extraordinários de benefícios sociais, malabarismos vários para aumentar o rendimento disponível dos eleitores, mesmo que isso não passe de uma ilusão. O segredo é garantir que a ilusão persista pelo menos até ao dia das eleições.
A gestão eleitoralista de diversas políticas foi por demais evidente nos meses que precederam as legislativas de maio. O acordo com os professores sobre reivindicações com décadas, e a revalorização salarial de outras 18 carreiras da administração pública são só alguns exemplos. A pensão extraordinária para os idosos, é outro. Este ano repete-se este truque. Como se repete o truque das tabelas de retenção na fonte de IRS, para garantir que os eleitores votam com mais dinheiro na mão. A má noticia chega tarde demais, na hora de fazer o acerto com o fisco.
Costuma dizer-se que os eleitores votam com a carteira. It’s the economy, stupid! Este Governo parece acreditar piamente nessa máxima.
Os eleitores também não gostam de más notícias, por isso o Governo só as dá depois das eleições. O caso mais clamoroso é a profunda alteração das Leis Laborais, uma reforma estrutural que o Executivo considera prioritária e indispensável, mas que não lhe ocorreu incluir no Programa Eleitoral. Ele há esquecimentos de bradar aos céus.
Não é esquecimento, claro. É batota mesmo. Como foi batota aquele corte de 1,5 mil milhões de euros no IRS, que Montenegro prometeu no ano passado, mas que afinal se baseava essencialmente na redução de IRS que o Governo de António Costa tinha acabado de fazer. Os 1,5 mil milhões de Montenegro & Sarmento afinal eram só 200 milhões. Lembra-se? Convém ter memória.
Antes das eleições, só boas notícias
Sem chegar a estes cúmulos de manipulação e ocultação, também no caso das autárquicas o Governo está a fazer uma gestão eleitoralista do que diz e faz e do que deixa por dizer e fazer. A aprovação da nova versão da Lei dos Imigrantes vem mesmo a jeito para explorar certas e determinadas perceções especialmente enraizadas nalgumas comunidades locais. A apresentação do Orçamento do Estado, prevista para dia 10 (o último dia útil antes das eleições autárquicas) será, aposto, um festival de boas notícias, com sol na eira e chuva no nabal: mais crescimento, mais investimento, mais apoios sociais, menos impostos. É pedir!, é pedir!, que o Governo dá.
Combustíveis vão ficar mais caros
Mas haverá, como sempre, uma agenda escondida. Não me refiro aos retrocessos sociais relacionados com a perda de direitos dos trabalhadores com o pacote laboral que aí vem. Isso já é gato escondido com rabo de fora – o rabo de fora eram os impensáveis cortes nos direitos de amamentação, nas licenças parentais e no luto gestacional. Tudo cascas de banana, para desviar as atenções de outras intenções mais sérias e igualmente graves.
Mas a questão que lhe trago é outra. O Orçamento provavelmente não abrirá o jogo sobre o que irá acontecer aos preços dos combustíveis. Mas Portugal vai ter de acabar com o apoio aos preços dos combustíveis que foi introduzido pelo Governo Costa, quando a cotação do petróleo disparou, depois da invasão russa da Ucrânia.
Segundo esta notícia publicada aqui na CNN, Bruxelas quer que Portugal acabe com o desconto no Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), em vigor desde 2022. Já foi enviada carta ao secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, José Maria Brandão de Brito, e ao Ministério das Finanças, exigindo “ações concretas” para eliminar uma medida criada no pico da crise energética. Quando a medida foi lançada, António Costa devolveu aos consumidores a receita adicional de IVA que resultava do aumento dos preços, tornando o alívio no ISP equivalente a uma descida do IVA de 23% para 13%.
A UE já avisou: a benesse é para acabar, até porque significa um subsídio aos combustíveis fósseis, e a Europa, como sabemos, é “verde”.
Ou seja, é garantido que os preços da gasolina e do gasóleo vão subir em breve, e não será pouco. Quanto? Quando? Shiu!, não se fala disso antes das eleições.
Novas regras no Regime de Arrendamento Urbano
Mas há mais. Depois de dois Conselhos de Ministros dedicados a medidas para combater a falta de casas em Portugal – com algumas medidas que podem fazer subir ainda mais os preços da habitação, como tentei explicar aqui – já sabemos que haverá um terceiro Conselho de Ministros dedicado a outro aspeto deste problema. O anúncio foi feito discretamente pelo ministro Miguel Pinto Luz, em entrevista ao Eco.
“Em dezembro, o Governo vai trabalhar a terceira dimensão deste pacote de habitação, que tem a ver com o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), nomeadamente, com o teto das rendas, e não vou antecipar qual é a nossa política, que tem a ver com as heranças indivisas, tem a ver com os despejos…”
Portanto, sabemos que chegarão em dezembro as más notícias para quem ainda consegue viver no centro das cidades porque tem rendas anteriores a 1990, estando por isso protegidas de aumentos súbitos, acima do índice de inflação.
E sabemos mais qualquer coisinha: que com as futuras regras vai ser mais fácil despejar inquilinos e que os limites aos aumentos das rendas provavelmente vão desaparecer. Ou, em língua de pau de ministro: “É necessário agilizar, mas, concomitantemente, ter uma visão humanista. E por isso os despejos serão trabalhados em conjunto com o Fundo de Emergência Habitacional. Agora, não podemos ter processos infindáveis de inquilinos que não pagam renda e que os senhorios, por isso mesmo, não querem colocar as suas casas no mercado. Até dezembro, o Governo irá apresentar a sua proposta, e o teto das rendas será reavaliado nessa altura.”
Quando lá chegarmos, já os novos autarcas foram eleitos e tomaram posse.
Não diga que não foi avisado
Conclusão: get ready for impact. Mas escusa de sofrer de véspera. Deixe isso para o peru de Natal. Pelo menos até às autárquicas escorrerá leite e mel, chá e simpatia, e promessas de amanhãs que cantam. Depois, logo se vê. Mas não diga que não foi avisado.